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Presidente do Porto do Recife alega ser dono do terreno e está pressionando a PCR para que desista da horta
Na madrugada desta sexta-feira, dia 5 de julho, um grupo de homens armados e encapuzados destruíram as cercas e quebraram telhas do espaço de uma horta comunitária que conta com apoio oficial da secretaria de Políticas Urbanas da Prefeitura do Recife. O ataque aconteceu na comunidade Aliança com Cristo, no bairro do Jiquiá, zona oeste da capital pernambucana, onde as mulheres estão sendo capacitadas pela organização não governamental Centro Sabiá para se tornarem agricultoras urbanas.
Não é a primeira vez que a horta da rua Passo da Santa Cruz foi atacada. Em 2021, durante a pandemia, na primeira tentativa de se plantar verduras, legumes e frutas, dois policiais civis apareceram no local acompanhados de um homem que se dizia funcionário de um cartório. Eles intimidaram as donas de casa que pretendiam produzir alimentos no terreno baldio dizendo que a área tinha dono e que as elas teriam de sair dali.
Desta vez, a pressão começou há algumas semanas, quando os representantes do suposto proprietário do terreno, Delmiro Rodrigo Andrade da Cruz Gouveia, que é presidente do Porto do Recife, nomeado pela governadora Raquel Lyra, procuraram os gestores da prefeitura e apresentaram uma escritura e comprovantes de pagamento de IPTU que, em tese, comprovariam que a área teria sido arrematada em leilão por R$ 150 mil.
Os documentos surpreenderam a equipe da secretaria executiva de Agricultura Urbana. Durante vários meses, os técnicos da prefeitura fizeram um levantamento da situação fundiária do terreno e constataram que não havia de registro de propriedade no 7º Cartório de Imóveis, não havia cadastro no sistema do IPTU e também não foram encontrados registros do imóvel no Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Então, a secretaria decidiu apoiar a horta comunitária por entender que se tratava de área pública.
Desde então, o Centro Sabiá passou a ministrar cursos para as mulheres, enquanto outra respeitada organização, o Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta), pretendia trazer seus alunos de agroecologia para ajudar a preparar o terreno e iniciar as plantações. “Garantimos R$ 50 mil para comprar equipamentos ao ganhar um edital do Fundo Casa Ambiental”, explicou a íder comunitária Elisângela de Jesus.
Até terça-feira, as tratativas estavam acontecendo entre a gestão municipal e o suposto proprietário, mas tudo mudou quando um homem chamado Carlos e é pago para “vigiar” o terreno procurou Elisângela. “Ele bateu aqui na minha casa e avisou que a turma do dono do terreno iria vir na sexta-feira para tirar tudo de lá”, conta a moradora, que é mais conhecida como Janja e é ligada ao Movimentos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Janja havia mobilizado as mulheres da Aliança com Cristo para resistir à investida. Mas, horas antes, a quadrilha de encapuzados apareceu. “Vieram me acordar aqui em casa para avisar, eu corri pra lá com o celular já filmando, mas quando cheguei perto, um deles atirou e vieram pra cima de mim. Uma vizinha abriu a porta da casa e me botou pra dentro. Eles ficaram chutando o portão, me xingando e dizendo que iam apagar a filmagem”.
Janja conta que ficou na casa da vizinha até amanhecer, quando pediu ajuda à prefeitura e às organizações que compõem a Articulação de Agricultura Urbana, entre elas as ONGs Fase, as mulheres da horta Dandara, de Olinda, o Movimento Negro Unificado (MNU) e a ex-deputada estadual Jô Cavalcanti, coordenadora do MTST.
À Marco Zero, o “vigia” Carlos garantiu que não tem nada a ver com o ataque. “Até passei mal quando vi as cercas no chão”, disse. O presidente do Porto do Recife, Delmiro Gouveia informou por meio de sua assessoria que estava “surpreso com a notícia”. Ele rambém disse que “não tem conhecimento de nada e muito menos concorda com qualquer tipo de violência. Ele também desconhece quem teria interesse em destruir a horta”.
A secretária-executiva de Agricultura Urbana, Adriana Barata Figueira, não deu respondeu às tentativas da Marco Zero de fazer contato para que explicasse como a gestão municipal irá atuar.
O advogado do Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (Cendhec), Luiz Emmanuel, foi à rua Passo da Santa Cruz, na manhã de ontem, e se comprometeu a pesquisar todos os processos judiciários nos quais o terreno é mencionado para identificar qual a real condição fundiária do imóvel. “Uma coisa chama a atenção: se a SPU informou à prefeitura que não tem qualquer registro do terreno, porque a escritura apresentada pelo homem que alega ser o dono informa o pagamento de um laudêmio à própria SPU?”.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.