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Com poucos testes no Brasil, unidades sentinela podem ajudar no combate ao coronavírus

Raíssa Ebrahim / 01/04/2020

O governo federal começou a liberar mais testes para detectar o coronavírus. Ainda assim, eles são insuficientes diante do tamanho da população – a promessa é de 22,9 milhões de kits. Sem testes, não há dados que mostrem a realidade. Sem dados, fica difícil construir política públicas emergenciais.

Por enquanto, a grave subnotificação tem deixado autoridades e especialistas às cegas, vendo somente a ponta do iceberg. Ainda mais porque, por medida do Ministério da Saúde, parou-se de publicar os casos suspeitos nos boletins. Somente confirmados e óbitos são divulgados.

Existem, no entanto, mecanismos epidemiológicos que podem auxiliar na missão de detectar a evolução da epidemia nos chamados “bolsões de transmissão” e facilitar o isolamento e o monitoramento da população para que o vírus não se propague de forma desordenada. Um desses mecanismos é o fortalecimento e a ampliação das unidades sentinela de síndrome gripal.

Esses locais seriam unidades de urgência escolhidas estrategicamente para ter o teste da Covid-19. Podem ser UPAs ou Serviços de Pronto Atendimento Municipal. “A partir daí, podemos inferir, através de amostragens, a velocidade de progressão da epidemia e já realizar o isolamento e monitoramento dos casos positivos”, explica Tiago Feitosa, médico sanitarista e doutor em saúde pública pela Fiocruz.

“O ideal, porém, seria testar todos os suspeitos e todos os profissionais de saúde envolvidos diretamente no atendimento dos casos”, enfatiza.

O presidente do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, o médico-cirurgião Sidney Klajner, calcula que o pico da epidemia no Brasil deve acontecer agora no começo de abril e que, no país, para cada caso notificado, existam outros 15 sem diagnóstico.

A iniciativa das unidades sentinela, que também são uma forma de canalizar recursos para as comunidades mais atingidas, é um dos principais caminhos apontados para o monitoramento imediato da epidemia nesse contexto de escassez de testes para diagnósticos.

Quem vem recomendando isso localmente é a Rede Solidária em Defesa da Vida, da qual Tiago faz parte. Trata-se de um grupo interdisciplinar e interprofissional montado em Pernambuco e formado por pesquisadores, professores e profissionais de saúde, defensores públicos, juristas, jornalistas, advogados e defensores de direitos humanos.

Pelos cálculos do grupo, a Rede Sentinela Covid-19 precisaria de 15 a 20 unidades sentinela em Pernambuco.

O grupo, construído para contribuir com a resposta à epidemia e que vem dialogando com o poder público local, registra que as medidas de isolamento social implementadas no estado estão corretas e alinhadas ao que foi feito em outros países. Porém, é uma medida no “atacado” e deve ser aliada à testagem dos suspeitos com isolamento e monitoramento dos casos positivos.

Ou seja, a proposta da rede é que haja uma linha mais geral de isolamento e outra mais específica, localizada, para as pessoas positivadas. E como saber quem são essas pessoas? Conseguindo testar o máximo de pessoas com sintomas.

Países que estão conseguindo ter sucesso no combate à doença aliaram justamente testagem em massa e medidas adicionais de controle, monitoramento e acompanhamento, a exemplo da Coreia do Sul, da China na segunda fase da epidemia e da Alemanha.

Tereza Lyra, pesquisadora da Fiocruz e professora da Universidade de Pernambuco (UPE), também da Rede Solidária em Defesa da Vida, enfatiza o que a Coreia do Sul fez: testou em larga escala. Quando encontrava uma pessoa positiva, ela era colocada em quarentena, bem como os contatos dela. Com isso a capacidade de disseminação do vírus foi sendo cortada.

“É essencial compreender como a doença se distribui no território. Imagina uma pauperização da epidemia?! Uma coisa é se isolar num apartamento de classe média, com janelas, água e comida. Algo que nem todos têm acesso. Então, conhecer o perfil das pessoas que estão adoecendo e como isso está progredindo dentro do espaço é um dado muito importante”, reforça.

Para Tereza, além de focar na necessidade de leitos de UTI, que requerem não só espaço físico, mas também capacidade técnica, é preciso atacar o problema antes que ele se dissemine com mais força.

De maneira geral, existe a opção de se testar toda a população (algo impossível no momento), testar os sintomáticos (o que parece mais factível com a chegada de mais testes) ou testar apenas a população de risco. Na prática, o Brasil não está conseguindo fazer nenhuma dessas três opções.

O país só vem testando pacientes graves internados. Então por enquanto, não se sabe qual o curso da epidemia, seja nos níveis federal, estadual ou municipal.

A Marco Zero Conteúdo procurou a Secretaria Estadual de Saúde para saber se há iniciativas e orientações aos municípios no sentido de ampliar e fortalecer as unidades sentinela como estratégia de combate ao coronavírus, mas a pasta não respondeu a esse questionamento.

A reportagem também procurou a Secretaria de Saúde do Município do Recife (Sesau), já que a vigilância epidemiológica tem atuação municipal. Porém, a pasta afirmou que a demanda precisaria ser vista com o Estado, e não com a prefeitura.

Mais testes em Pernambuco

O governo de Pernambuco, por meio da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE), anunciou, nesta terça-feira (31), a ampliação da capacidade de testagem para a Covid-19, priorizando os profissionais de saúde das redes pública e privada que estão trabalhando diretamente com pacientes suspeitos e confirmados, além de quem trabalha na força de segurança.

A ampliação é fruto de uma parceria entre a SES-PE e o Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz-PE). Se o Ministério da Saúde realmente cumprir com as entregas, Pernambuco conseguirá triplicar a capacidade de testagem, de 770 para 2.170 exames por semana.

Priorizar os profissionais de saúde no cenário de poucos kits é essencial porque eles são potenciais vítimas e disseminadores ao mesmo tempo. Isso também evita que a rede de saúde fique descoberta de médicos, enfermeiros e auxiliares. São pessoas na linha de frente. Atualmente o profissional que apresenta sintoma gripal é afastado por 14 dias sem ter certeza se tem a Covid-19.

Os testes serão os mesmos já realizados atualmente pelo Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco (Lacen-PE), por meio da técnica RT-PCR, indicada para pacientes no início dos sintomas (até sete dias) e que analisa a presença do vírus ou parte dele na amostra coletada. Além disso, nesta semana, a empresa Genômika, especializada em testes genéticos e imunológicos, passou também a compor os esforços do Estado para ampliar a realização de exames pela técnica RT-PCR.

Por dia, o laboratório privado vai processar 300 exames. Essa contratualização está sendo feito em parceria com o Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (Lika) da UFPE.

Sobre as opções de testagem rápida, o secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, informou que os kits do Ministério da Saúde não devem chegar mais esta semana, pela necessidade do órgão federal realizar testes centralizados para garantir a eficácia do insumo e, posteriormente, encaminhar aos estados.

Os testes rápidos ainda são polêmicos por serem novos e não oferecer tanta segurança na sensibilidade. Há testes com problema no mercado, alguns com apenas 30% de sensibilidade, o que pode prejudicar os diagnósticos por apresentar muitos resultados falso negativo.

“Se eu tenho um teste que não é de confiança e ele dá um falso negativo, poderá gerar um grande fator de confusão entre toda a comunidade, dando uma falsa sensação de permissividade a aquele indivíduo que foi testado. Isso poderá atrapalhar nas medidas de controle”, afirma Longo.

O gestor ainda lembra que está em curso uma compra de mais de 350 mil testes rápidos pelo Consórcio Nordeste, que também está analisando a eficácia do que está sendo disponibilizado no mercado.

Números da Covid-19 no estado

Desde que os exames começaram a ser processados no Lacen-PE, foram realizadas mais de 2,5 mil análises para covid-19 e influenza. De acordo com o boletim divulgado nesta quarta (1), o estado contabiliza até o momento oito óbitos e 14 curas clínicas.

São 95 casos confirmados, distribuídos por 12 municípios (Recife, Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Camaragibe, São Lourenço da Mata, Palmares, Belo Jardim, Caruaru, Petrolina, Ipubi, Goiana e Aliança), além do Arquipélago de Fernando de Noronha.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com