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Cientistas paraibanos criam indicador que prevê tendências de seca

Pedro Paz / 04/04/2024
A imagem mostra um rio sinuoso que flui através de uma paisagem árida e parcialmente desmatada, com solo avermelhado, destacando a interação entre os elementos naturais e as atividades humanas. É dia claro, mas o céu está cinzento.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Cientistas paraibanos criaram um indicador que avalia exposição e tendências de seca em regiões nas quais a escassez prolongada de água ainda não é uma realidade concreta. Chamado de NIFT, o novo índice é baseado em dez parâmetros e foi apresentado à comunidade científica internacional já revisado por partes na edição de março do Journal of Hydrology, periódico acadêmico sobre ciências hidrológicas.

O NIFT pode ser útil tanto para analisar regiões já afetadas pela seca quanto para identificar áreas potencialmente vulneráveis. O cálculo do indicador utiliza principalmente dados históricos de precipitação, considerando, sobretudo, quantidade, intensidade, frequência e tendência de eventos de seca, parâmetros que dão nome ao indicador.

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N = número ou quantidade de eventos de seca

I = intensidade da seca

F = frequência das secas

T = tendência

Para chegar ao novo índice, dados de mais de 3 mil séries históricas com 50 anos de registros foram examinados em âmbito nacional. Entre as principais novidades que o NIFT traz, está o fato de que ele não apenas considera a intensidade e a duração da seca, mas também como essas condições evoluem ao longo do tempo, tendo em vista a fadiga da área devido à persistência das condições de seca.

“Essa novidade fornece uma avaliação mais abrangente e dinâmica do impacto das secas meteorológicas, melhorando significativamente nossa compreensão dos efeitos das secas e, consequentemente, ajudando na implementação de medidas mais eficazes de mitigação e adaptação”, garante Reginaldo Moura Brasil Neto, principal autor do indicador.

Segundo Celso Augusto Guimarães Santos, orientador da tese de doutorado que deu origem ao indicador, apresentada e defendida publicamente em abril de 2023, no programa de pós-graduação em Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a compreensão e avaliação dos impactos das secas meteorológicas é um processo diverso e complexo, já que está intimamente ligado às variações da precipitação. “A precipitação é um elemento fundamental do ciclo hidrológico. Ela influencia a produtividade agrícola, o clima regional e a dinâmica dos processos atmosféricos e terrestres. Por isso, quantificar os impactos envolve vários parâmetros distintos”, explica Santos.

Para o professor e pesquisador, o trabalho representa um avanço significativo na metodologia de avaliação da exposição a secas meteorológicas, incorporando uma abordagem multidimensional. O estudo pode gerar patente e teve financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Como é feito o cálculo

O cálculo do índice NIFT é derivado de dez parâmetros distintos e baseado nos resultados da análise de séries de dados.

Os dez parâmetros são divididos em quatro grupos:

Divisão dos parâmetros do NIFT

1. Número e intensidade média dos eventos de seca;

2. Frequência com que ocorrem eventos de seca classificados como suaves, moderados, severos e extremos;

3. Tendências observadas ao longo do tempo em termos de comportamento, duração e severidade das secas;

4. Média anual de chuvas na região.

Os primeiros três grupos de parâmetros baseiam-se no Índice Padronizado de Precipitação (SPI), criado em 1993 e reconhecido internacionalmente por sua eficácia em medir a seca, pois permite avaliar o fenômeno em diversas escalas temporais, utilizando apenas dados de precipitação.

Os pesos atribuídos a cada parâmetro foram determinados através de um processo que incluiu testes empíricos e raciocínio lógico, assegurando que nenhum parâmetro domine indevidamente o índice e que a ponderação reflita precisamente a exposição à seca.

O valor do índice NIFT é então calculado através da soma do produto dos pesos e os valores padronizados de cada parâmetro. Esse método assegura que o NIFT ofereça uma avaliação detalhada e nuances da vulnerabilidade à seca.

O que diz a análise de 3 mil séries históricas

A análise de três mil séries históricas de 50 anos que subsidiaram o desenvolvimento do indicador inédito indica que as regiões com chuvas mais abundantes do Brasil estão concentradas no noroeste da região Norte, com níveis que se aproximam dos 3.500 mm anuais.

Os cientistas paraibanos disponibilizaram a figura abaixo, presente na comunicação científica que tornou público o novo indicador.

As regiões marcadas com tonalidades de amarelo a vermelho representam áreas com maior exposição à seca.

Nesta imagem, podemos observar uma série de mapas que mostram os níveis de precipitação no Brasil ao longo de diferentes décadas, desde a década de 1970 até a década de 2010, incluindo um mapa médio. As áreas com menos chuvas estão sinalizadas nas cores amarelo, laranja e vermelho, enquanto as regiões com chuvas mais intensas estão marcadas com azul escuro. Essa visualização é interessante porque permite uma comparação visual das mudanças climáticas ao longo do tempo.
Crédito: Journal of Hydrology, edição de março de 2024

Nota-se que a região Semiárida do Brasil, frequentemente referenciada como “polígono das secas”, devido à sua predisposição histórica à aridez, é proeminente em todas as escalas temporais analisadas.

Adicionalmente, destaca-se que, apesar da precipitação volumosa comum na região Norte, o estado de Roraima demonstra uma assinatura de seca mais pronunciada em comparação com o restante da bacia amazônica.

Em termos de estabilidade, pontua-se a homogeneidade da precipitação na região Sul do país, onde não há delimitação tão evidente dos meses mais secos e mais chuvosos. Em tese, essa estabilidade varia em função de vários efeitos, a destacar a topografia, o clima, a vegetação e os sistemas climáticos atuantes.

No país como um todo, os resultados indicam que secas de caráter trimestral e semestral são as que tem os resultados mais expressivos, sendo a região do Semiárido a mais atingida e as regiões Norte e Sul menos afetadas.

“A seca nos últimos anos no Norte do Brasil tem chamado atenção. Notamos que, na última década, os percentuais de eventos secos, especialmente na região limítrofe entre os estados do Amazonas e Roraima, foram consideravelmente altos. Além disso, zonas específicas da região Norte apresentaram indícios de tendências de aumento das secas em escalas de curto, médio e longo prazo”, esclarece Santos.

Reginaldo Brasil Neto completa que a análise das distribuições espaciais de secas, conforme refletido nos índices NIFT para diferentes escalas temporais, permite inferir possíveis variações no regime de chuvas.

“As áreas destacadas por maiores valores de NIFT, indicando maior exposição à seca, podem sugerir redução na precipitação média ou aumento na sua variabilidade, embora uma análise direta e específica das tendências de precipitação não tenha sido o foco deste estudo”, aponta com cautela.

Em que o índice pode ajudar

Para mitigar tais efeitos, Santos defende que estratégias multifacetadas são necessárias. Estas podem incluir, mas não se limitam, ao aprimoramento na coleta e análise de dados hidrometeorológicos, implementação de infraestrutura de conservação de água, adoção de práticas agrícolas adaptativas e desenvolvimento de políticas públicas que promovam a resiliência hídrica e a segurança alimentar.

Não foi feita uma análise específica quanto à exposição à seca para a cidade de João Pessoa, onde os cientistas moram e trabalham, nem para uma região mais abrangente como a América Latina. No entanto, esses aspectos representam os próximos passos da pesquisa. Por ora, os resultados referentes à Paraíba indicam que as regiões da Borborema e do Agreste são as mais vulneráveis às secas meteorológicas, apresentando níveis de exposição consideráveis quando comparados com o padrão nacional. Entre os vários fatores que podem influenciar os efeitos das secas, eles evidenciam as mudanças climáticas globais. “Essas alterações, que estão entre os desafios ambientais mais críticos da atualidade, conduzem eventos climáticos extremos mais graves e frequentes, incluindo as secas”, ressalta Celso Santos.

Estudos recentes, conforme os criadores do parâmetro inovador, projetam aumentos significativos na magnitude e na exposição socioeconômica das secas globais em climas 1,5° e 2,0° C mais quentes, enfatizando a urgência crescente de compreender e mitigar os impactos da seca.

A intenção é de que, através do NIFT, tomadores de decisão possam identificar, com maior precisão, quais são as regiões mais e menos expostas à ação das secas meteorológicas.

Nesta foto, vê-se um leito de rio seco na Amazônia com terra rachada no primeiro plano, com vegetação verde mais atrás, e estruturas flutuantes equipadas com pneus coloridos ao fundo.

Zonas específicas da Amazônia apresentam indícios de tendências de aumento das secas

Crédito: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

“Através dessa informação, estima-se que o processo de implementação de medidas mais eficazes de mitigação e adaptação sejam tomadas com maior eficácia, investindo esforços onde realmente seja necessário. A partir do NIFT, essas decisões poderão ser tomadas não só com base em diferentes escalas temporais, como também considerando diferentes escalas regionais”, defendem os cientistas paraibanos.

Indígenas e quilombolas, aponta o professor, também dependem fortemente do meio ambiente e de seus recursos. As secas podem comprometer suas práticas culturais, alimentação e acesso à água, ameaçando sua sobrevivência e cultura.

Reginaldo Moura Brasil Neto chama atenção para as cidades também, nas quais a falta de água pode levar a racionamentos, afetando o dia a dia de todos. Além disso, a produção de energia, principalmente a hidrelétrica, pode ser reduzida, levando a aumentos no custo da energia.

“Em resumo, as secas têm um efeito dominó que atinge todos os aspectos da nossa vida, desde o meio ambiente até a economia e cultura. Por isso, é importante encontrar formas de usar a água de maneira sustentável e buscar soluções para minimizar os impactos desses períodos de seca”, argumentam os cientistas paraibanos.

AUTOR
Foto Pedro Paz
Pedro Paz

*Jornalista, divulgador científico e doutorando em Antropologia na UFPB