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Foto colorida de dois homens com capacetes e camisas azuis em uma sala de paredes verdes realizando o trabalho de demolição. Um deles segura uma marreta na mão levantada, prestes a golpear a parede. A pessoa à direita tem a palavra “FISCAL” escrita nas costas da camiseta. O ambiente é de uma sala desordenada com objetos diversos visíveis, incluindo o que parece ser parte de um armário e outros itens não identificáveis. Há uma abertura visível na parede ao fundo

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Com pressa e sem aviso, Prefeitura do Recife derruba casas e despeja idosa na Vila Esperança

Casas demolidas vão dar lugar a acesso à ponte que liga zonas oeste e norte do Recife.

Giovanna Carneiro / 07/03/2024

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Vizinhas, as irmãs Gilvanilda Lopes Freire, 56 anos, e Adelaide Lopes Freire, 62 anos, foram surpreendidas às 8h desta quinta-feira por agentes do grupo especial da Grupo de Controle Urbano Tático da Guarda Municipal para despejá-las das casas onde moram há décadas. As irmãs são moradoras da Vila Esperança, no bairro do Monteiro, que está sendo destruída para a construção da ponte e dos acessos viários que vão ligar as zona norte e oeste do Recife.

Gilvanilda está com processo de desapropriação correndo e já recebeu uma parte da indenização. Porém, sem ainda ter para onde ir, solicitou à prefeitura mais uma semana para resolver a questão da mudança.

Já Adelaide garante não ter recebido qualquer indenização da prefeitura e nem sequer houve o início da negociação. Há três meses, ela foi procurada por um oficial de justiça, que informou que ela tinha , então, apenas uma semana para deixar a casa. Ela está com um processo contra a prefeitura para ser indenizada pela casa onde mora há 20 anos com o filho.

As casas das irmãs são coladas uma na outra, parede com parede. Ou seja, se derrubarem a de casa de Gilvanilda, a de Adelaide fica comprometida.

Quem também afirmou não ter recebido nenhum aviso sobre a demolição da casa dela nem qualquer indenização foi a moradora Maria Célia Almeida, de 62 anos. “Cheguei aqui em 1990. Eu chegava na prefeitura e era escorraçada, passei mal. Disseram que não iam me indenizar porque eu não pagava imposto. Mas que imposto? Quando eu chegava lá, não tinha imposto para pagar. A gente não pagava imposto porque era Zeis. Não fiz acordo, fui para o judiciário”, conta Maria Célia, que possui dois imóveis na Vila Esperança, um ponto comercial e a casa onde mora.

Desolada, Maria Célia foi amparada por vizinhos. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

“A juíza disse que tinha R$ 200 mil para mim, a prefeitura disse que pagava R$ 140 mil, e ainda descontava os impostos. Querem me pagar agora R$ 72 mil desse ponto (comercial) e R$ 32 mil da casa. Não aceitei. Estou sendo despejada hoje e não recebi nada, nada. Está tudo em juízo. Vieram aqui hoje, derrubaram dentro, tiraram as coisas”, reclamou Maria Célia, ainda de pijamas. Com a luz cortada, sem indenização e sem ter para onde ir, ela vai ficar abrigada na casa de uma vizinha.

A Marco Zero chegou hoje à Vila Esperança quando os moradores ainda tentavam negociar com a polícia para que as casas não fossem demolidas. O cenário é de destruição: as demolições são feitas, mas os entulhos não foram removidos. Uma retroescavadeira está derrubando as casas.

Moradores também reclamam que como a prefeitura chega para fazer as demolições sem aviso prévio, eles não conseguem retirar todos os pertences das moradias. Furtos e roubos estão sendo constantes na Vila Esperança, em meio às demolições, com esgoto a céu aberto e muito lixo acumulado.

Há ainda uma série de reclamações sobre o processo das indenizações. Gilvanilda diz que foi lesada, que a medição da casa dele foi feita aquém da real dimensão. “Minha casa foi medida duas vezes e tem 64 m2 construídos, mas colocaram 34 m2 construídos para não pagarem o certo. É por isso que estou sofrendo até agora para encontrar um lugar digno para morar, só encontro lugar destruído. Não tenho mais dinheiro para construir, já estava terminando minha casa aqui”, diz a mulher, que mora no local há 33 anos.

Quatro imóveis foram derrubados nesta quinta-feira, 7 de março. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

“Todo mundo está saindo daqui chutado, a pulso. Estão colocando a gente para fora à força. Eu lutei para ter minha casa, sou mãe de família. E agora estou passando por essa situação por causa do prefeito João Campos. Aquele viaduto não era dentro da nossa comunidade, mas do outro lado da escola Silva Jardim, e João Campos colocou dentro da nossa comunidade, destruindo a vida da gente”, desabafa.

Por hoje, Gilvanilda conseguiu salvar a casa dela. Os agentes da Prefeitura do Recife deram um novo prazo para a demolição, no dia 18 de março. De acordo com ela, a Prefeitura do Recife não quer indenizar sua irmã, Adelaide Lopes, alegando que o imóvel é um só e que as casas são conjugadas. Contudo, a moradora está correndo atrás na Justiça para conseguir que sua irmã seja indenizada. “Eles querem pagar só R$ 22 mil pela casa da minha irmã, é muito pouco”, diz.

Já a casa de Maria Célia já foi completamente desocupada e os agentes da prefeitura iniciaram imediatamente o processo de demolição do imóvel.

Em nota enviada à reportagem, a Prefeitura do Recife afirmou que as indenizações de Maria Célia Almeida e Gilvanilda Lopes já foram pagas. Confira o pronunciamento da PCR na íntegra:

A prefeitura do Recife explica:

A Autarquia de Urbanização do Recife (URB) esclarece que, desde 16/03/23 Maria Célia Almeida foi indenizada integralmente. Já à Givanilda Lopes Ferreira, também foi pago, em 14/12/23, o valor integral determinado como indenização. A gestão municipal esclarece que, de acordo com a Legislação vigente, após os pagamentos dos valores os imóveis devem ser desocupados em um prazo de cinco dias úteis, o que foi informado por diversas vezes às ocupantes, que são acompanhadas pela equipe social da URB que atua na região. Em relação à Adelaide Lopes Freire, no dia 16/03/23, recebeu parte da quantia total mediante acordo judicial, restando apenas um pequeno montante a ser quitado. No mais, os 49 imóveis restantes já foram devidamente quitados e seus moradores já desocuparam o local. A todos os moradores de Vila Esperança, foi ofertada uma Unidade Habitacional no complexo que será construído no local, sendo que as três personagens da matéria declinaram da oferta.

A URB explica que cada imóvel é avaliado individualmente e recebe um valor que varia de acordo com questões como existência de documentação legal, área construída e benfeitorias realizadas pelos moradores. Os valores oferecidos são baseados em tabela atualizada anualmente e validada pelos órgãos de controle, como Tribunal de Contas do Estado e Caixa Econômica Federal. No local a URB está construindo um conjunto habitacional, com 75 apartamentos, como opção de moradia para que as famílias residentes na Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) Vila Esperança/Cabocó, afetadas pela construção da Ponte Jaime Gusmão, possam permanecer no local. A obra já está em andamento, com investimentos em torno de R$ 10,5 milhões. Além disso, a comunidade ganhará também uma creche.

O habitacional será construído num terreno desapropriado pela Prefeitura do Recife, vizinho à ZEIS e terá dois blocos, um com 40 unidades e o outro com 35, contando com jardim, horta comunitária, playground e bicicletário. Os apartamentos medirão cerca de 40 m2 e os prédios terão tipologia do tipo térreo mais quatro pavimentos.

MAIS SOBRE ESSE ASSUNTO:

Com colaboração de Maria Carolina Santos

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.