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Governo Federal sugere que estados regulamentem energia eólica

Raíssa Ebrahim / 02/10/2025
Cinco pessoas estão lado a lado atrás de uma mesa, posando para a foto em um evento. Elas seguram camisetas brancas estampadas com ilustrações coloridas e mensagens sobre preservação da Caatinga. A mesa à frente tem mais camisetas dobradas. Ao fundo, um painel branco traz a frase em destaque: “A Caatinga no centro do debate climático”. Todos sorriem e olham para a câmera, transmitindo um clima de celebração e engajamento ambiental.

Crédito: Beto Figueiro/Caatinga Climate Week

Durante a coletiva de abertura da Caatinga Climate Week, a Semana do Clima da Caatinga, nesta quarta-feira (1º), em Caruaru, no Agreste de Pernambuco, o ministro da secretaria-geral da Presidência da República, Márcio Macêdo, informou que o Governo Federal está sugerindo que os estados, através das Assembleias Legislativas, regulamentem o funcionamento de parques de energia eólica, sobretudo em Pernambuco e no Rio Grande do Norte.

“Tenho conversado com o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) para que a gente possa influenciar nesse processo (dos leilões) e ter previsão de compensação ambiental para essas comunidades atingidas que vivem no entorno das usinas. Para que a gente possa primeiro resolver os problemas que já tem e que eles não possam se multiplicar no país. Porque a energia eólica é uma realidade que veio para ficar”, disse Macêdo.

“Essa questão da energia eólica é muito séria. O impacto é muito grande na vida das pessoas. Então é necessário que tenha regulamentação estadual e leis sobre isso”, complementou. No Brasil, cada estado é responsável pela própria legislação referente às iniciativas de energia renovável.

Foto do ministro Márcio Macêdo, um homem de pele clara e cabelos grisalhos, curtos e encaracolados, aparece em primeiro plano, sentado, segurando um microfone próximo à boca. Ele veste uma camisa social branca e olha em direção à câmera com expressão séria. O fundo é neutro, em tons claros, com parte de uma estrutura escura desfocada à direita da imagem.

Márcio Macêdo participou de evento em Caruaru

Crédito: Beto Figueiro/Caatinga Climate Week

A maior parte das usinas eólicas no Nordeste está localizada no semiárido, que abriga a Caatinga, o único bioma exclusivamente brasileiro. Fortemente ameaçada pelas mudanças climáticas, a região enfrenta outra grave ameaça: a falta de uma transição energética justa.

Entre os diversos impactos dos empreendimentos eólicos, estão a perda de territórios, as remoções forçadas, os contratos abusivos e os danos ambientais e à saúde das famílias que vivem próximas aos aerogeradores. Os efeitos também são sentidos pelos animais, como bois, porcos e abelhas, que diminuem suas produções com consequente impacto na renda das famílias.

Uma pesquisa da Universidade de Pernambuco (UPE) em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontou que mais de 70% das pessoas que moram ao lado das turbinas têm depressão, estresse, ansiedade ou problemas de visão.

No ano passado, a gestão da governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSD), publicou um instrução normativa prevendo algumas regulamentações para tentar minimizar os impactos socioambientais provenientes desse tipo de empreendimento. A medida, no entanto, foi bastante criticada pelas comunidades agricultoras impactadas e pela sociedade civil que acompanha essa realidade. 

Isso porque a instrução não previu uma regra para um dos principais pedidos das famílias agricultoras: a definição de uma distância mínima entre os aerogeradores e as residências. Cada empresa pode estabelecer uma distância.

Nas palavras dos representantes do Centro Sabiá, organizador da Caatinga Climate Week, “a ausência de políticas mais rigorosas facilita acordos desonestos entre empresas e as comunidades, com aval dos governos municipais e estadual. Foi o caso dos parques instalados em Venturosa e Caetés (no Agreste de Pernambuco), que tiveram suas licenças renovadas após dez anos de efeitos negativos para as comunidades”.

Janja e enviadas especiais da COP30 ouvem demandas

A coletiva de imprensa desta quarta (1º) foi a primeira agenda em Caruaru das Enviadas Especiais para a COP30 dentro do projeto Vozes dos Biomas. Essa é iniciativa inédita que busca levar as vozes da sociedade civil diretamente aos espaços de negociação da COP30. É liderada pela primeira-dama Janja Lula da Silva (responsável pelo tema Mulheres), pela advogada de direitos humanos e ativista feminista Denise Dora (Direitos Humanos e Transição Justa) e pelamédica, comunicadora e ativista pelos direitos humanos Jurema Werneck (Igualdade Racial e Periferias).

Durante a Caatinga Climate Week, o Vozes dos Biomas realizou a edição dedicada à caatinga, reunindo lideranças locais, povos tradicionais, organizações da sociedade civil e movimentos sociais do semiárido para apresentar às enviadas as principais demandas do bioma.

Essas demandas vão compor documentos que serão entregues diretamente aos negociadores da COP30, com a missão de garantir que os saberes locais e as perspectivas de quem vive os impactos da crise climática estejam representados no mesmo nível de importância que as orientações oficiais, ampliando a participação e o alcance político da sociedade civil brasileira no debate global sobre o clima.

“A busca por financiamento é hoje a principal demanda da sociedade civil. Assim como existe o Fundo Amazônia, precisamos pensar em fundos para os outros biomas brasileiros. A Pampa, por exemplo, é trinacional e um dos mais degradados. Essa preocupação deve estar na carta final da Semana do Clima da Caatinga, que vamos apresentar na COP”, afirmou Janja.

Foto da primeira-dama Janja, mulher de pele clara e cabelos castanhos lisos, na altura dos ombros, aparece em primeiro plano, sentada diante de um painel branco com os logos “Caatinga Climate Week” e “COP30 Brasil Amazônia”. Ela usa óculos de armação escura, casaco claro e segura um microfone na mão direita, enquanto gesticula com a esquerda. Olha para frente com expressão atenta, como se respondesse a uma pergunta ou fizesse uma intervenção no debate.

Janja é uma das enviadas especiais da COP30 ao semiárido

Crédito: Beto Figueiro/Caatinga Climate Week

Por meio de oficinas presenciais realizadas nos seis biomas brasileiros, o Vozes dos Biomas promove escutas qualificadas com as populações de cada bioma, ouvindo experiências, desafios e soluções resilientes diante da crise climática. A partir desses encontros, serão elaboradas seis cartas, uma por bioma.

A iniciativa já realizou encontros na Amazônia, Mata Atlântica e Pampa, e agora chegou à Caatinga, antes de seguir para o Cerrado e o Pantanal.

Caatinga Climate Week

Inspirada em encontros internacionais como os de Nova York e Londres, a Caatinga Climate Week segue até o sábado (4) percorrendo sete municípios do agreste e do sertão pernambucanos com o objetivo de colocar o bioma no centro da agenda climática de olho na COP30, que acontece em novembro, em Belém. O evento é uma iniciativa do Centro Sabiá em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA).

Durante o evento, mais de 100 lideranças indígenas, quilombolas, assentados da reforma agrária, agricultoras e agricultores agroecológicos, cientistas e organizações sociais se reúnem para discutir soluções locais já testadas, integrando saberes tradicionais e conhecimento científico.

Os participantes vão conhecer de perto, por exemplo, sistemas produtivos da agricultura familiar, tecnologias sociais para adaptação climática, saberes ancestrais, como funcionam as economias territoriais, bancos de sementes crioulas

Historicamente estigmatizada pela pobreza, mas rica em biodiversidade e resistência cultural e um dos biomas mais eficientes na captura de carbono, a Caatinga, que abriga cerca de 28 milhões de pessoas, é um dos territórios mais impactados do planeta pela desertificação e o primeiro a registrar uma zona árida no Brasil.

Segundo o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, do MapBiomas, mostrou que mais de 3 mil hectares da Caatinga já foram desmatados por empreendimentos de energia renovável, sobretudo os parques fotovoltaicos.

  • A repórter viajou a convite da Caatinga Climate Week

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornais de bairro do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com