Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Estudantes voltam às aulas em Pernambuco sem exigência de vacina nem protocolo de distanciamento

Maria Carolina Santos / 03/02/2022

Crédito: Kleyvson Santos/SEE-PE

Nas últimas semanas uma sucessão de recordes de novos casos diários de covid-19 foram quebrados em Pernambuco e no Brasil. Em Pernambuco, a taxa de ocupação das UTIs está hoje em 90%. Desde 16 de junho do ano passado não se chegava a esse percentual, de acordo com números do Governo do Estado. O cenário crítico, porém, não impediu que o governo mantivesse a volta às aulas no presencial nesta quinta-feira. São cerca de 580 mil estudantes matriculados. Mas há dúvidas se essa volta vai se manter pelas próprias semanas, ou dias, com o afastamento de profissionais da educação já mudando o formato da volta às aulas na rede municipal do Recife.

Várias cidades pernambucanas adiaram a volta ou decidiram apenas pelo formato híbrido. A prefeitura do Recife foi uma das que apostou em um volta presencial, mas a escalada da variante ômicron se impôs. Ao invés de 92 mil alunos de volta às salas de aula nesta semana, a prefeitura foi obrigada a mudar os planos por conta do altíssimo número de professores e funcionários afastados por conta da covid-19. Aproximadamente 22 mil alunos voltaram para as escolas.

Neste ano, a alta de casos começou mais cedo, fazendo com que o início do calendário escolar coincida com o que o governo considera ser o pico dessa nova onda do coronavírus, embora ela ainda possa se se manter em patamares altos pelas próximas semanas. Por conta da escalada da ômicron, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Pernambuco (Sintepe) solicitou que as aulas fossem adiadas. Não foi atendido pelo governo.

No ano passado, de acordo com a Secretaria Estadual de Educação (SEE), 92% dos alunos retornaram para as aulas presenciais. A presidente do Sintepe, Ivete Caetano, critica o protocolo contra a covid-19 adotado pela secretaria, que foi atualizado ano passado. “Não há mais distanciamento entre o alunos. Isso foi retirado no último protocolo”, diz. Outra reclamação é que, embora no protocolo conste que deve se favorecer ambientes arejados e ventilados, não houve adaptação ou readequação da estrutura das escolas nesses dois anos de pandemia. “Nada foi feito nesse sentido”, afirma.

Para ela, os surtos serão inevitáveis. “Os casos graves diminuíram por conta da vacinação, mas sabemos que é uma variante muito mais contagiosa. A vacinação freia o agravamento, mas não impede que as pessoas fiquem doentes. Vão acontecer muitos surtos nas escolas. E naturalmente as escolas vão ter muita dificuldade de manter as aulas. Há unidades com 400, 600, até mil estudantes que estão voltando sem distanciamento dentro das salas de aulas”, revela a presidente do Sintepe.

Guerra desigual

O sindicato deflagrou hoje uma paralisação, pela questão sanitária, mas há poucas esperanças de que os professores consigam ficar fora das salas de aula. “Ano passado, também na pandemia, a Justiça declarou a ilegalidade da nossa greve. Temos um governo e um judiciário que são plenamente a favor das aulas presenciais, mesmo que isso custe a saúde dos trabalhadores, alunos e famílias. É uma guerra desigual”, diz.

De acordo com a Secretaria Estadual de Educação (SEE), os estudantes também podem continuar optando pelo ensino remoto, na plataforma Educa-PE, que está disponível desde 06 de abril de 2020.

No próximo dia 11, o Sintepe e o governo terão nova rodada de negociações. Além do cumprimento do piso salarial da vacinação, o sindicato vai pedir a cobrança da carteira de vacinação para os alunos e mais informações sobre os dados de saúde dos trabalhadores e alunos da rede estadual. “Não sabemos, por exemplo, quantos alunos com comorbidades há na rede. No ensino híbrido, não sabemos quantos professores dão aula nesse modelo, não há professores exclusivos para essas aulas. Esse ensino remoto é praticamente inexistente”, diz.

Em nota à MZ, a SEE informa que neste ano, como desde 2020, há conteúdo ao vivo transmitido pela televisão e pela internet para o Ensino Médio e para o 9º ano do Ensino Fundamental “de segunda a sexta-feira e conta também com reprises em horários alternativos”. Para os estudantes do 6º ao 8º ano do Ensino Fundamental, só há as aulas gravadas, que são disponibilizadas na internet. A secretaria não informou se há professores exclusivos para esse formato, se há acompanhamento de carga horária, nem se as aulas gravadas foram atualizadas para o novo ano letivo.

“Por fim, as escolas podem adotar as suas próprias estratégias, a fim de alcançar o maior número possível de estudantes conforme a realidade de cada local. A orientação em geral é que, em caso de sintomas ou opção pelo ensino remoto, os responsáveis devem procurar a direção da escola para explicar os motivos e definir o melhor modelo a ser adotado para o estudante”, diz a nota da secretaria.

Distanciamento foi retirado do protocolo de volta às aulas. Crédito: Kleyvson Santos/SEE-PE

Volta às aulas é terreno para explosão de casos

A pandemia continua em plena aceleração em Pernambuco. Nesta quinta-feira, o secretário de saúde André Longo afirmou que a positividade geral nas amostras analisadas pelo Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco (Lacen) saltou de 37% para 51%. Em Gravatá, no Agreste do estado, esse índice chegou a 60% nesta semana. “Pelo que temos visto, acreditamos que metade da população de Gravatá está contaminada. É uma contaminação fora de controle. Para preservar as crianças que ainda não estão com a segunda dose, decidimos adiar as aulas. Não tem como abrir escolas nesse cenário”, afirma o secretário de saúde da cidade, José Edson de Souza.

Todo dia são disponibilizados 700 testes para a população gravataense, de mais de 85 mil habitantes. “Nos últimos dias, temos recebido até 400 testes positivos “, afirma José Edson.

O secretário também é presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Pernambuco (Cosems-PE) e faz um alerta sobre a situação no interior do estado. “Assim como em outras ondas, começou pelo Recife e foi adentrando pelo agreste e sertão. Estamos vendo uma gravidade menor, com menos pessoas necessitando de UTI e quando precisam, é menos tempo, com uma semana já recebem alta. Mas há um problema grande de falta de médicos e leitos pediátricos. São poucas cidades que têm essa estrutura”, diz.

Para a epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Ana Brito, o retorno das crianças às aulas deveria ser adiado em todo o estado. “Com a volta as aulas é inevitável a explosão de casos. Não se mede a gravidade de uma pandemia apenas pela virulência do vírus, a transmissibilidade também é essencial: mais transmissão, mais infectados, mais doentes, mais mortes”, afirma.

Sem exigência de vacinação contra covid-19

Um levantamento da Agência Brasil aponta que, apesar do recorde de casos, 19 das 27 unidades da federação vão voltar com as aulas presenciais neste mês. O levantamento também coloca que a a vacinação dos alunos é trabalhada na maioria dos estados como recomendação. Mas São Paulo, Ceará, Amapá e Paraíba vão exigir a comprovação de conclusão do ciclo vacinal para as aulas presenciais.

O SEE optou por não cobrar a vacinação contra a covid-19, ainda que a maioria dos alunos da rede tenha mais de 12 anos – a vacinação para esse público começou no Brasil em setembro do ano passado. Em entrevista para redes de TV hoje, o secretário Marcelo Barros afirmou que pelo menos 60% dos alunos já se vacinaram com a segunda dose. No entanto, o painel de vacinação do Governo do Estado indica que a faixa de 12-17 anos está com menos de 45% de vacinados com a segunda dose.

Apenas 9% das crianças receberam a primeira dose em Pernambuco. Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Na faixa etária de 5 a 11 anos a situação de Pernambuco é uma das piores do Brasil. Menos de 9% das crianças receberam a primeira dose. Neste contexto de pouca vacinação e casos em alta, não é uma escolha fácil para as mães, pais e responsáveis levar ou não as crianças para escola.

Para os que decidem pelo ensino presencial, o infectologista Bruno Ishigami reforça as medidas de prevenção. “Que seja conversado em casa a importância do uso correto das máscaras. Se for fazer refeição, que seja em um ambiente ventilado, com menos crianças por perto, para diminuir o risco de contaminação. Se possível, conversar com as escolas para manter janelas abertas, portas abertas. Se necessário, colocar ventilador para melhor a ventilação e diminuir a chance de contaminação. Outra coisa que é interessante é de que, se houver caso sintomático, toda a escola seja avisada para ver a necessidade de isolamento e ver se vai restringir as aulas”, orienta.

Em nota, a SEE afirma que não vai exigir a vacinação contra a covid-19, mas vai incentivá-la. “Em relação ao comprovante de vacinação contra a Covid-19, a Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco informa que a falta da vacina não será impedimento para os estudantes frequentarem as aulas presenciais. Mas, as escolas estão orientando os estudantes, pais e responsáveis sobre a importância da vacinação”.

Para Ishigami, essa postura é decepcionante. “Isso dá margem para o movimento antivacina no estado. Temos visto que esse movimento insiste que as vacinas fazem mal para as crianças, o que é uma grande mentira. As vacinas servem para proteger as crianças de formas graves e óbitos. Acho interessante cobrar até para estimular a vacinação”, afirma.

Dados do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos após a aplicação de mais de 8,7 milhões de doses da vacina contra a covid-19 atestam a segurança do imunizante na faixa acima de 5 anos. Do total de vacinados, foram notificados 4.249 eventos adversos, o que representa apenas 0,049% das doses aplicadas. A grande maioria (97,6%) dos efeitos notificados foi leve a moderado, como dor de cabeça ou dor no local da injeção. Não houve nenhum registro de óbito.

A doença, porém, pode ser letal também em crianças. Nota técnica da Fiocruz, divulgada no final do ano passado, contabilizava 1.422 óbitos confirmados por covid-19 em crianças e adolescentes, sendo 418 em menores de 1 ano, 208 de 1 a 5 anos e 796 de 6 a 19 anos. Em Pernambuco, dados do Governo do Estado contabilizam 124 óbitos na faixa etária abaixo de 19 anos, durante toda a pandemia.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com