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Governo Bolsonaro bloqueou R$ 102 milhões para áreas de risco nos morros do Recife

Inácio França / 06/06/2022

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Desde o início do governo de Jair Messias Bolsonaro, a equipe da Autarquia de Urbanização do Recife (URB) espera que o Ministério do Desenvolvimento Regional libere R$ 102 milhões para obras de contenção de encostas em áreas de alto risco nos morros do Recife. De acordo com um gestor público e uma técnica que atuaram na URB até 2021, esse seria o valor que a prefeitura do Recife ainda falta receber de um termo de compromisso de R$ 150 milhões, assinado em 2012 pela presidenta Dilma Rousseff, incluindo os muros de arrimo, drenagem e escadarias no Programa de Aceleração do Crescimento, o extinto PAC.

Na esperança de receber os recursos do convênio, dividido em 15 parcelas, a URB precisou apresentar o projeto técnico para cada um dos 15 lotes de obras, conforme as regras da Caixa Econômica Federal de financiamento para o setor público. Se os projetos são aprovados, o município pode fazer a licitação para contratar a empresa responsável pelo serviço. Com a licitação finalizada, em tese o ministério deveria emitir um documento chamado AIO, sigla para “Autorização de Início de Objeto”. Neste caso, a palavra “objeto” diz respeito às obras propriamente ditas.

As três primeiras parcelas foram repassadas ainda durante os governos da própria Dilma e de Michel Temer. Depois, vieram os lotes quatro e cinco, aprovados na gestão de Temer, em 2017. Na época, o então prefeito Geraldo Julio (PSB) chegou a comemorar, dizendo que “muitas famílias já estarão em segurança no próximo inverno”. Ele não esperava que os recursos só seriam liberados em dezembro de 2020.

Ao todo, o Recife recebeu R$ 48 milhões, menos de 1/3 previsto no convênio original.

Entre o segundo semestre de 2018 e o início de 2019, a prefeitura realizou mais sete licitações depois que os respectivos projetos foram aprovados pela Caixa. E, até hoje, não recebeu nenhum centavo dos R$ 75,3 milhões para iniciar e pagar as obras contratadas em 77 “setores de risco” de, pelo menos, 28 bairros, quase todos atingidos pelas chuvas do final de maio que provocaram 55 mortes na capital, das 128 registradas na região metropolitana.

Outros três projetos no valor total de R$ 27 milhões sequer foram analisados pelos órgãos do Governo Federal. E não têm data prevista para serem examinados e aprovados.

Nesse meio tempo, os diretores da URB realizaram várias visitas ao ministério, em Brasília, para cobrar a liberação das verbas. A cada reunião, eram informados que faltava dinheiro para honrar o termo de compromisso, porém enviavam os ofícios solicitando o repasse dos recursos.

Os ofícios eram enviados ao coronel Alexandre Lucas Alves, secretário nacional de Proteção e Defesa Civil. Um dos ofícios aos quais a Marco Zero teve acesso foi solicitado em julho de 2019 pelo próprio ministro Gustavo Canuto (atual presidente da estatal Dataprev) ao presidente da URB na época, João Alberto Costa Farias, que enviou o cronograma de pagamentos das obras nos morros.

Em outro ofício, o presidente da URB informa ao coronel Alexandre Lucas que o município já licitou R$ 105 milhões em obras, pedindo um “pronunciamento do ministério com a urgência que o caso requer”. Os pedidos se revelaram inúteis.

Para Ministério obras estão “atrasadas”

Apesar de não ter respondido aos questionamentos da Marco Zero (ver mais abaixo a íntegra do e-mail enviado ao Ministério do Desenvolvimento Regional – MDR ), o Ministério informou ao Jornal do Commércio, em matéria publicada nesta segunda-feira, 6 de junho, que considera como “atrasadas” as obras do Recife, mesmo não tendo liberado o dinheiro para que elas acontecessem: “Juntas, as intervenções em atraso somam R$ 119,7 milhões, de acordo com o Ministério de Desenvolvimento Regional”, diz o texto da reportagem, sem qualquer menção ao bloqueio de recursos.

Questionamentos enviados ao MDR

Prezados e/ou prezadas colegas da equipe de assessoria de imprensa do MDR,

a Marco Zero Conteúdo está produzindo reportagem sobre o contingenciamento de R$ 75,3 milhões referentes ao termo de compromisso assinado em 2012 no âmbito do PAC Encostas.

A prefeitura do Recife alega que os lotes de 6 a 12, referentes ao termo de compromisso mencionado acima, foram devidamente licitados entre 2018 e 2019, porém os recursos correspondentes jamais foram liberados pelo MDR ou Caixa Econômica, apesar de várias reuniões entre o presidente da URB, João Alberto Farias, e a equipe do ministério.

Assim, perguntamos se realmente esses recursos permanecem contingenciados. Se sim, qual o motivo e qual a perspectiva de liberação dada a situação de emergência vivida pelo Recife?

A equipe da prefeitura também informa que os projetos referentes aos lotes 13, 14 e 15 previstos no termo de compromisso, num total de R$ 45 milhões ainda não foram analisados pela Caixa Econômica e MDR. Se essa informação procede, perguntamos qual o motivo e qual a perspectiva de data para realização da análise?

PCR confirma e vereadores reagem

Por sua vez, a Prefeitura do Recife confirmou integralmente, por meio de nota, a versão apresentada pelos ex-servidores que pediram anonimato: “Do convênio assinado em 2012, por exemplo, que totaliza R$ 150 milhões, ainda não chegaram as verbas referentes aos lotes 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12, apesar de os projetos já estarem prontos e aprovados pela Caixa Econômica. O valor não liberado é superior a R$ 74 milhões e a Prefeitura reforçou o pedido de liberação imediata. Já os lotes 4 e 5 receberam recursos federais apenas em 2020, três anos após a conclusão dos processos licitatórios”.

No mesmo informe da secretaria executiva de Imprensa, a PCR explica que algumas das obras licitadas acabaram iniciando mesmo sem os recursos federais: “A solução encontrada pela gestão municipal tem sido viabilizar a execução das obras com recursos próprios e oriundos de financiamento. Por exemplo, todas as obras do lote 9 foram concluídas desta forma”.

Na Câmara Municipal, a vice-líder da bancada de sustentação ao prefeito João Campos (PSB), vereadora Cida Pedrosa, afirma que o Governo Federal “produz fake news mesmo em situação de emergência. A prova disso seria manter contingenciados R$ 75 milhões para obras em encostas, enquanto o presidente da República faz sobrevoos na cidade, vendo a tragédia de longe, enquanto promete R$ 1 bilhão que a gente sabe que esse é o valor total de um fundo emergencial para todos estados e municípios do país”.

Já o líder do PSB na Câmara, Rinaldo Júnior, ironizou os políticos pernambucanos que apoiam Jair Bolsonaro: “Faço uma provocação às bancadas bolsonaristas na Câmara Municipal, na Assembleia Legislativa e na Câmara Federal. Pra liberar esse dinheiro já tem convênio, já tem projeto aprovado, já tem até licitação concluída. Se falta apenas o presidente usar a caneta, porque eles não ajudam a destravar esses recursos”.

Convênio previa R$ 150 milhões em obras em áreas de alto risco. Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

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Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.