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O fato mais relevante da cerimônia de abertura da XI Bienal Internacional do Livro de Pernambuco foi uma ausência. Na sexta-feira (6), o escritor e cineasta Fernando Monteiro, um dos homenageados do evento, retirou-se do auditório no exato momento em que o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, começou a discursar. Antes de deixar o local, o homenageado já havia passado pelo constrangimento de, mesmo tendo sido previamente convidado, não ser chamado para compor a mesa que conduziu a cerimônia.
No dia seguinte, em sua página no Facebook, Fernando Monteiro esclareceu que deixou o recinto em protesto ao governo Temer. Ele aproveitou para postar o pronunciamento que havia preparado para a ocasião e que não pôde ser lido. O discurso aborda, de forma contundente, o tema escolhido para a Bienal deste ano: “Literatura, democracia e liberdade”. Nele, Fernando também fala “como cidadão de um país que vive, neste momento, uma vigésima-quinta hora sombria, uma quadra de exceção, com práticas judiciais e políticas que levam à humilhação e até à morte, em nome de interesses que não são os da construção de uma sociedade democrática de verdade”.
Mas quem foi à cerimônia de abertura da Bienal para ouvir Fernando Monteiro falar sobre “Literatura, democracia e liberdade teve que se contentar em assistir ao ministro da Cultura do governo Temer discursar por 32 minutos. Sérgio Sá Leitão discorreu sobre a cultura como cadeia econômica, sobre a importância de se “monetizar” o talento e sobre “modelos de negócios”. Falou da importância econômica da bienal, dos negócios fechados no evento, dos empregos gerados e mais uma série de questões sobre “economia criativa”.
Sobre literatura, democracia e liberdade o ministro falou pouco. Mas aproveitou a oportunidade para defender a “expansão” da classificação indicativa para exposições. Para ele, muitas vezes, a liberdade de expressão dos artistas desrespeita o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Um discurso amplificado recentemente pelos membros do Movimento Brasil Livre (MBL) e que teria deixado sobressaltado o outro homenageado da XI Bienal, o escritor Lima Barreto.
No pronunciamento que faria na abertura da Bienal, Fernando Monteiro (que também teria se sobressaltado caso não tivesse saído antes do discurso do ministro) lembrou da rebeldia e do inconformismo de Lima Barreto. “O velho Lima Barreto, caso houvesse sido escutado no coração profundo da nação – sem sofrer a discriminação que o impediu de chegar ao coração do povo – teria certamente ajudado o Brasil a se fortalecer contra um momento como este”, argumentou. “Precisamos de Limas Barretos mais do que nunca, agora”.
“Boa noite a todos.
Eu gostaria de agradecer, antes de mais nada, à generosidade da escolha do meu nome, ao lado do grande Rebelde, do Inconformista-Mor LIMA BARRETO, nessa tão honrosa situação de Homenageados de uma Bienal que se realiza há 22 anos, no Nordeste.
Porque não é mais uma Bienal de Pernambuco, apenas. A Bienal que hoje se inaugura, na sua décima-primeira edição, tornou-se um bravo evento de resistência – conforme o tema explicitado há dois anos – e ei-la aqui, novamente de pé, como Bienal motivada em favor da Democracia e da Liberdade, neste país de temer pelo pior, agora.
Em face dos anti-democráticos, há o que temer – e eles, por sua vez, temem a Cultura, temem a Arte e, claro, temem o LIVRO – como objeto quase sagrado da civilização ameaçada pelas muitas formas de fascismo.
Eles, os que não estão dispostos a endossar práticas essencialmente republicanas e\ou favorecer a plena Liberdade de opinião, expressão e crença, esses podem, eventualmente, até tecer “loas” (falsas loas) ao Livro, porém, como se diz, será sempre da “boca-pra-fora” ou até mesmo pretendendo “domesticar” o Livro indomesticável, que se dobra nas nossas mãos unicamente como papel, mas não como símbolo de criação, de beleza e do pensamento indobráveis.
Estas palavras me vêm como escritor homenageado – e digo obrigado, mais uma vez –, mas também como cidadão de um país que vive, neste momento, uma vigésima-quinta hora sombria, uma quadra de exceção, com práticas judiciais e políticas que levam à humilhação e até à morte, em nome de interesses que não são os da construção de uma sociedade democrática de verdade, com inclusão social e plenos direitos assegurados para todos.
O velho Lima Barreto, caso houvesse sido escutado no coração profundo da nação — sem sofrer a discriminação que o impediu de chegar ao coração do povo — teria certamente ajudado o Brasil a se fortalecer contra um momento como este.
Precisamos de Limas Barretos mais do que nunca, agora.
Precisamos de inconformismo e de – boa – Rebeldia pernambucana principalmente nesta Província nassoviana dura para dobrar seus joelhos, e inquebrantável, na verdade, enquanto não hesita em oferecer, corajosamente, o pescoço dos Freis Canecas e a dignidade camponesa dos Gregórios Bezerras arrastados na ruas do arbítrio. À sombra deles, só podemos desejar que os melhores – e os mais bravos – nos inspirem, SEMPRE. E que os breves, os que apenas passam pelo poder, entre um dia e uma noite, sejam esquecidos na Manhã que os livros podem construir com mais eficácia do que as ameaças e as armas.
Viva a Bienal!”
Sérgio Miguel Buarque é Coordenador Executivo da Marco Zero Conteúdo. Formado em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, trabalhou no Diario de Pernambuco entre 1998 e 2014. Começou a carreira como repórter da editoria de Esportes onde, em 2002, passou a ser editor-assistente. Ocupou ainda os cargos de editor-executivo (2007 a 2014) e de editor de Política (2004 a 2007). Em 2011, concluiu o curso Master em Jornalismo Digital pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais.