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Fotos de “Eles tem medo de nós” retratam cotidiano do Bode

Giovanna Carneiro / 18/12/2023

Crédito: Thays Medusa

Em janeiro de 2022, integrantes de movimentos sociais e moradores do Pina, na zona sul do Recife, ocuparam o antigo prédio do Centro Social Urbano (CSU) do bairro. O local, que antes era utilizado como um espaço de convivência para a comunidade, estava abandonado e tomado por mato e lixo. Na ocasião, os ocupantes reivindicavam que o terreno voltasse a ter utilidade com a criação do Centro Cultural do Bode. 

Naquele momento, a fotógrafa Thays Medusa, nascida em Paudalho, na Zona da Mata Norte, estava morando na comunidade do Bode há quatro anos e foi uma das integrantes da ocupação que, durante meses, realizou uma série de atividades artísticas e culturais no prédio abandonado, como apresentações musicais e mutirões de graffiti. E foi a partir dessa experiência que o projeto da exposição Eles tem medo de nós nasceu. 

“Durante a ocupação uma amiga minha escreveu a frase ‘Eles tem medo de nós’ em uma pilastra, aí eu comecei a fotografar algumas crianças que estavam na ocupação, elas estavam usando uma coroa e eu achei massa fazer aquelas imagens. Depois disso, eu pensei em fazer algo maior. Então, posso dizer que a exposição surgiu a partir desse clique”, afirmou Medusa. 

A fotografia que concebeu a ideia do projeto abre a exposição que ocupa o primeiro andar do Museu da Abolição, localizado na Madalena, zona oeste do Recife, aberta à visitação até o dia 25 de janeiro de 2024.

A mostra, que tem a curadoria de Shell Osmo, conta com 31 telas de registros do cotidiano da Comunidade do Bode, no Pina, local onde a vulnerabilidade social e uma grande efervescência cultural convivem. O objetivo da exposição é quebrar os estigmas de que a periferia é um lugar de pobreza e miséria através de fotografias que demonstram a beleza, a solidariedade e o companheirismo das famílias que habitam o local, além de enfatizar a ligação da comunidade com a pesca e o mangue.

Para isso, Thays Medusa conviveu durante alguns meses com as famílias que fazem parte de seus registros e criou um vínculo com elas. “Às vezes, a gente chegava de três horas da manhã na casa da galera e tomava café da manhã juntos, passava o dia inteiro com elas, a gente via as pessoas acordando, levando seus filhos para a escola, indo pescar no mangue. Assim nasceram esses registros do cotidiano real do Bode”, contou a fotógrafa. 

Além das fotografias, a exposição conta com elementos aproxima o público da Comunidade do Bode, como redes de pesca, os óculos Juliet – famoso item de moda da cultura periférica – e cascos de sururu. O protagonismo das pessoas negras que integram essa periferia também é um fator marcante das imagens de Medusa, uma mulher negra de 25 anos que aprendeu a fotografar de forma autodidata e teve como base de sua formação o movimento Hip Hop, chegando até o Bode por meio do Coletivo Pão e Tinta, que atua na comunidade há mais de 10 anos promovendo iniciativas socioculturais.   

“Eu acredito que o ato de fotografar e registrar esses momentos é um ato histórico e político, porque, além de trazer essas pessoas negras para dentro do museu, tudo isso que eu registrei daqui a pouco pode não existir mais. As palafitas, por exemplo, boa parte delas vão ser destruídas para dar espaço a um projeto da prefeitura”, afirmou Thays Medusa, em referência ao projeto de urbanização Rio Pina, que prevê a retirada de mais de 300 famílias que hoje moram nas palafitas localizadas nas comunidades do Pina

Além da exposição, o projeto prevê ainda a realização de uma roda de diálogo na Livroteca Brincante do Pina, com as participações da artista de moda Yuriel Santos, da poeta e rapper Adelaide Santos e da cineasta Yane Mendes. Todo o processo de convívio de Medusa com as famílias no Bode até a exposição no Museu da Abolição está sendo gravado e resultará em um documentário, que tem exibição prevista para janeiro de 2024.

“Todo esse projeto foi pensado para construir uma memória, uma recordação. Quando eu estava lá fotografando as famílias, junto com as crianças, eu ficava pensando como aquela infância era parecida com a minha, a casa, o tratamento das mães com os filhos, eu lembrava muito da minha mãe, que é uma mulher preta que criou três meninas sozinha, e eu ficava recordando. Então, eu acredito que esse projeto vai marcar muito essas famílias e os registros que estão expostos aqui vão para a parede das casas delas”, concluiu Thays Medusa.

Thays Medusa junto com moradores do Bode na inauguração no Museu da Abolição. Crédito: Maya Albuquerque

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.