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Eleição antecipada na Assembleia Legislativa deve virar batalha judicial em Pernambuco

Inácio França / 17/11/2023
Cinco deputados estaduais, sendo quatro homens brancos de paletó e gravata, mais uma mulher branca de meia idade usando conjunto branco, estão em torno de uma mesa observando e manipulando algo que está sobre a mesa, mas que não está visível. Por trás dele, placar eletrônico da votação na Assembleia Legislativa de Pernambuco.

Crédito: Roberto Soares/Alepe

A eleição antecipada da mesa diretora da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) para o biênio 2025-2026 tem tudo para virar uma daquelas arrastadas novelas judiciais com cautelares, liminares, julgamentos e decisões contra e a favor. Para entender a razão disso, é preciso voltar algumas casas no tabuleiro da política pernambucana: em ritmo acelerado, entre 6 e 14 de novembro, os deputados estaduais alteraram a Constituição estadual, aprovaram em 24 horas uma resolução que permite a convocação das eleições da mesa diretora com mais de um ano de antecedência e elegeram o grupo que irá dirigir a Alepe nos anos de 2025 e 2026.

Desta forma, o atual presidente da Assembleia, Álvaro Porto (PSDB) garantiu que permanecerá no cargo até o final de 2026 com 40 dos 46 votos, além de cinco votos em branco e um nulo. Nenhuma mulher irá compor a mesa, pois todos os 14 eleitos entre titulares e suplentes são homens, já que a deputada Socorro Pimentel (União Brasil), uma das poucas aliadas da governadora Raquel Lyra na atual composição da mesa, ficou de fora da chapa vencedora.

Na tarde do dia 14, durante a sessão em que a votação ocorreu, a única voz dissonante foi a de Antônio Moraes (PP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça, também integrante da bancada de apoio a Raquel. No período em que a Proposta Emenda Constitucional (PEC) tramitou de maneira relâmpago, Moraes estava viajando, representando a Alepe em um evento no Vaticano.

“Lamento que, em minhas duas ausências este ano, colocaram duas PECs, essas PECs não haviam sido publicadas, não cumpriram nenhum prazo regimental e, em 24 horas, foram aprovadas para mudar a Constituição. O que me chama mais a atenção é a importância da segunda PEC [se refere à PEC 20/2023, cuja aprovação abriu passagem para a antecipação da eleição], inclusive cujo teor é questionado no Supremo Tribunal Federal”, afirmou Antônio Moraes.

Álvaro Porto (de gravata amarela) permanecerá na presidência até 2026. Crédito: Roberto Soares/Alepe

PP avisou que vai à Justiça

Com a fala de Moraes, temos a deixa para explicar porque o assunto poderá se transformar em uma batalha na Justiça.

O deputado federal Eduardo da Fonte, presidente do PP, partido ao qual Antônio Moraes é filiado, confirmou que pretende pedir na Justiça o cancelamento da eleição após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.350 ajuizada pelo PSB de Tocantins após manobra semelhante na Assembleia Legislativa daquele estado após uma alteração na Constituição estadual.

No dia 1º daquele mês, além de eleger o deputado estadual Amélio Cayres (Republicanos) para a presidência da Casa no primeiro biênio da legislatura (2023-2025), os parlamentares tocantinenses elegeram Léo Barbosa, também do partido Republicanos, para assumir a presidência a partir de 1º de fevereiro de 2025.

O PSB não aceitou e entrou na Justiça alegando que a eleição foi realizada com “fundamento em norma incompatível com a Constituição Federal” por, segundo a representação dos socialistas “incentivar a permanência do mesmo grupo político no poder e enfraqueceria a capacidade dos parlamentares de exercerem o controle e a fiscalização sobre os membros da mesa diretora”.

A ADI está sendo julgada pelo STF, mas em maio o relator do caso, o ministro Antônio Dias Toffoli” aceitou a argumentação do PSB e, por meio de uma liminar, suspendeu os efeitos da eleição antecipada. Toffoli considerou que, por existir a possibilidade da composição do legislativo ser alterada por mortes ou cassações, por exemplo, é preciso garantir o direito ao voto daqueles que realmente estejam exercendo o mandato em fevereiro de 2025.

Na véspera da eleição antecipada na Alepe, Eduardo da Fonte enviou uma carta para a presidência da Alepe pedindo para que não se adotasse “qualquer procedimento visando a antecipação da eleição da Mesa Diretora para o mandato 2025/2026, enquanto não houver o pronunciamento definitivo do STF”.

Agora, da Fonte, por meio de sua assessoria, avisou que irá contestar judicialmente a manobra caso o STF confirme a decisão de Toffoli, o que está próximo de acontecer, pois, no final de setembro, dois outros ministros – André Mendonça e Rosa Weber – votaram pela inconstitucionalidade da eleição antecipada em Tocantins, formando o placar parcial de 3 x 0.

Antônio Moraes (PP) discordou do processo que antecipou eleições. Crédito: Roberto Soares/Alepe

“Antecipação é legal”, explica jurista

Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Pisa (Itália) e professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Marcelo Labanca, tem uma compreensão totalmente oposta aos três primeiros votos do STF. “Acompanhei a repercussão da eleição antecipada pela imprensa, mas não vi inconstitucionalidade nenhuma, só vi a reação de quem tenta controlar a política com o Direito. Existem operadores do Direito, principalmente magistrados, que pensam poder controlar a atividade política legítima. Foi o caso de Sérgio Moro, por exemplo”, afirma Labanca.

Marcelo Labanca. Crédito: Unicap

Coordenador do Centro de Estudos Constitucionais em Federalismo e Direito Estadual (Constate) e pesquisador integrante da Associação Internacional de Professores de Direito Constitucional Estadual, Labanca justifica sua posição explicando que, para ser inconstitucional, uma norma tem de ferir a Constituição Federal. “Se alguém diz que é inconstitucional, precisa identificar qual é exatamente o artigo que está sendo ferido”, explica.

E o que diz a Constituição Federal? O parágrafo quatro do artigo 57 diz que “cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente”. O texto do artigo, no entanto, se refere apenas ao plano federal, sem definir a data da eleição da mesa para o segundo biênio.

Labanca assegura que não há nenhuma norma na Constituição Federal às eleições dos parlamentos estaduais: “Por isso, nas assembleias dos 27 estados existem os mais variados procedimentos de escolha das respectivas mesas diretoras. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a mesa muda todos os anos. O que aconteceu no Tocantins e aqui em Pernambuco, não é novidade na Paraíba, por exemplo. Não há um padrão único”.

Na opinião de Labanca, “eleição de mesa diretora é uma engrenagem da política, que requer acordos, garantia de governabilidade, ocupação de espaços. Tudo isso é próprio da atividade política e é uma questão interna do parlamento”.

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AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.