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Depois do horror: transformar indignação em política pública

Marco Zero Conteúdo / 16/10/2025
A imagem mostra a silhueta de uma pessoa de cabelos longos e soltos, vista de perfil, em pé ao ar livre durante o pôr do sol. O fundo é dominado por uma luz intensa e alaranjada do sol baixo no horizonte, que envolve toda a cena em tons quentes de dourado e laranja. A paisagem ao fundo tem árvores escuras, quase em sombra, e o céu exibe algumas nuvens dispersas iluminadas pela luz do entardecer.

Crédito: Stock Snap/Pixabay

por Edna Jatobá*

O caso do estupro de uma mulher dentro de um posto policial no litoral sul de Pernambuco, praticado por um policial militar agora identificado e preso, representa uma das mais graves violações do dever de proteção por parte do Estado. A barbárie expõe a violência individual de um agente e as falhas estruturais de um sistema que ainda não garante segurança nem dignidade às mulheres. Nem mesmo quando elas têm a coragem de romper o silêncio e registrar a denúncia.

A condução dessa crise deve ser vista para além da resposta emergencial e da responsabilização individual do agente violador. É necessário que este caso sirva como ponto de inflexão para a criação de mecanismos institucionais duradouros, capazes de prevenir, detectar e punir condutas como estas.

Casos como este precisam se transformar em marcos de mudança, assim como foram a Lei Carolina Dieckmann, que tornou crime a invasão de dispositivos eletrônicos para obter e divulgar conteúdos íntimos, e a Lei Mariana Ferrer, que alterou o arcabouço normativo para coibir atos que atentem contra a dignidade de vítimas e testemunhas em processos judiciais.

Pernambuco tem agora a oportunidade – e a obrigação – de dar um passo histórico, estruturando um plano estadual de enfrentamento à violência sexual institucional, com ações permanentes aberta ao controle social.

Medidas como:

a) criação de um canal de atendimento com garantia de anonimato, proteção e escuta segura para possíveis outras vítimas do mesmo policial e de outros agentes de segurança, com equipe independente e capacitada;

b) lançamento de uma campanha pública contra o assédio e a violência sexual em instituições policial e governamental, com linguagem acessível, informando as mulheres sobre seus direitos, os canais de denúncia e os serviços de acolhimento disponíveis;

c) elaboração de um protocolo estadual de atendimento a vítimas de violência sexual em contexto policial, com definição de fluxos, responsabilidades e medidas de preservação de provas e proteção da vítima;

d) integração intersetorial entre segurança pública, saúde, assistência social e sistema de justiça para o atendimento de vítimas, evitando revitimização e garantindo continuidade no cuidado e proteção integral;

e) instituição de uma jornada de formação continuada para as polícias civil e militar, com foco em gênero, direitos humanos e escuta empática, e reforço dos canais de avaliação externa do atendimento prestado.

Estes são apenas alguns exemplos factíveis sobre o que poderia ser implementado, com vistas a impedir que qualquer outra mulher passe por horror semelhante. As medidas não podem se limitar a respostas administrativas, mesmo que adequadas.

Para concluir, é preciso destacar a coragem da vítima, que teve força e resiliência para compartilhar a barbárie à qual foi submetida. É preciso que Pernambuco (re)afirme que a segurança e a dignidade das mulheres são prioridade e compromisso do Estado e da sociedade.

*Coordenadora-executiva do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop)

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