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Sem políticas públicas de reflorestamento, professor se dedica a formar voluntários para plantar faveleiras na caatinga
Especialista em Bioecologia, mestre em Engenharia Sanitária, doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente, pós-doutor em Geografia. O currículo de Josimar Araújo de Medeiros sugere que se trata de um pesquisador ou acadêmico imerso nos corredores de uma universidade, preocupado com a publicação de seu próximo artigo em alguma revista científica ou preparando uma aula magna. Nada mais distante da verdade.
Até que tentaram tirá-lo de São José do Seridó, mas ele nunca quis sair desse município do Seridó potiguar com 4.560 habitantes, de acordo com o Censo de 2022. Lá, ele é professor de Geografia da escola estadual e também da rede municipal de ensino. De vez em quando, atende a alguns convites e dá aulas em módulos em pós-graduações de várias universidades pelo país, mas seus horizontes são outros: “minha vida é aqui, trabalhando educação ambiental com as crianças e adolescentes, formando gente disposta a atuar coletivamente pela caatinga, pelo meio ambiente”.
A convivência com estudantes da sua cidade dá a Josimar a dimensão do problema: “minha geração cresceu achando que açudes não secavam. As crianças de hoje estão crescendo achando que os açudes nunca enchem”
Josimar persegue um objetivo que passa longe do mundo acadêmico. Em 1999, ano em que o Brasil sediou a COP-3 da Desertificação, ele começou a colocar em prática uma ideia ambiciosa: reflorestar a caatinga na região. Ele alimenta a esperança de que é possível evitar que o Seridó se transforme em deserto.
“Não há mais processos ecológicos para que a vida volte a brotar. A cada seca, vemos mais juremas e pereiros mortos. E essas plantas são as últimas a morrer, são as mais resistentes à falta d’água. Essa é a nossa realidade, mas que não aparece nas imagens feitas por satélites, só sabe quem vive o cotidiano do semiárido”, afirma Josimar. Essa foi a razão que o leva a mobilizar alunos, ex-alunos e famílias agricultoras como voluntários no reflorestamento do território.
Depois de testar várias espécies de plantas nativas, o geógrafo decidiu pela espinhosa favelereira, também conhecida como favela. E ele detalha os fatores que justificam a escolha:
“Pra começar, o gado só come as folhas da faveleira quando elas caem no chão, pois os espinhos mantêm os animais longe da planta saudável. Além disso, ela fornece sombra e matéria orgânica, além de ser uma árvore que pode durar séculos”, explica Josimar, que faz parte do comitê municipal de combate à desertificação de São José do Seridó.
Nas áreas reflorestadas, Josimar e os voluntários identificaram que, a cada hectare com plantio de faveleiras, em média, convivem mil plantas de oito espécies diferentes. Onde não há faveleiras replantadas, há apenas 700 plantas por hectare. “Onde tem faveleira parece um jardim”, resume o também geógrafo Inácio Libânio, de 40 anos, educador ambiental da ONG Cáritas e ex-aluno de Josimar no ensino médio.
A partir de sua experiência na Cáritas, Libânio lembra que, quando uma experiência de reflorestamento é executada por alguma empresa privada de gestão ambiental contratada pelo poder público, o planejamento vem pronto de cima pra baixo. “E inclui o uso de espécies inadequadas ou de plantas exóticas”, critica. Um exemplo seria o uso de pés de algaroba, espécie nativa dos Andes que consome toda a água no solo e não permite que outras plantas germinem ao seu redor.
Teobaldo Clemente da Costa, de 79 anos, foi um dos agricultores que aceitaram receber os estudantes e voluntários coordenados por Josimar para o replantio de faveleiras em sua terra. As árvores plantadas pelo grupo às margens de um riacho intermitente permanecem com as folhas verdes desde que foram plantadas há uma década, sinal de que as raízes estão mantendo a água no subsolo.
Curiosamente, Teobaldo encontrou para os pés de favelas uma utilidade para diferente da imaginada por Josimar: “eu uso as sementes dela para plantar onde não tem água, nas clareiras, porque elas secam e os bois comem as folhas caídas no chão pra engordar na estiagem. É como se fosse uma forragem natural”.
O professor de Geografia da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) Manoel Cirício Pereira Neto, amigo de Josimar e admirador de sua atuação, acredita que todo o esforço do replantio da caatinga será em vão se uma nova e mais perigosa ameaça não for enfrentada: a produção de energia eólica. Para ele, o desmatamento das serras para a construção dos parques eólicos pode ser o que falta para, definitivamente, transformar a região em um deserto.
“A solução para conter o processo de desertificação passa por políticas públicas para conservar o bioma nas serras da região. Acredito que criar unidades de conservação seria um modo eficiente de manter as nascentes d’água e a biodiversidade existente”, defende. Para Cirício, a estratégia dos governos para combater a desertificação deveria priorizar mais recursos financeiros para a conservação.
Mesmo assim, Josimar acredita que o reflorestamento precisa ser uma prioridade para a sociedade civil: “existem políticas públicas e financiamento para perfurar poços e construir cisternas, mas não há para o reflorestamento”.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.
Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.