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Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
Por Verônica Almeida
Um dos desafios para quem vai governar o Brasil e os estados a partir de janeiro de 2023 é recuperar as conquistas que o Programa Nacional de Imunizações (PNI) do SUS vem perdendo nos últimos quatro anos. Mais do que orgulho pela referência que se tornou no mundo, em razão da oferta de diferentes vacinas e ampla cobertura das crianças, resgatar o status anterior do PNI é a certeza de ter a infância protegida de doenças que matam e deixam sequelas graves, como a paralisa infantil e o sarampo. Significa, sem exageros, salvar uma geração da qual o país vai depender para tocar sua produção, proteger sua cultura e biodiversidade, escrever sua história no futuro.
Dados divulgados pelo próprio Ministério da Saúde nesta semana atestam que a cobertura contra paralisia infantil em bebês (menos de 1 ano de vida), abaixo dos ideais 95% desde 2016, caiu ainda mais a partir de 2019, despencando desde então para 84,19% e atingindo no ano passado 69,94%. Os números parciais de 2022 apontam menos de 50% da população alvo vacinada. Os reflexos são em todo o país, inclusive em Pernambuco e no Recife.
Cobertura vacinal de crianças de 0 a 1 ano no Brasil (%) de Marco Zero
A superintendente de Imunizações do Estado, Ana Catarina Melo, informa que nesses últimos anos a média de cobertura em todas as vacinas para crianças chega a 70%. No Recife, a coordenadora da área, Elizabeth Azoubel, tem saudades do tempo em que num único sábado de campanha contra a paralisia infantil batia a meta de vacinar 95% das crianças convocadas: “Neste ano, 2022, chegamos ao terceiro mês de campanha para atingir 70%”. As áreas de Imunização das Secretarias de Saúde de Pernambuco e do Recife montaram estratégias extras recentemente para tentar alcançar a criançada, com campanha publicitária, busca ativa e vacinação volante.
O temor dos especialistas da área é a volta da paralisia infantil, doença sem registro nas Américas desde a década de 1990, e de novos surtos de sarampo e demais doenças preveníveis por imunizantes, como rubéola, caxumba, catapora, coqueluche, difteria, meningite tipo C, tuberculose, hepatite e pneumonias. “Atualmente temos casos de sarampo no Pará, no Amapá, em São Paulo e no Rio de Janeiro”, alerta Ana Catarina Melo. A paralisia infantil nunca foi erradicada no mundo e, além de haver transmissão da doença em países da Ásia (Afeganistão e Paquistão), há caso atualmente em Moçambique, na África, lembra a superintendente de Imunizações em Pernambuco. “A vacina é uma estratégia para a vida toda. Se as crianças não forem vacinadas, enfrentaremos surtos de várias doenças graves, o que exigirá trabalho redobrado no SUS . É preciso ir até a população agora e reverter esse cenário, alcançar uma cobertura homogênea”, alerta Ana Catarina.
O problema é mais complexo entre a população mais pobre, que vive aglomerada, passa fome e é exposta à falta de água tratada e de rede coletora de esgoto, sempre com alta vulnerabilidade a doenças e suas complicações. Para essas crianças, a vacinação é fundamental, alertam médicos e especialistas em saúde pública. Uma catapora que na classe média pode evoluir sem muitos problemas, causa até infecção generalizada em pacientes submetidos à miséria.
A pediatra e infectologista Regina Coeli, do Isolamento Infantil de Doenças Infecciosas do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), no Recife, diz ter observado nos últimos seis anos uma “recrudescência”, com vários casos de meningite, por exemplo, “a maioria viral, mas com possibilidade de haver meningite meningocócica”, afirma. Assim como a paralisia infantil e o sarampo, que matam ou deixam sequelas, a meningite meningocócica promove o mesmo. “As vacinas são um ponto chave para a profilaxia. Nem todas oferecem proteção de 100%, mas são capazes de amenizar sintomas (quando não impedem a infecção) e a gravidade da doença”, completa. Para a médica, é urgente fazer a população voltar ao entusiasmo com as vacinas. “O PNI brasileiro é um dos melhores do mundo, considerando o calendário e a oferta de vacinas. É preciso fazer campanhas nacionais e regionais, mostrar a importância da vacinação aos pais, combater as notícias falsas”, lembra.
A difusão de fake news contra vacinas, a tímida atuação do PNI nos últimos quatro anos e um enfraquecimento da Atenção Primária em Saúde já em anos anteriores são apontados como fatores importantes no retrocesso da cobertura vacinal brasileira, que também foi afetada em 2020 e 2021 pela pandemia de Covid-19. Enquanto governantes duvidavam publicamente do valor das vacinas, o Zé Gotinha, símbolo do sucesso das campanhas de vacinação de crianças nas décadas e 1990, 2000 e 2010, andou escondido e pouco se viu na TV ou ouviu no rádio recomendações convocando para vacinação e enfatizando o risco do retorno da paralisia infantil e do sarampo, por exemplo. Seria natural a população esquecer da paralisia infantil, erradicada. Daí a necessidade de divulgar sempre a importância da vacina.
“Paga-se um preço pelo êxito do passado do PNI, pelo sucesso da erradicação da pólio no Brasil. As pessoas não veem a doença e acham que a paralisia infantil não mais existe, pensam que não precisam vacinar os filhos”, observa Elizabeth Azoubel, da Imunização no Recife. Ela percebe que desde 2016 tem dificuldade para bater as metas de vacinação do público-alvo. E o problema, explica, não atinge apenas a classe média, mas bairros periféricos, onde vive a população de menor renda e o SUS se faz presente.
Nas duas últimas semanas, a capital partiu para a vacinação móvel e em escolas, numa busca mais ativa pelos não vacinados. Entre menores de 1 ano, a cobertura vacinal de rotina no Recife contra paralisia infantil foi de 89,76% em 2018, numa decrescente que chegou a 62,40% em 2020 e até o momento (25 de outubro), alcança 49,30% em 2022.
Cobertura vacinal em crianças com idade abaixo de 1 ano no Recife (2018-2022) de Marco Zero
Em Pernambuco, a maior preocupação é com a Região Metropolitana do Recife, que concentra a maioria da população, e com a Zona da Mata Sul. “No Sertão, as equipes municipais já vacinam em escolas, creches e nas áreas de difícil acesso, obtendo uma melhor cobertura”, conta Ana Catarina Melo. Na atual campanha contra a paralisia infantil, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, 474.049 doses foram aplicadas em crianças com idade até 4 anos, uma cobertura de 87,97%. Dos 184 municípios e o Distrito de Fernando de Noronha, 86 atingiram a meta de 95% vacinados. Mas na rotina, na faixa etária menor que 1 ano de idade, fica abaixo dos 90% desde 2016 e, em 2022, de janeiro a agosto, menos de 56% estavam vacinadas contra paralisia.
Quando nascem, os bebês tomam ainda na maternidade as primeiras doses contra as formas graves de tuberculose e hepatite B. A partir daí, as demais vacinas precisam ser recomendadas pelas equipes de saúde da Atenção Básica (unidades de Saúde da Família ou postos), que atuam nos bairros, e pelos pediatras da rede particular. As negativas são em baixa proporção, ocorrem em menos de 1% dos casos de abordagem em unidades de saúde, maternidades e creches, segundo Ana Catarina, o que é um fator positivo para retomar as altas coberturas.
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* Este conteúdo integra a série Eleições 2022: Escolha pelas Mulheres e pelas Crianças. Uma ação do Nós, Mulheres da Periferia, Alma Preta Jornalismo, Amazônia Real e Marco Zero Conteúdo, apoiada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal
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