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Por Helena Dias
Enquanto esperava o ônibus para chegar à Integração da Macaxeira, Zona Norte do Recife, um homem que aparentava ter por volta dos 50 anos de idade apontou para a lixeira em chamas próxima a parada e disse: “Isso sim é vandalismo. Eu atirava nas pernas de cada um que fez isso, mas não era para matar, não. Queria ver acabar num instante”.
Mesmo sem resposta, continuou a falar. Disse que não acha vantajoso conversar sobre política nesta eleição, por causa da “violência que tem matado muita gente”. Depois de uma longa pausa, começou novamente: “Votei nela, Gleide Ângelo, pelo o que ela fez. Vi no jornal que ela ia de comunidade em comunidade dando palestras para as mulheres”.
Foram 412.363 mil votos que elegeram a delegada Gleide Ângelo (PSB) deputada estadual mais votada da história de Pernambuco. O pensamento deste homem e seu voto sintetizam alguns dos fatores que a fizeram ter uma votação expressiva mesmo sem experiência política.
Ele falou sobre segurança pública, violência contra a mulher e mídia. Temas que, juntos, fazem parte da trajetória da delegada há oito anos, quando ficou conhecida por elucidar o assassinato da turista alemã Jennifer Kloker, encontrada morta às margens da BR-408, em São Lourenço da Mata, Região Metropolitana do Recife.
Em abril deste ano, Gleide se afastou da função de delegada da Polícia Civil e de sua coluna semanal num portal online local. Se filiou ao PSB e alcançou o marco de deputada estadual mais votada da história do estado. Com o feito, alavancou o coeficiente eleitoral do partido e ajudou a manter o PSB como a maior bancada da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).
A Marco Zero Conteúdo analisou dados e ouviu especialistas em ciência política, segurança pública e comunicação para entender o “fenômeno” Gleide Ângelo destas eleições. As análises foram distribuídas em cinco fatores que ajudam a explicar a votação expressiva da delegada. Entenda:
Gleide Ângelo passou a ter sua atuação conhecida pela população através da cobertura policial da imprensa pernambucana, principalmente em programas televisivos. Trabalhou como delegada da Polícia Civil de Pernambuco nos últimos 15 anos. Além do caso Jennifer Kloker, ela foi responsável por elucidar outros crimes como o assassinato da jovem pernambucana, Maria Alice Seabra, morta pelo padrasto em 2015. Participou ainda das investigações do assassinato da menina Beatriz Angélica Mota Ferreira da Silva, de 7 anos, morta a facadas em Petrolina no mesmo ano.
Neste período, a ascensão da delegada era tanta que sua transferência do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) para a Delegacia de Olinda foi assunto de debate na Câmara Municipal do Recife. Em novembro de 2015, Gleide passou a assinar a coluna “A mulher e a lei” no portal NE10, na qual escreveu até abril deste ano.
Os pernambucanos a viam nos jornais locais frequentemente, à frente de outros casos emblemáticosno estado de violência contra a mulher e feminicídio .
Nova na política, apesar de muito conhecida pelo eleitorado. Um das características das Eleições de 2018 foi a rejeição aos nomes da “velha política”, quando rostos com os quais os eleitores estavam acostumados ficaram para trás, abrindo lugar para uma ideia de “renovação”.
Ela não se declara feminista e não integra nenhum movimento do segmento. No Projeto Adalgisas, que cobre a participação das mulheres na política do estado, não há registros de sua presença nos eventos destinados às candidatas. Mesmo assim, seu slogan de campanha foi Lugar de mulher é onde ela quiser, um dos principais motes dos coletivos feministas.
Os índices de violência contra a mulher ainda são alarmantes, mas cada vez mais pessoas sabem identificar o que é o machismo e suas formas, sabem o que é violência contra a mulher. As mulheres sabem quando estão sofrendo violência.
Uma delegada que conquista evidência em espaços onde as mulheres representam apenas 18,87% dos profissionais no país, segundo a pesquisa “Mulheres nas instituições policiais” (NEOP/FBSP-2015), é uma quebra de tabu e isso gera identificação. O combate a este tipo de violência está em evidência no debate público e quem encampa esta pauta pode surfar na crista da mesma onda.
Em 2017, tivemos no País 63,9 mil homicídios, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Não à toa, o principal tema destas eleições é a Segurança Pública. Diante da realidade sintetizadanas estatísticas de homicídios, há um sentimento de insegurança por parte da população. Candidatos que trazem essa pauta, sejam em suas atuações profissionais ou nas propostas, têm grande apelo eleitoral.
Como de costume, candidatos que já têm mandato recebem mais recursos do partido em relação aos iniciantes e com Gleide Ângelo não foi diferente. Para as campanhas das deputadas estaduais Simone Santana e Laura Gomes, a Direção Nacional do partido doou R$400.000,00, enquanto Gleide Ângelo recebeu pouco mais da metade desse valor, R$250.000,00.
Acontece que, quando vamos para o ranking de doadores da campanha da delegada, o maior doador não é o PSB. O MDB aparece em primeiro lugar tendo doado R$300.000,00. Gleide teve apenas R$45.539,04 a mais no total de recursos de campanha quando comparada à Simone.
Apesar do MDB estar coligado ao PSB nestas eleições, o que justificou o alto valor da doação foi a casadinha eleitoral que Gleide fez com o deputado federal eleito Raul Henry (MDB). Neste caso, a legenda de Henry trocou recursos pelo carisma de Gleide com o eleitorado.
Outra casadinha que rendeu bons resultados para ambos foi a com João Campos (PSB), deputado federal mais votado em Pernambuco. As votações de João e Gleide, quando cruzadas, estiveram em sintonia em grande parte da Região Metropolitana. Agora, os nomes de ambos estão entre as opções do PSB para disputar a prefeitura do Recife. As vantagens de Gleide são óbvias, além disso talvez o partido – e a matriarca Renata Campos – prefira trabalhar o nome de João como liderança nacional.
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.