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“Eu achei ótimo, ninguém imaginava que a gente ia ter isso aqui um dia”, afirma Indileize Souza, de 40 anos, que estava acompanhada da mãe e da filha mais nova no segundo dia de exibição do Cine Arrimo, que aconteceu na última semana (27 de outubro a 2 de novembro) no Córrego do Sargento, zona norte do Recife. Mãe, filha e neta aproveitaram o cinema à céu aberto instalado na área conhecida como “Barreirão” para conhecer filmes produzidos, em sua maioria, por realizadores da periferia.
As projeções aconteceram no muro de arrimo, construído em maio deste ano pela Prefeitura do Recife, e com a ajuda de um telão que precisou ser utilizado para que os moradores que estivessem mais próximos conseguissem ver as exibições.
Foram mais de 30 filmes que se conectam com o cinema periférico, além de sete filmes produzidos por moradores da comunidade durante a oficina “Outros Cinemas e o Minuto”, ministrada por Mila Nascimento, Uilma Queiroz e Alexandrehn. As obras abordam temas como território, tecnologia, organização social, gambiarras estéticas e questões contemporâneas como violência policial, luto e vida.
A iniciativa conta com a parceria do Coletivo Sargento Perifa e a equipe é composta, em sua maioria, por integrantes do coletivo e moradores do Córrego. José Carbonel, de 44 anos, trabalha com audiovisual há, pelo menos, 24 anos e é um dos integrantes do Perifa. Para ele, a iniciativa fortalece a comunidade e o reconhecimento dos moradores.
“A ideia é que a gente não pare por aqui, pelo contrário, que a gente potencialize mais esse projeto, que a gente continue. Então, não só exibir os processos de filmes cinematográficos no muro de arrimo, mas a gente produzir telas de arte, produções deles, subir uma foto de uma pipa digitalmente, por exemplo. E a gente ter esse olhar dos 360 graus da comunidade, que você vê o Córrego do Sargento e, dependendo de onde a gente tá, a gente consegue se ver”, afirma.
Esse projeto foi idealizado pela produtora e realizadora Ellen Meireles, que já morou na região da Linha do Tiro e tem uma relação afetiva com o território. Foi a partir dessa relação que o local para as exibições foi escolhido. Janaína Guedes, proponente da Mostra de Cinema Arrimo, afirma a importância de contar outras narrativas sobre o Recife, com produções de quem vêm da periferia da cidade.
“A gente não tem só o Recife da Boa Vista, do centro, da praia, a gente tem várias narrativas que devem ser contadas. E está sendo uma imensa alegria ver a criançada aqui reunida, assistindo, se empolgando com os filmes”, pontua Guedes.
Clima de festival tomou conta da principal rua do Córrego do Sargento
Crédito: Carbonel/Manguecrew
Entre os moradores que produziram sete filmes de um minuto durante a oficina “Outros Cinemas e o Minuto”, estão Jonas Ribeiro, de 21 anos, integrante do Sargento Perifa e responsável pela identidade visual do Cine Arrimo, Márcia Luz, 55 anos, atriz e moradora da Soledade, no centro do Recife e, Lucas Silva, de 33 anos, técnico em edificações e morador de Cajueiro, também na zona norte.As exibições dessas produções aconteceram no último dia do evento.
“É muito gratificante ver o que a gente sonha faz tempo acontecendo”, refletiu Jonas, que participa das atividades do Coletivo Sargento Perifa desde o começo, quando ainda era adolescente. O jovem cresceu e desenvolveu diferentes habilidades de comunicação, além de um olhar crítico para a sociedade a partir das oficinas e cursos realizados pelo coletivo.
A partir desse olhar, o jovem desenvolveu o Olhar do Último, um filme que mostra diferentes áreas do Córrego e contrastes entre as casas da comunidade. “Meu filme é sobre mostrar a comunidade. As diferenças que têm, principalmente das casas. Eu abordei as três partes que existem em um córrego só. Desde lá. Da avenida, entrando pra cá (no meio), até a última pessoa que mora lá dentro… Ele mostra a comunidade inteira e percebe o quão diversificado aqui é”, explica.
Na segunda vez que participa de uma oficina no Sargento Perifa, a atriz Márcia Luz destaca a integração e a relação intergeracional, característica presente nas atividades do coletivo. “Todo mundo junto, cooperando, se ajudando. Isso eu acho riquíssimo, entende? E também estar vivendo a minha cidade sob uma outra perspectiva”, afirma Luz que mora na região central da cidade.
Sua produção vem do olhar de quem chega ao território e é acolhida. “Na minha produção, na minha obra, eu estou trazendo a comunidade, a comunidade que me acolheu tanto. Então, eu estou falando sobre o Bibi y ri be [nome do curta metragem] e estou dando ênfase nas mulheres que estão aqui, nas mulheres que são lideranças desse espaço e que eu conheci nesse período”,explica.
Já Lucas Silva, escolheu levar para a produção o seu próprio território, o bairro de Cajueiro que fica a aproximadamente quatro quilômetros do Córrego do Sargento. “O nome é Vivendo Cajueiro. E tem aquelas pitadas de crítica social que a gente gosta, mas tem crítica construtiva também. Que é um lugar bom pra se viver, pra se morar, mas com problemas como em qualquer outro lugar também tem”, reflete Silva.
Esta oficina foi inspirada no projeto “Outros Sertões e o Minuto”, realizado pelos mesmo professores desta edição. Segundo Uilma de Queiroz, o projeto utiliza a palavra “outros” para falar desse momento em que estão buscando outras narrativas. “Que as pessoas falem de si a partir de seus próprios contextos e construindo dentro das ideias, o ponto de vista, a partir das localidades”, explica. Essa foi a primeira vez que o grupo ministrou uma oficina com essa perspectiva prática na região metropolitana do Recife.
As produções desenvolvidas durante a formação estão disponíveis no canal do youtube do Outros Sertões. Além da parceria com o Sargento Perifa, o projeto conta com o incentivo da Lei Paulo Gustavo, do Governo Federal, por meio da Prefeitura do Recife, com apoio do Gabinete de Inovação Urbana.
Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo (UNIAESO), mestranda pelo Programa de Pós-graduação e Inovação Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)/Campus Agreste. Contato: jeniffer@marcozero.org.