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crédito: Kamikia (@kamikiakisedje)
O Congresso Nacional deve votar nesta quinta-feira, 14 de dezembro, os vetos do presidente Lula (PT) ao Projeto de Lei 2903, do Marco Temporal. O Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou contrário à tese, que defende que os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal.
Às vésperas do recesso parlamentar e por ser uma pauta prioritária, a expectativa é que, dessa vez, a votação realmente aconteça, depois de várias sessões que analisavam a questão terem sido canceladas nos últimos meses. Também devem ser votados em sessão conjunta dos deputados e senadores os vetos de outras pautas importantes, das regras do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e do novo regime fiscal.
Após a votação no Congresso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) irá entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF pedindo a declaração de inconstitucionalidade da lei. Uma mobilização nacional também está sendo convocada pelo movimento indígena para esta quinta (14).
A questão do Marco Temporal tem sido uma queda de braço entre governo e oposição, além de motivo de negociação com a bancada ruralista e do agronegócio. O governo está tentando, pelo menos, tentar manter os vetos a alguns trechos, dentre eles os que tratam da perda de características e traços culturais, da produção de transgênicos em terras indígenas e do contato com povos isolados.
“Estamos com a peça pronta (da ADI) para que consigamos protocolar assim que os vetos forem de fato derrubados. Vamos recorrer ao Supremo para que se garanta, inclusive com pedido liminar, que a lei não se aplique até que seja julgada ou analisada a constitucionalidade do texto”, afirmou à Marco Zero o advogado Dinaman Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). Ele conversou com a reportagem em passagem pelo Recife nesta terça-feira, 12 de dezembro.
Para o advogado, a tese do Marco Temporal é “uma máquina de moer a história” e irá, sem dúvida, insuflar os conflitos ambientais e o aumento do desmatamento, piorando ainda mais a crise climática.
“É uma tentativa de apagamento da violência histórica que os povos indígenas sofreram no Brasil. Nada mais é do que apagar tudo o que foi feito de ruim para os povos indígenas, principalmente a remoção forçada, a violência, a violação de direitos humanos. A tese quer usurpar direitos e colocar os indígenas como se fossem os invasores, invertendo a lógica das coisas”, explica.
As lideranças indígenas estão temerosas sobre o contexto de instabilidade nas aldeias. O receio é que, por si só, a tramitação do texto da lei seja motivo de mais violência contra povos como Yanomami, Munduruku, Kayapó, Pataxó, Guarani-Kaiowá e Tupinambá, que já enfrentam cenário acirrado de disputas.
As organizações também vão recorrer à comunidade internacional, adiantou Dinaman, que acabou de voltar da COP28, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Dubai, nos Emirados Árabes.
“O primeiro ponto que líderes de diversos países trouxeram lá foi o Marco Temporal. Então essa é uma pauta global, de fato. Eu consegui visualizar isso com vários líderes de países da Europa, dos Estados Unidos, do Canadá, eles têm conhecimento do risco que é o Marco Temporal. Então vamos também pedir apoio político da comunidade internacional, principalmente europeia e norte-americana”, reforçou.
Dinaman disse ainda que, durante a COP28, o movimento indígena fez incidência junto a blocos econômicos de empresas públicas e privadas de outros países. “Tivemos uma boa incidência sobre isso, inclusive de blocos se manifestaram dizendo que haverá impactos nos investimentos aqui no Brasil [caso a lei do Marco Temporal seja aprovada]”, complementou.
Em Dubai, Dinaman Tuxá confrontou o presidente Lula dizendo que “o direito dos indígenas não se negocia”. “Nós não somos moedas de troca, pelo contrário, nós somos sujeitos de direitos”, cravou Dinaman ao presidente Lula na ocasião.
“Eu disse diretamente para ele que nós somos aliados, não somos submissos. Estamos vendo essas negociações de uma forma muito negativa e vamos continuar fazendo o enfrentamento. Não vamos aceitar nenhum tipo de negociação em desfavor do direito dos povos indígenas em favor da governabilidade”, detalhou reforçando que “não foi nada dado, foi tudo conquistado, com muita luta”.
O diretor da Apib e Apoinme lembrou ainda do não cumprimento das metas que foram colocadas pelo próprio Governo Federal sobre a demarcação das terras. Nos primeiros 100 dias, seriam 14 terras demarcadas. Porém, esse número não foi alcançado.
Dinaman reconhece que o primeiro ano da volta do PT ao governo é de reestruturação e esse processo requer tempo. Muitos pontos avançaram no sentido de controle social, do processo de escuta, da criação do Ministério dos Povos Indígenas. No entanto, houve pouco avanço ainda da aplicação da política na ponta.
“Ainda não é visível a chegada de políticas públicas efetivas para dentro dos territórios”, avalia. “Além disso, nós precisamos de um ministério fortalecido, não esvaziado. Hoje é um ministério que não tem capilaridade política”, alerta.
“Esperamos que, com o novo orçamento, nós consigamos visualizar que essas metas que foram postas e pactuadas com o movimento indígena de fato sejam implementadas”, coloca Dinaman.
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Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com