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Estética da periferia só se vier acompanhada pelo nosso nome

Marco Zero Conteúdo / 13/09/2022

Caminho da escola, técnica mista sobre papel. Obra de Jeff Alan (@jeffalanmf).

Por Myrella Santana*

Política sempre foi sobre estética. Se falamos de corpos que ocupam esses espaços, falamos de uma estética específica. Se falamos dos que ganham mais recursos dos partidos ou quando mencionamos a palavra “político”, e perguntamos: “qual a primeira imagem que vem na sua cabeça?” Estamos falando de um rosto específico. Um rosto que está predeterminado inclusive pelo TSE, quando coloca como única opção, por exemplo, DeputadO, no masculino, expondo os corpos que se espera nesses espaços.

Essa pergunta me leva a uma outra questão: qual relação estética e política têm? Desde o início do período eleitoral tenho observado várias campanhas, desde campanhas proporcionais às majoritárias. Uma coisa me intrigou em todas elas: os elementos utilizados e a forma como vão se modernizando. Por exemplo, quando olhamos para a região Nordeste, quase todos (acredito que até posso dizer todos) os candidatos à Presidência da República, não só nessa eleição, mas em todas as outras que a antecederam, têm uma foto com o chapéu de cangaceiro, símbolo histórico de luta da região. O que nunca considerei uma forma real de integração, pois quando olhamos os ministérios, comissionados e pessoas que vão estar construindo esses mandatos, são majoritariamente da região Sul e Sudeste do país.

Me incomoda absurdamente esse hábito colonial de colocar tudo o que vem da região Nordeste de forma folclórica. Apesar do chapéu ter se tornado um símbolo estético da região, o Nordeste não se resume a isso, tão pouco a cactos e a seca. Aqui em Pernambuco, os elementos que vêm sendo absurdamente apropriados, de forma violenta e grosseira, são os do bregafunk, que é a estética da periferia. Esses elementos são utilizados para, antes de qualquer coisa, uma tentativa de aproximação. Falar de representatividade é falar também sobre se enxergar no outro. Eu sou uma mulher negra bissexual, de 21 anos, moradora da periferia do Recife. Quando olho para a Câmara Municipal do Recife, para a Assembleia Legislativa de Pernambuco, Câmara Federal, Senado ou os respectivos Executivos, quase não vejo pessoas parecidas comigo e as poucas que vejo, conto em uma única mão.

A coisa mais absurda e engraçada que eu vi nessa última semana foi o candidato a deputado federal Pedro Campos dançando passinho com um óculos juliet nas redes sociais. É engraçado porque, pra mim, isso é uma piada. É absurdo porque, uma pessoa branca, classe média alta, que nunca pisou em uma periferia, e não tem noção do que é estar em uma batalha de passinho e levar tapa na cara e spray de pimenta da Polícia Militar de Pernambuco, dançando passinho como uma forma de se promover politicamente, é no mínimo, violento.

Desde a campanha para prefeito, seu irmão João Campos, utiliza esses elementos. Até porque, o mesmo se dizia o “candidato da juventude”. Agora pasmem: corpos parecidos com o meu são maioria nesse país. Mas, em todos os espaços de poder, no setor público ou privado, os corpos que estão lá, são majoritariamente parecidos com os de Pedro e João Campos. A juventude brasileira é majoritariamente negra e de periferia. O rosto do Brasil é esse, e desde criança, ouvimos que a juventude é o futuro, mas pergunto a vocês, do futuro de que juventude estamos falando? Do menino Miguel que teve sua infância interrompida por uma assassina que o abandonou em um elevador sozinho? De Ágatha e João Pedro assassinados pela polícia?

Quando falo que isso é violento e trago os nomes de Miguel, Ágatha e João Pedro, eu tô falando de três crianças de periferia, um deles, daqui do Recife. Eles foram o futuro que não teve direito a um futuro. É da estética dessa juventude que eu falo. Que contou nos dedos os seus iguais que chegaram ao Congresso Nacional. Trago o exemplo da família Campos, porque o atual prefeito, que é do mesmo partido do governador do estado, PSB, nunca fez nada para acabar com as abordagens policiais e batidas violentas que acontecem semanalmente dentro da favela e matam a juventude negra diariamente. Há menos de um mês, meu irmão, jovem negro de 14 anos, sofreu uma abordagem policial super violenta quase na frente da minha casa. Meu irmão e os amigos dele adoram passinho, escutam e dançam. Mesmo super jovens, eles veem a abordagem como algo cotidiano. É essa juventude que Pedro Campos e João Campos representam? Ou apenas instrumentalizam a estética periférica para angariar votos na eleição?

Como já falei, utilizo os irmãos Campos como exemplo, mas essa é uma realidade das eleições 2022 em Pernambuco. Primeiro marginalizam o que vem da favela e do povo negro, depois instrumentalizam. Mudar a fotografia do poder pernambucano, não é pegar um homem branco classe média alta, colocar uma juliet, ensinar o passinho e gravar um vídeo dançando. É sobre colocar no Governo do Estado de Pernambuco alguém que é da periferia, que entende que o passinho não é só uma expressão musical, mas também uma tecnologia de resistência e sobrevivência política. A estética favelada sempre estará nas campanhas, mas nunca nos mandatos.

Não consigo falar sobre estética periférica sem falar do artista Jeff Alan, morador da comunidade do Barro, que fica ao lado da minha. Olhar suas obras expostas no Museu do Estado de Pernambuco, Engenho Massangana e na Casa Estação da Luz, é revolucionário. Fui estudante de escola pública a minha vida inteira e ver a obra de uma criança negra com a camisa da Prefeitura do Recife em um Museu… é emocionante. É Miguel, Ágatha e João Pedro que não puderam se ver nos Museus e não vão poder se ver no cenário político. Mas também são todas as crianças que se olham e se enxergam ali. Eu quero olhar pro Congresso Nacional e me emocionar vendo essa fotografia lá. A fotografia do Brasil real, da periferia. Colocar pessoas pretas e faveladas na política institucional é necessário, não apenas por querer mudar a estética de quem tem o poder, mas para dar poder pra quem sabe fazer política e já faz diariamente. Quem melhor do que uma mãe que sustenta seus filhos sozinha com um salário mínimo pra falar de economia? As campanhas têm que ter a nossa estética, mas somente se forem acompanhadas pelo nosso nome.

*Myrella Santana é graduanda em Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco. Integra a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e a Articulação Negra de Pernambuco. É Diretora Operacional e pesquisadora na Rede Internacional de Jovens LBTQIA+.

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