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GGE Parnamirim: moradores contestam empresários e cobram mais ações mitigadoras

Maria Carolina Santos / 19/09/2019

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

O plenarinho da Câmara dos Vereadores do Recifeficoucheio para a reunião pública nesta quarta-feira (18) sobre a construção de uma unidade do colégio GGE bem na Praça do Parnamirim. Moradores dos bairros de classe média da Zona Norte questionam o empreendimento por vários motivos: desde o tráfego que vai gerar em uma região de trânsito já pesado, ao saneamento nas ruas vizinhas, passando pelo corte de árvores e a poluição sonora. Há também a sombra de um processo rápido e na surdina, sem ouvir os moradores da vizinhança e com a placa sobre a obra em desacordo com a legislação municipal até a semana passada.

Antes de começar a apresentar o projeto na reunião pública, convocada pelo vereador Jayme Asfora (sem partido), o arquiteto Bruno Ferraz, representante do empreendimento na mesa, se mostrou ressentido com a repercussão negativa. “Uma escola é algo desejado em um bairro”, argumentou. Começou, então, a mostrar os mesmos slides que já havia levado às apresentações no Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) e na Comissão de Controle Urbanístico (CCU). Sócios e dirigentes do GGE e da Plus Imóveis/Grupo Parvi (esses, responsáveis pela construção) estavam presentes na reunião, mas não quiseram compor a mesa. Alegando a todo momento estar com muita pressa e que clientes estavam à espera dele, Bruno Ferraz encontrou uma plateia bem mais crítica do que nas reuniões do CDU e CCU.

Segredo, influência e manobra: a construção do colégio GGE na Praça do Parnamirim

Antes de tudo, defendeu os dois conselhos como “ambientes democráticos”. “Não podemos descredibilizá-los, como vi em algumas matérias na internet”, disse. Afirmou que o GGE Parnamirim era uma escola de vizinhança, mesmo com previsão de 900 alunos, e que era, veja bem, um “centro comunitário”. Nesse ponto, uma moradora não se conteve. “É uma escola privada, com a mensalidade mais barata em torno de um salário mínimo. Não tem nada a ver com um centro comunitário”, protestou. Bruno Ferraz argumentou apenas que o GGE “tem cotas” – talvez confundido o termo com bolsas escolares.

Na apresentação em que abre com uma tal revolução industrial 4.0 (“hoje o concorrente da escola é o smartphone“), destacou uma azeitoneira que será mantida no terreno e que é o centro do desenho arquitetônico do colégio. A fala, meio deslocada em uma audiência pública em que as pessoas querem é saber de outras coisas, não passou despercebida pelo representante do movimento contra o Atacado dos Presentes no Poço da Panela, Ricardo Bandeira de Melo. “Parece aqueles filmes pós-apocalípticos em que tudo o que sobra é uma única árvore”, disse, ao pegar o microfone no fim do debate. No projeto do colégio, no entanto, está escrito que são 26 árvores, das quais 11 já são do terreno. Outras 50 mudas serão doadas – e plantadas em outro local, escolhido pela prefeitura.

O arquiteto apresentou vários números que embasam uma lógica em que se afirma que o empreendimento não terá impacto no trânsito – e até vai ajudar na fluidez da área. O decréscimo de emplacamento de carros no Recife (em 2010, 77.118; 2018, 50.963 veículos) e até o desemprego (“as pessoas ficam em casa, não se deslocam, isso é fato”) foram alguns dos argumentos usados parajustificaro empreendimento. Um vídeo com imagens aéreas de alunos do GGE chegando a pé na unidade de Boa Vigem, perto da Via Mangue, sem engarrafamento algum, foi mostrado pelo arquiteto. O problema, para ele, é que todos que estavam ali moram na Zona Norte. E sabem exatamente as condições do tráfego no local e as diferenças de mobilidade em relação a Boa Viagem.

reuniao1Apressado, Bruno Ferraz ouviu parte das críticas dos moradores, como a da representante do grupo Amigos do Parnamirim, Clarissa Capela. Ela questionou alguns números do projeto, como as vagas disponíveis no bicicletário, insuficientes – cerca de12 (há informações diferentes nos documentos)para os 900 alunos. “Nenhum morador é contra uma escola. Somos contra um empreendimento de impacto ser construído sem ouvir os moradores da vizinhança”, afirmou Clarissa. Sobre os números conflitantes (há por exemplo, previsão de 1.129 alunos em um documento e de 900 em outro), Bruno Ferraz explicou que, ao longo dos dois anos de projeto, houve ajustes. Sobre o bicicletário, afirmou que pode ser ampliado. Foi embora da reunião às pressas, deixando apenas os representantes da prefeitura e do bairro na mesa.

Representando o secretário de Mobilidade e Controle Urbano João Braga, a chefe de Divisão de Licenciamento e Urbanismo do Recife, Mira Meira, fez questão de assegurar, por repetidas vezes, a lisura do empreendimento. Por outras diversas vezes, reafirmou a solidez das licenças do colégio. “Eu vejo que há uma discussão e não é uma discussão em segredo”, afirmou, enumerando os vários órgãos que tiveram que dar pareceres sobre o projeto. “A gente sabe que em uma unidade de vizinhança (bairro) são importantes alguns equipamentos. E escola é um deles. É interessante que esses usos estejam próximos de unidades de vizinhança”, defendeu, afirmando ainda que a circulação de pessoas deixa os locais mais seguros.

O representante da Companhia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), Antônio Henrique, do setor de mobilidade sustentável, falou pouco e foi repetitivo, apenas defendendo os pareceres do órgão.

Na plateia, um dos moradores resumiu em uma frase as apresentações: “A prefeitura fez uma defesa do projeto muito melhor do que o próprio arquiteto”. E completou afirmando que é necessário fiscalizar os projetos após ficarem prontos. Os moradores temem que a escola, por exemplo, se torne uma faculdade à noite ou que adicione andares com o passar dos anos.

Fora a mobilidade, os moradores da Rua Abraham Lincoln, onde vai ser a entrada de carros do colégio, alertam também para os constantes alagamentos na via. “Quando chove, alaga e a gente não sai de casa, não precisa nem ser uma tempestade. No nosso prédio, inclusive, tem uma comporta porque senão a água invade a garagem e destrói a maquinaria dos elevadores. Em dias de chuva, os carros nem saem, nem entram na garagem. Não tem possibilidade do canal de esgoto suportar um colégio”, reclama o médico Ricardo Pernambuco. Um dos engenheiros responsáveis pela obra, João Eduardo Marinho, sócio da Marca Engenharia, é casado com a presidente da Compesa, a engenheira civil Manuela Marinho. O parecer da Compesa atestando a viabilidade do empreendimento foi concedido antes de ela assumir o cargo.

Morador do Parnamirim e ativista da Ameciclo, Daniel Valença integrou a mesa e destacou a insuficiência das ações mitigadoras quando os projetos são aprovados pela prefeitura. “Os processos continuam chegando à Câmara exatamente para poder mitigar ações que deveriam ser feitas pela prefeitura, se houvesse esse processo de escuta. As ações mitigadoras (deste projeto) são ridículas. Fico preocupado com o habite-se, porque não há fiscalização depois, para ver como o projeto está funcionando. Tem parques em prédios habitacionais que viram vagas de estacionamento. As farmácias colocam cobogós no chão e depois trocam por cimento”, disse.

Para Daniel, a pressão agora deve ser na Prefeitura do Recife, para que ela exija ações mitigadoras mais eficientes. “Ela tem poder de fazer isso”, diz Daniel, que defende que as atribuições do CDU sejam transferidas para Conselhos da Cidade. “Há três Conferências da Cidade que pedimos isso. Um conselho paritário, com movimentos, organizações da sociedade civil organizada, universidades. É uma composição muito mais favorável à sociedade. O CDU tem hoje uma configuração perversa, com a sociedade tendo pouca voz e direito, é praticamente apenas para referendar os projetos”, afirma.

Empreendimento custará R$ 13 milhões

A coleção de sobrenomes tradicionais que foi ao plenarinho não saiu satisfeita com as explicações dadas pelos empreendedores e pela prefeitura. Em momento algum, durante a audiência, o arquiteto, a representante da prefeitura ou o representante da CTTU admitiram o que os moradores da região percebem como óbvio: o empreendimento, por ficar em um ponto estratégico para o trânsito da Zona Norte, vai ter um grande impacto na mobilidade. Nenhuma nova ação mitigadora ou compensatória foi acordada. De concreto, o compromisso de uma nova reunião, desta vez privada: será formada uma comissão de moradores para dialogar diretamente com o grupo construtor do empreendimento.

Ao final da reunião, uma das fundadoras do grupo Amigos do Parnamirim, Sylvia Costa Couceiro, conversou com o sócio da Plus Imóveis Walmar Coelho Filho e o gestor do GGE Geraldo Faria. Eles mais ouviram que falaram. Sylvia foi certeira ao cobrar um diálogo franco. “Não adianta vocês dizerem que não vai ter impacto, que o trânsito não vai ser afetado ou que vai até diminuir. Nós sabemos como os números podem ser manipulados. Por favor, vamos partir do pressuposto verdadeiro. Vamos ver como minimizar esse impacto. É isso que a gente quer de vocês, e não que nos tentem convencer que vai ser bom em tudo”, afirmou.

Projeto do colégio

Projeto do colégio para 900 alunos

“É um empreendimento grande e em um ponto estratégico. Vai mexer com a vida de todo mundo. Vocês estão olhando pelo lado do empresariado e temos uma certa sensibilidade, pois é um empreendimento de educação, mas como é que algo de educação começa desse jeito? Começa errado da base. A educação vem da participação, do senso crítico. Essa formação do grupo (Amigos do Parnamirim) vai além do trânsito, é pela participação cidadã na cidade. Se vocês tivessem chegado antes (para apresentar o projeto), nada disso teria acontecido. O colégio já está entrando no bairro com uma má fama”, afirmou Sylvia, que leu todo o projeto do GGE Parnamirim. “É apenas mais um exemplo do que acontece na cidade. Com o Cais Estelita, as casas modernistas na Rosa e Silva, as Torres Gêmeas, e com outros tantos feitos desta forma, enfiados goela abaixo na população”, criticou.

A Marco Zero, Walmar afirmou que o empreendimento vai custar R$ 13 milhões. As ações mitigadoras geralmente são estabelecidas entre 1% e 2% do valor total dos empreendimentos. Só para os seis semáforos inteligentes, que são a principal ação mitigadora do colégio, o arquiteto Bruno Ferraz afirmou que serão gastos por volta de R$ 300 mil. Só aí já se extrapola o valor usual. Em momento algum da reunião o grupo empreendedor se comprometeu formalmente a acrescentar outras medidas mitigadoras, apesar de se mostrar aberto ao diálogo com uma comissão de moradores. “Essas ações (mitigadoras) podem ser mudadas. Assinamos um termo de compromisso para fazer essas ações, mas podem mudar”, afirmou Walmar.

AUTOR
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Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org