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O Recife elegeu a maior bancada de mulheres da história da Câmara Municipal, com oito vereadoras — uma a mais que na legislatura atual. Como a partir de 2025 a Casa José Mariano perderá duas cadeiras, passando dos atuais 39 para 37 assentos, a proporção feminina cresceu percentualmente de 18% para 21%, uma representatividade historicamente ainda muito baixa.
Os únicos quatro nomes da esquerda serão de mulheres: Liana Cirne (PT), Cida Pedrosa (PCdoB), Kari Santos (PT) e Jô Cavalcanti (PSOL) — esta a única negra e a única de oposição. Liana e Cida irão para o segundo mandato, enquanto Kari e Jô são estreantes na Câmara. Até 2024, apenas 21 mulheres ocuparam um assento como vereadoras na capital. Tanto PT quanto PSOL perderam uma cadeira nestas eleições.
A legislatura 2025 – 2028 terá novos nomes de homens da extrema-direita que serão um desafio para as pautas feministas: Gilson Machado Filho (PL) — o segundo parlamentar mais votado, com 16.095 votos —, Thiago Medina (PL), com 10.540 votos, e Alef Collins (PP), 7.131 votos. Clique aqui para saber mais sobre a nova composição da Casa.
A Marco Zero ouviu as quatro mulheres de esquerda eleitas para saber como estão as expectativas e o cenário que estão traçando para o exercício do mandato. Confira mais abaixo, com uma minibio de cada uma delas.
Nacionalmente, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre as candidaturas nas eleições de 2024, 15% foram de mulheres e 85% de homens, somando a corrida para prefeituras e casas legislativas municipais. Porém, entre os eleitos, esse índice cai, sendo apenas 13% de mulheres eleitas e 87% de homens.
Em entrevista coletiva realizada após as eleições de domingo (6), a presidente do TSE, a ministra Cármem Lúcia, lamentou o fato de nenhuma mulher ter sido eleita nas capitais brasileiras em primeiro turno. “Eu acho uma pena”, destacou a ministra, que completou dizendo reconhecer os esforços e o aumento da participação feminina na política.
1. Andreza Romero (PSB) – 15.785 votos
2. Natália de Menudo (PSB) – 15.198 votos
3. Liana Cirne (PT) – 14.810 votos
4. Cida Pedrosa (PCdoB) – 11.364 votos
5. Flávia de Nadegi (PV) – 11.278 votos
6. Kari Santos (PT) – 9.321 votos
7. Professora Ana Lúcia (Republicanos) – 8.592 votos
8. Jô Cavalcanti (Psol) – 7.619 votos
Em seu segundo mandato, Liana disse que pretende manter a coerência com os princípios petistas e seguir com as propostas na área de combate a violência contra mulheres, valorização dos servidores públicos, em especial os profissionais da educação, cultura popular e inclusão. Com a bancada expressiva da direita e da direita radical, a expectativa dela é que a próxima legislatura seja “um período de embates muito duros”.
Ela teve a terceira maior votação de uma liderança de esquerda no Recife e a maior entre mulheres. Atrás apenas de Humberto nas eleições de 2000, com 27.815 votos, e de Dilson Peixoto, com 15.200 votos, em 2014.
“Teremos um duplo atravessamento, porque nós vamos ter um embate ideológico e um embate de gênero. Porque os de extrema direita que usam técnicas semelhantes ao do Nikolas Ferreira, por exemplo, bem alinhadas ao bolsonarismo e muito agressivos na retórica, são todos homens. E nós que compomos a bancada de esquerda somos mulheres e somos feministas. Então, eu acho que serão quatro anos marcados por embates muito contundentes, em que os vieses ideológicos vão ficar muito evidenciados”, avalia.
Liana, porém, disse que não irá se furtar: “Eu com certeza não vou fugir de nenhuma pauta ideológica. Eu tenho feito a defesa do presidente Lula e do projeto político que o presidente Lula representa e vou continuar fazendo”.
“Quando a gente é vereadora, temos que travar os grandes debates e não podemos fugir deles, porque os grandes debates repercutem diretamente no nosso dia a dia. Mas, ao mesmo tempo, a gente tem que ficar muito atento à realidade do povo, que é a realidade de quem sofre com a falta de um poste de luz, que estuda à noite e que, para chegar em casa à noite, sofre não só o risco de ser assaltado ou sofrer assédio ou violência sexual, mas sofre com medo de cair num buraco que não está enxergando”, exemplifica.
Liana Cirne tem 53 anos, é mestra em instituições jurídico-políticas, doutora em direito público, advogada ativista, professora de direito da UFPE, especialista em autismo e vereadora. Enquanto parlamentar, foi autora da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e da Frente Parlamentar da Pessoa Idosa. Apresentou mais de 2,6 mil ações legislativas (Projetos de Leis, requerimentos, reuniões e audiências públicas) e 770 emendas orçamentárias.
É autora da ação popular para o cumprimento do piso salarial dos professores do Recife e ação popular para o cumprimento da lei dos ar-condicionado nos ônibus. Destinou suas emendas para a construção da ciclovia da Av. Caxangá, o Camarim da Cultura Popular, cursos profissionais de formação para mulheres trans e a construção de Centro Integrado para Pessoas Autistas.
Cida comemorou o crescimento das mulheres na Câmara do Recife, embora ainda haja muita subrepresentação. “Eu tenho uma boa expectativa de termos uma bancada de mulheres de esquerda. A luta pelos direitos das mulheres é absolutamente necessária e permanente e nós precisamos avançar nessa questão”, disse.
Cida também tem uma trajetória ligada ao direito à cultura na cidade e disse que irá mantê-la como prioridade na nova legislatura. Sobre pleitear comissões na Casa, antecipou ter interesse nas comissões de Direitos Humanos e de Cultura.
A respeito do fortalecimento da direita nestas eleições, ela comentou: “Eu sempre fiz a luta com os pés em Recife e com a cabeça na construção nacional. Porque não há como discutir política na cidade sem pensar na conjuntura nacional. Eu disse, durante toda a campanha, em todos os lugares que eu fui, que nós estávamos jogando 2024, mas, na verdade, o grande jogo posto era o de 2026, que cada prefeito progressista que a gente fizesse, cada vereador ou vereadora do campo progressista que a gente fizesse a gente estava fazendo o cordão de luta contra o fascismo e contra a direita em 2026”.
Cida Pedrosa, 61 anos, é poeta, escritora, feminista, advogada militante dos direitos humanos e atualmente vereadora do Recife. Sua trajetória na luta pelos direitos humanos começou como advogada do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura em Pernambuco (Fetape). Também atuou no Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec) e foi coordenadora do Movimento Nacional de Direitos Humanos. Ganhou o Prêmio Jabuti de Livro do Ano, em 2020, o mais importante da literatura brasileira com o poema Solo para Vialejo. Dois anos depois, foi a primeira pernambucana premiada pela Associação Paulista dos Críticos de Arte com Araras Vermelhas, outro livro-poema.
Em 2012, foi secretária de Meio Ambiente do Recife e instituiu a Política Municipal de Sustentabilidade e enfrentamento às mudanças climáticas. Em 2017, se tornou secretária da Mulher do Recife, ajudando a tirar do papel a Brigada Maria da Penha.
Como vereadora, preside a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e é vice-presidenta da Comissão de Educação, Cultura, Turismo e Esporte. Também é presidenta da Frente Parlamentar Recife Pelo Clima e seu mandato esteve na presidência da Frente Parlamentar pelo Centro do Recife.
À reportagem, Kari lembrou que a ampliação do número de mulheres na Câmara do Recife não significa necessariamente um comprometimento com as pautas feministas. “É lamentável saber que a Câmara Municipal é composta por homens de sobrenome da política tradicional. A expectativa é de fazer um enfrentamento diante de novos quadros da extrema-direita que se elegeram. A gente precisa fazer uma bancada feminista de combate ao conservadorismo e de combate à extrema-direita”, avaliou.
Para ela, é motivo de orgulho ser a vereadora mais jovem já eleita pelo PT na cidade. Kari, que teve apoio do deputado João Paulo, acredita que a vitória é resultado da necessidade de renovação dos quadros políticos e de uma militância que reconhece que é tempo de mulheres e tempo de renovação.
Sobre a polarização com os outros dois mais jovens da Casa, Thiago Medina, de 21 anos, e Alef Collins, de 22 anos, ela lembra que já vem combatendo a extrema-direita e que esses dois nomes já vêm tentando firmar embates desde que ela colocou seu nome à disposição do processo eleitoral. Kari acredita que Medina e Alef vão seguir polarizando dentro da Câmara. “Porque são quadros que não têm nenhum projeto político voltado para a classe trabalhadora. Infelizmente a gente vai ver uma ‘bancada da lacração’ na Câmara Municipal”, acredita.
“Mas agora, com mandato, eu consigo ter mais força para poder fazer esse tipo de enfrentamento. Será um mandato direcionado para a defesa da classe trabalhadora, mas, para que isso também aconteça, a gente tem que frear o avanço da extrema-direita e do fascismo à moda brasileira, que nós conhecemos como bolsonarismo”, comentou.
Kari Santos, 31 anos, é estudante de pedagogia e vereadora eleita mais jovem da história do PT no Recife. Nascida e criada na periferia, no bairro da Mangueira, foi militante do movimento estudantil e da juventude petista. É comunicadora popular e destacou-se nacionalmente pelo ativismo digital contra os bolsonaristas, alcançando quase 1 milhão de seguidores em todas as suas redes.
Teve apoio de figuras nacionais do partido, como José Dirceu, Gleisi Hoffmann e até de Marília Arraes, que nem é filiada à legenda. Fez campanha defendendo a volta do Orçamento Participativo, punição aos que tentarem impedir gestantes de acessarem o aborto legal no Recife, a criação de renda básica municipal e reajuste do auxílio-moradia.
Jô Cavalcanti (PSOL)
“Sou cria da periferia e conheço de perto as dificuldades que mulheres negras, trabalhadoras e mães solo enfrentam todos os dias. A luta por dignidade e direitos não é nova para mim, é minha história de vida”, anuncia Jô Cavalcanti.
“A partir de 2025, eu serei a única parlamentar negra. Isso contrasta e mostra que não houve avanço, muito menos para a esquerda progressista”, frisa Jô Cavalcanti logo de início, lembrando a grande bancada do PSB e o aumento da presença dos bolsonaristas.
“A gente vai ter muito desafio pela frente levando em conta que nós da esquerda defendemos a política do governo Lula e que as políticas sejam, de fato, voltadas para a população mais vulnerável. A Câmara Municipal será um instrumento que vamos usar como uma ferramenta de disputa da cidade”, complementou.
Ela disse que seguirá enfrentando a oposição, assim como fez quando compunha o mandato coletivo das Juntas Codeputadas na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). “Temos um projeto de sociedade e de consciência”, definiu, lembrando o apoio dos movimentos sociais e de nomes importantes da esquerda durante a campanha este ano, como Erika Hilton, Guilherme Boulos, pastor Henrique Vieira e João Paulo.
“A gente sabe que a Casa do Povo deve fazer com que as pessoas possam ter acesso a ela e que nada seja passado para beneficiar só o grupo A ou B, mas toda a população recifense”, defende Jô, rememorando que, em 2016, o PSOL também fez apenas uma cadeira na Câmara, com Ivan Moraes, “que fez um mandato altivo e responsável”.
Aos 42 anos de idade, Jô Cavalcanti é mulher negra, mãe de Gabriel e cria do Morro da Conceição. Sua vida foi marcada pela luta por sobrevivência e pela busca por justiça social. Deputada estadual eleita em 2018 pela mandata coletiva das Juntas, ela foi a primeira camelô do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) a ocupar esse cargo no Brasil.
Tem militância no Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Informal (Sitraci), na Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e na Frente Povo Sem Medo e se articula com o Fórum de Mulheres de Pernambuco, a Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas e outros espaços de luta.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com