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Em novo livro, Guilherme Boulos aponta caminhos para a esquerda do Brasil

Maria Carolina Santos / 08/08/2025
De camisa preta, Guilherme Boulos fala ao microfone e gesticula enquanto se dirige a um grupo numeroso de pessoas reunidas em frente ao Centro de Artes e Comunicação da UFPE. Parte do público está sentada, outra em pé, e alguns registram o momento com celulares.

Crédito: Bruno Nogueira/Cortesia

Deputado federal mais votado na história da esquerda brasileira, Guilherme Boulos (Psol) está viajando pelo país para lançar seu quinto livro, Para onde vai a esquerda? (editora Contracorrente). Nesta quinta-feira, Boulos cumpriu uma extensa agenda no Recife, com aula pública na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), reuniões e o lançamento recifense do livro na livraria O Jardim, na Boa Vista.

Boulos chegou ao evento com uma hora de atraso e falou por 15 minutos para uma plateia cheia. Na fala, o deputado explicou que o livro não traz uma resposta pronta para a pergunta do título, mas aponta caminhos. O deputado, psicanalista e professor propõe que a esquerda saía da defensiva e que paute o debate público. Mas fazer isso, claro, não é nada fácil.

Boulos acredita que a esquerda deve adotar uma série de estratégias. Antes de tudo, é preciso reconquistar a confiança popular. “Por isso, não é um debate só do que a gente faz agora ou em 2026. É um debate de como fazer para que a esquerda volte a despertar esperança. Como a gente refaz a nossa imaginação política para que o nosso campo (político) seja visto pelas gerações que estão vindo como uma alternativa de futuro, como foi com gerações anteriores. A esquerda perdeu um pouco a capacidade de motivar sonhos e visões de futuro em milhões de pessoas”, disse.

Para Boulos, é essencial recuperar o “espírito missionário” que caracterizou o campo da esquerda e que, hoje, em parte, está com o outro lado. “A extrema direita está ganhando nesse ponto, disputando ideias e valores na sociedade, ainda que de forma enviesada e usando métodos ‘rebaixados’. É fundamental criar uma contra-ofensiva e um contra-ataque”, disse.

Nessa retomada, o deputado acredita que é importante disputar o campo online, principalmente das redes sociais, em uma mobilização permanente. “Ao contrário do que acontece atualmente, onde o campo da esquerda desmobiliza após as eleições, enquanto o outro lado continua ativo”, comparou Boulos, que deu como um bom exemplo do uso das redes pela esquerda a mobilização pela taxação dos super-ricos.

O online é importante, mas o tão falado trabalho de base nos territórios também deve ser intensificado. “A direita, inclusive, aprendeu esse método com a própria esquerda – com a Teologia da Libertação, as comunidades eclesiais de base, os movimentos sociais dos anos 80 – e a esquerda precisa retomar esse espaço que foi perdido”, disse Boulos, que também citou que é urgente uma nova estratégia para dialogar com a classe trabalhadora atual, dispersa e informal. “Sem uma nova estratégia, a extrema direita avança com discursos como o de que ‘são todos empreendedores de si mesmos’”, afirmou.

Para onde vai a esquerda? é um livro curtinho, com 135 páginas, e custa R$ 35. Boulos contou que a ideia veio por conta da angústia deste momento histórico, com a esquerda na defensiva e a extrema direita avançando. “Fiz um grande esforço de síntese para o livro ser curto. O ritmo hoje em dia é moldado por conteúdos curtos, como stories de 15 segundos e vídeos do YouTube. Fica mais difícil as pessoas pararem para ler e estudar livros mais extensos. Fiz um livro fininho para aumentar as chances de as pessoas lerem”, explicou. “O livro é, acima de tudo, um chamado à ação e à militância”.

Três perguntas rápidas para Guilherme Boulos

Logo após a fala na livraria e antes de começar a autografar os exemplares do livro, Guilherme Boulos falou rapidamente com a Marco Zero.

Como você vê essa interferência tão forte dos Estados Unidos, já visando as eleições de 2026? Aqui na abertura você falou que via como uma oportunidade para a Lula, para o fortalecimento da esquerda. 

Sim, porque eu acho que quando acontece o que está acontecendo hoje, com a interferência do Trump e com a extrema-direita atuando como traidora da pátria, a gente desmistifica e deixa claro quem são os verdadeiros patriotas no Brasil. Essa gente usou os símbolos nacionais nos últimos anos de uma maneira absurda, se colocando como patriotas, se vendendo como patriotas. Hoje ficou claro quem é patriota de verdade e quem é traidor da pátria. Agora, acima disso, também é nos momentos de crise, de dificuldade, que as coisas se mostram. Em um momento em que a maior potência do mundo quer fazer o Brasil se curvar, ter um presidente que fortaleça e valorize a nossa soberania nacional – e que tome medidas inclusive para fortalecer, garantir os empregos dos setores afetados pelo tarifaço dos Estados Unidos –, eu acho que também evidencia para o povo brasileiro de que lado o povo deve ficar.

No livro, você traz uma análise sobre como o mundo do trabalho foi corroído pela pejotização e o trabalho por aplicativos. Isso dificulta a esquerda chegar nesses trabalhadores?

Eu acho que a esquerda estava acostumada a um determinado perfil da classe trabalhadora, que foi o que se fortaleceu ao longo do século XX. Esse perfil mudou. Parte do que eu propus no livro é como a esquerda deve buscar dialogar com esse outro segmento, essa nova classe trabalhadora, ou essas novas classes trabalhadoras que estão cada vez mais fragmentadas. Tem que ir atrás deles.

Você também fala das redes sociais no livro, de como a esquerda deve se mobilizar para sempre estar nas redes. Mas as big techs são alinhadas à direita e hoje (ontem) inclusive o perfil de Jones Manoel foi retirado do ar pela Meta, sem nenhuma justificativa. Como é que você vê a regulamentação dessas redes no Brasil?

A regulamentação é essencial. Nós buscamos votar o PL das fake news e houve um lobby imenso das big techs que impediu isso. Mas eu acho que nós estamos em um momento que tem uma janela de oportunidade para aprovar a regulamentação. O ataque dos Estados Unidos e a atuação das big techs em conluio com o Trump é uma oportunidade para que se tire aquela visão mentirosa de que falar em regulação é falar em censura. Tem que deixar claro que isso é soberania digital, isso é defesa da democracia e isso é, acima de tudo, proteção nacional.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org