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Crédito: Jamil Gomes/Torre Notícias
Durante 81 anos, Maria José da Silva morou na rua Antônio Rabelo, número 160, na Mangueira da Torre, comunidade encravada no bairro da Madalena. Foi nesse endereço que ela nasceu, passou a infância, juventude, criou os filhos e viu o “desenvolvimento” da região. No dia 3 de setembro, dona Liu, como é conhecida, recebeu uma intimação judicial para deixar “voluntariamente” o seu lar e, com ele, tantas memórias.
A área onde inicialmente sua família construiu um barraco de madeira e, depois, uma casa de alvenaria é alvo de disputa na justiça desde 1985, segundo a Defensoria Pública da União (DPU). O terreno é reivindicado pelo empresário José Arraes de Alencar Ximenes e pela esposa, Ana Maria de Albuquerque Lima Ximenes, conforme os autos do processo. Ambos foram reconhecidos como donos do local.
O imbróglio judicial impediu que dona Liu tivesse o imóvel incluído no processo de regularização fundiária e a entrega definitiva da posse por parte da Prefeitura do Recife, que reconheceu a área como Zona Especial de Interesse Social (Zeis).
A possibilidade de ver uma das moradoras mais antigas da Mangueira da Torre ser despejada em meio à pandemia de coronavírus mobilizou a comunidade. Os vizinhos realizaram protestos, buscaram ajuda de advogados, denunciaram a história ao Torre Notícias – veículo de comunicação comunitária – e o caso chegou ao conhecimento do defensor regional de direitos humanos da DPU, André Carneiro Leão.
“A família obteve o reconhecimento da propriedade, embora nunca tenha exercido a posse direta. Uma coisa é ter o título do imóvel registrado no cartório, mas, de fato, a posse direta do imóvel foi por todo esse tempo exercida pela família da dona Liu. Agora, se espera da prefeitura que pague a indenização da família reconhecida pela Justiça como dona do terreno, e, em seguida, cessão da área à dona Liu”, afirma o defensor.
Com base na ADF 828 do Supremo Tribunal Federal (STF) que veda por seis meses medidas administrativas ou judiciais que resultem em despejos, desocupações, ou reintegrações de posse, e na lei “despejo zero”, aprovada em 20 de setembro pela Assembleia Legislativa de Pernambuco, que também impede remoções forçadas durante a vigência de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), a DPU conseguiu na última quarta-feira (6) a suspensão do processo contra dona Liu.
Na decisão, o juiz Hélio Silvio Ourém Campos pede “que a DPU indique pessoas que compõem os órgãos públicos capazes de negociar a ocupação da referida área, bem como a manifestação da parte autora no eventual interesse em conciliar”.
“A gente espera que seja assegurado o direito da isonomia à família de dona Liu que reside no imóvel há tanto tempo, onde construiu sua vida ao lado da comunidade e todos os vizinhos tiveram direito à regularização fundiária, menos ela. Não é possível conferir esse tratamento desigual”, diz André Carneiro Leão.
Se a proposta da DPU for aceita pela prefeitura e pelo empresário que ganhou a ação judicial, ocorrerá um curioso encontro na mesa de negociações: de um lado, os representantes da prefeitura comandada por João Campos; do outro, os parentes do prefeito: José Arraes de Alencar Ximenes e seu advogado, o ex-procurador geral de Pernambuco, Thiago Arraes Alencar Norões.
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Jornalista formado pela Unicap e mestrando em jornalismo pela UFPB. Atuou como repórter no Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Foi trainee e correspondente da Folha de S.Paulo, correspondente do Estadão, colaborador do UOL e da Veja, além de assessor de imprensa. Vamos contar novas histórias? Manda a tua para klebernunes.marcozero@gmail.com