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Grande Recife: um em cada quatro moradores vive em favelas, revela Censo 2022

Maria Carolina Santos / 11/11/2024

Crédito: Inês Campelo/MZ/Arquivo

Crédito: Inês Campelo/MZ/Arquivo

O Brasil tem 16,4 milhões de pessoas vivendo em favelas, mostram dados do Censo 2022 divulgados na sexta-feira (8) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em Pernambuco, mais de um milhão de pessoas (1.091.289) residem em favelas ou comunidades urbanas, o que representa 12,05% da população do estado. Na Região Metropolitana do Recife, que inclui 15 municípios, 1.016.388 de pessoas moram em favelas, o equivalente a 26,9% da população, ou seja, mais de 1 em cada 4 moradores do Grande Recife mora em favelas.

Com 728 favelas, o Grande Recife fica atrás somente das regiões metropolitanas de São Paulo (2.473) e do Rio de Janeiro (1.273) em número de favelas e comunidades urbanas. Na capital pernambucana, são 295 favelas, com 361.548 moradores, o que representa 24,28% da população do Recife.

O Censo de 2022 revelou algumas diferenças significativas entre a população residente em Favelas e Comunidades Urbanas e a população brasileira em geral:

Raça e etnia: A proporção de pardos (56,8%) e pretos (16,1%) nas Favelas e Comunidades Urbanas é superior aos percentuais observados na população total (45,3% e 10,2%, respectivamente). Em contraste, a proporção de brancos na população do país (43,5%) é significativamente maior do que a encontrada nas Favelas e Comunidades Urbanas (26,6%).

Idade: A população das favelas é mais jovem, com idade mediana de 30 anos, em comparação com a idade mediana de 35 anos da população brasileira como um todo. O índice de envelhecimento nas Favelas e Comunidades é de 45 idosos para cada 100 crianças, enquanto no país como um todo a proporção é de 80 idosos para cada 100 crianças.

Domicílios: 84,8% dos domicílios em Favelas e Comunidades Urbanas são casas, uma proporção maior do que os 82,3% do total do país. A verticalização é menos comum, com apenas 2,8% dos domicílios sendo apartamentos, em contraste com 14,9% no Brasil como um todo.

Serviços: Apesar das disparidades, as Favelas e Comunidades Urbanas apresentam um alto índice de acesso a serviços básicos. 86,4% dos domicílios possuem ligação à rede geral de água, em comparação com 83,9% no país. A rede de esgoto alcança 74,6% dos domicílios, enquanto no Brasil essa taxa é de 77,4%. 96,7% dos domicílios contam com serviço de coleta de lixo, em comparação com 91,7% no total do país.

Para o demógrafo Wilson Fusco, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), os dados do Censo revelam as desigualdades do País. “Um fato bastante interessante é que apesar do Brasil ter a concentração da população brasileira de forma muito evidente na região Sudeste, principalmente em São Paulo, a concentração das favelas é no Norte e, depois, no Nordeste. Apesar de você ter grandes favelas no Rio de Janeiro – a maior de todas é a Rocinha –, e em São Paulo, a concentração delas está na região Norte. Manaus (53,9%) e Belém (55,8%) têm mais da metade da população morando em favelas”, aponta.

Número de favelas quase dobrou em 12 anos?

Em um período de 12 anos, houve um aumento significativo no número de favelas e na sua população. Segundo os dados do Censo 2022, o país contabiliza 12.348 favelas, distribuídas em 656 municípios, o que representa um aumento de 95% em relação a 2010, quando havia 6.329 favelas em 323 municípios.

Esse crescimento se reflete também no número de municípios que abrigam favelas, com um aumento de 103%. A população residente nessas comunidades também apresentou um aumento considerável, passando de 11,4 milhões em 2010 (6% da população brasileira) para 16,4 milhões em 2022 (8,1% da população).

Fusco ressalta que esse aumento expressivo pode ser parcialmente atribuído aos avanços tecnológicos na coleta de dados. “Da mesma forma que o IBGE vem desenvolvendo formas de localizar comunidades e grupos diferentes – como, por exemplo, os quilombolas, que pela primeira vez foram mapeados pelo Censo –, vem também aprimorando a forma de captar o registro das pessoas que vêm sendo acompanhadas desde o início do século XX. Essa alteração no número de favelas e de pessoas em favelas também se deve, em parte, ao desenvolvimento de melhores métodos de captação”, afirmou.

O que é favela para o IBGE?

Para o Censo Demográfico, o IBGE considera como favelas e comunidades urbanas as localidades com características como insegurança jurídica da posse, ausência ou oferta precária ou incompleta de serviços públicos, padrões urbanísticos fora da ordem vigente e ocupação de áreas com restrição ou de risco ambiental.

Não significa, contudo, que são moradias desprovidas de saneamento ou energia elétrica da rede legal. “A grande maioria dos domicílios desse recorte do Censo é domicílio particular, permanente, ocupado. Então, não é exatamente uma situação totalmente precária. A proporção de lugares com rede de água, de esgoto e de eletricidade é muito parecida com o lugar que não é favela, não é um fator que se destaca. Tanto que a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) foi usada para fornecer informações para que pudesse ser feito o georreferenciamento desses lugares”, analisa Fusco. “Mas, nas favelas, há uma proporção muito maior de pessoas que tinham simplesmente um buraco ou despejam os dejetos diretamente no rio ou no mar. Entretanto, ainda assim, essa proporção era pequena comparada com o total das habitações nas favelas”, explica.

Favelas têm 6,5 estabelecimentos religiosos para cada escola

O Censo 2022 identificou 958.251 estabelecimentos nas favelas e comunidades urbanas do Brasil. O pesquisador da Fundaj chama a atenção para a quantidade de instituições religiosas nas favelas: são 18,2 igrejas para cada unidade de saúde e 6,5 para cada unidade de ensino. No total, o Censo 2022 mapeou 50.934 estabelecimentos religiosos nas favelas.

“Onde não está o Estado, está uma igreja. E, obviamente, há toda a questão de visão de mundo, de distanciamento do que são os direitos dos cidadãos: os direitos passam a ser algo que você tem que pedir para ter acesso, seja para um político ou para alguém da igreja. Ou, pior, para outras instituições que não são captadas pelo IBGE, que também propiciam acesso a serviços e a bens que o Estado não está propiciando”, alerta Fusco.

Além da forte presença religiosa, as favelas e comunidades urbanas também se caracterizam por um grande número de estabelecimentos voltados a outras finalidades, como oficinas, bancos, farmácias, escritórios e comércio em geral (64,3% do total). Esse dado aponta para a diversidade de atividades econômicas e sociais existentes nesses espaços, muitas vezes são invisibilizadas.

Outro aspecto importante é a significativa quantidade de edificações em construção ou reforma (29,1%). Isso demonstra a constante transformação que marcam as favelas e comunidades urbanas.

Comparando com o total de estabelecimentos no país, as favelas e comunidades urbanas concentram:

● 8,8% dos estabelecimentos religiosos;

● 7,9% das edificações em construção e reforma;

● 3,0% dos estabelecimentos de ensino;

● 1,1% dos estabelecimentos de saúde.

Menos brancos nas favelas do que na população em geral

O Censo 2022 também revelou uma composição racial distinta entre a população das favelas e comunidades urbanas e a população brasileira em geral. Enquanto no país a proporção de pessoas brancas é de 43,5%, nas favelas esse grupo representa apenas 26,6% dos moradores. Essa diferença se acentua quando se observa a presença de pardos e pretos: 56,8% e 16,1% nas favelas, contra 45,3% e 10,2% na população total, respectivamente.

Dados da Região Metropolitana do Recife. Fonte: IBGE

A população indígena, por sua vez, apresenta uma proporção similar em ambos os contextos, com 0,8%. No entanto, na região Norte, 12,6% dos indígenas residem em favelas e comunidades urbanas, com destaque para o Amazonas, onde essa taxa atinge 17,9%.

Estados como Rio de Janeiro e São Paulo também apresentam uma parcela significativa de indígenas vivendo nesses espaços, com 12,7% e 9,6% respectivamente.

A disparidade na composição racial entre as favelas e a população brasileira como um todo é um reflexo histórico das desigualdades sociais e raciais da sociedade brasileira. A pesquisadora Letícia Giannella, do IBGE, destacou, em material divulgado pelo órgão, a tendência observada entre os Censos de 2010 e 2022: tanto na população total quanto nas favelas e comunidades urbanas, houve uma diminuição na proporção de pessoas que se declaram brancas e um aumento na proporção de pessoas que se declaram pretas ou pardas. Esse movimento sugere uma maior conscientização racial e um processo gradual de ressignificação da identidade racial no Brasil.

Dados do Censo devem fomentar políticas públicas

Apesar de abrigarem 8,1% da população brasileira, as favelas e comunidades urbanas carecem de maior investimento em áreas essenciais como educação e saúde. A discrepância entre a alta proporção de estabelecimentos religiosos e a baixa proporção de escolas e unidades de saúde levanta questões sobre as prioridades de investimento público e privado nessas comunidades.

“É um lugar de desigualdade social, de necessidade de intervenção do Estado para promover maior inclusão. É um retrato tão nítido que o Censo 2022 mostra que é uma chance de se olhar onde se deve intervir para melhorar a vida das pessoas que mais precisam”, diz Fusco. “É algo que os governos podem agir logo, não têm que esperar o próximo Censo. Se há uma política de redistribuição de renda adequada, você pode pegar os recursos do Estado e proporcionar planos de habitação popular para a população que hoje vive em favelas”, afirma. “No Recife, por exemplo, há vários prédios abandonados e sem uso no Centro e em bairros próximos que poderiam ser usados para a habitação popular”, sugere.

O pesquisador afirma que apenas com os microdados do Censo é que será possível fazer pesquisas mais precisas. “Com o cruzamento dos microdados vamos saber, por exemplo, de onde os moradores das favelas vieram, se são migrantes que vieram de cidades do interior para tentar uma vida melhor na capital, por exemplo. Será possível saber, inclusive, se essas pessoas estão ocupadas, se estão desempregadas, se estão em um emprego informal. Vamos poder saber se a chefia desses domicílios é de mulheres. Com a divulgação dos microdados será possível aprofundar muito mais o conhecimento sobre a população brasileira”, explicou Fusco. O IBGE deve divulgar os microdados do Censo ainda em 2024.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org