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DJ Dolores // O Enigma do Frevo

Marco Zero Conteúdo / 21/11/2025

Crédito: Kaio Oliveira

por Beatriz Santana*

Fora dos limites de Pernambuco, o frevo conquistou um músico que ainda não sabia, mas assumiria a missão de tentar decifrá-lo. O primeiro contato de Hélder Aragão, o DJ Dolores — compositor, produtor cultural e expoente do Manguebeat — com o ritmo vibrante foi em Sergipe, seu estado natal.

Até então, o frevo era apenas “música de carnaval”. Mas, ao chegar ao Recife, Dolores se deu conta do quanto o ritmo está entranhado na cultura local e decidiu estudá-lo com profundidade.

O resultado dessa imersão é “O Enigma do Frevo”, um projeto multimídia apoiado pelo Itaú Cultural, que transforma o ritmo em um campo de pesquisa e experimentação. A iniciativa reúne um álbum musical com dez faixas, uma web série de oito episódios e um site acervo que concentra todo o material coletado ao longo de cerca de sete meses.

Antes de compor qualquer música, o artista se propôs a compreender a história e o contexto do frevo. “Eu queria fazer um disco de frevo, mas me toquei que não sabia de verdade. Apesar de já ter gravado e tocado com grandes artistas, nunca tinha parado para estudar. [Daí] me propus o seguinte: só começaria a pensar no disco depois de ter feito a pesquisa”, conta.

Durante o processo, Dolores entrevistou figuras emblemáticas do frevo, como a historiadora Carmem Lélis, a multiartista Flaira Ferro e a passista e professora de dança Inaê Silva. Com elas, buscou entender o frevo sob uma perspectiva estética, histórica e social. Foi então que percebeu o quanto o gênero, para além da música, é uma expressão urbana, contemporânea e cosmopolita. “Quando você vai adentrando a história, se surpreende com os detalhes”, afirma.

Entre essas descobertas, destaca-se a percepção sobre o embranquecimento do frevo. “O frevo que eu conheci naquela época soava muito branco. Fui descobrindo que talvez o frevo que eu tenha conhecido fosse assim e não o gênero em si”, reflete.

Essa constatação levou o DJ a revisitar o frevo como reflexo das dinâmicas sociais e da presença negra que ajudaram a moldar Pernambuco. “O Enigma do Frevo é uma pesquisa muito pessoal, porque eu gostaria de entender melhor sobre o frevo, não só como gênero musical, mas o que o envolve social e antropologicamente”, complementa.

Inspirado também pela criatividade de artistas contemporâneos, Dolores observa uma “onda meio pop” que ajuda a manter o ritmo vivo e acessível. “Acho bacana que aconteça, porque talvez desperte interesse sobre outros aspectos dessa cultura”, afirma. Para ele, o diálogo entre tradição e inovação é inevitável: “Se uma cultura vai mudando e se adaptando aos dias, é justamente para permanecer contemporânea, porque senão ela morre”.

Com sua pesquisa concluída, o artista chega à metáfora que encerra o projeto: “Você só pode chamar de conhaque se for feito na região de Conhaque, na França. Champanhe é a mesma coisa. Tem o terroir, o solo propício. Nesse caso, Pernambuco tem o terroir do frevo, o lugar perfeito, só podia ter nascido aqui”.

A partir dessa analogia, DJ Dolores encerra o projeto com a convicção de que o frevo é uma linguagem que só pode ser plenamente compreendida a partir do contexto de origem. Em “O Enigma do Frevo”, ele traduz essa percepção em som, imagem e palavra, numa tentativa de revelar o que há de enraizado, mutante e ainda misterioso desta manifestação cultural.

O resultado é um trabalho que reconecta o frevo às suas matrizes populares, enquanto projeta novas possibilidades para o futuro. E a reflexão final: enquanto artistas celebrarem o passado, conversarem com outras produções do presente e experimentarem com o futuro, não saberemos no que o frevo vai se transformar e, por isso, o enigma é indecifrável.

* Beatriz Santana é estudante de Jornalismo da UFPE.

As reportagens publicadas aqui fazem parte da parceria entre a Marco Zero Conteúdo e o projeto de extensão “Cartografias do Frevo”, desenvolvido por professores e alunos do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A iniciativa busca mapear a contemporaneidade do frevo a partir de entrevistas com mestres, músicos, passistas e artistas que reinventam o ritmo.

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Foto Marco Zero Conteúdo
Marco Zero Conteúdo

É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.