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Papa Saliou, migrante senegalês. Fotos: Inês Campelo
O senegalês Papa Saliou Mbaya chegou no Recife em 2012. Hoje, é conhecido como Pablo, nome mais fácil de ser assimilado e reconhecido por quem o encontra diariamente na Avenida Conde da Boa Vista, no Centro do Recife. Como migrante – faz parte da comunidade de senegaleses vivendo na capital pernambucana -, ele veio para o Brasil com o objetivo de juntar dinheiro para enviar à família no Senegal. Lá, deixou a esposa e os quatro filhos.
“Aqui é só trabalho. Vim para poder sustentar a família, mas tenho o desejo de trazer minha mulher para cá”, conta o comerciante informal, na banca em que vende bijuterias, relógios, adereços e outros produtos. Apesar dos sete anos já vividos no Brasil, ele não pensa em ficar de uma vez por todas. Nesse tempo, inclusive, já visitou a família no Senegal três vezes.
O perfil de Pablo é o de muitos senegaleses que vieram ao Brasil nos últimos anos. A perspectiva de Copa do Mundo e outros eventos de grande porte favoreceu a criação de um fluxo de pessoas que veio para tentar organizar a vida, com a promessa de um mercado aquecido.
Na maioria homens, os senegaleses que vivem no Recife são uma forte presença no comércio informal, ao menos na comunidade de migrantes africanos. “Os africanos que estão no comércio informal são todos senegaleses. Se você ver, todo senegalês vende a mesma coisa. Jóias, relógios. A maioria chega achando que está bom, mas não é mais assim. A gente tenta convencer as pessoas que estão lá e pensam que aqui é uma maravilha. Às vezes você tem loja lá, sua família e pensa que vir aqui vai ser melhor”, explica Amadou Touré, presidente da Associação de Senegaleses no Nordeste, que tem sede em Pernambuco.
Chegando ao Brasil, além de montar a banca e comprar os produtos, os desafios para quem precisa trabalhar são aprender a língua portuguesa, acessar cursos e qualificações. Amadou explica que a associação foi fundada para ajudar no acesso à documentação, serviços públicos e formalização dos empreendimentos comerciais, em função do aumento de senegaleses migrando para o Brasil. De acordo com ele, em Pernambuco vivem cerca de 220 senegaleses, a maioria no interior, onde, segundo informou, seria mais fácil estabelecer as bancas do comércio informal e ter aceitação da religião muçulmana.
De acordo com Amadou, o perfil de migrantes africanos mudou ao longo dos anos. Ele, por exemplo, chegou no Brasil pela primeira vez há 18 anos para estudar e hoje trabalha com importação e exportação.
“Quem chega sem dinheiro, a gente faz uma cotinha, procura um ponto para ele ou leva no interior, onde não tem muita fiscalização. Para morar, dividem casas e vivem em comunidade. Alguns chegam a formar família aqui, mas a maioria são homens que vêm sozinhos. As mulheres não podem viajar sozinhas, sem autorização dos pais”, conta.
Para grupos de estudantes de intercâmbio, por outro lado, questões como a burocracia e o acesso à informação também podem ser um desafio. A falta de informação da sociedade sobre a cultura dos imigrantes também entra na conta do que precisam enfrentar. “Nós sabemos que no caso do imigrante africano, além do racismo há também outros preconceitos, como a ideia de que vão tomar vagas de empregos, o que não é o caso. Já tivemos casos de discriminação na UFPE, mas o NEAB (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros UFPE) é muito atuante e tem diminuído muito a questão do racismo”, conta Altino Soares, do EACAPE – Escritório de Assistência à Cidadania Africana em PE, organização não governamental especializada em apoiar os imigrantes africanos em articulação com outras organizações..
Com a confirmação da saída do Brasil do Pacto Global de Migrações da ONU, instrumento que estabelece orientações para receber imigrantes e garantir o respeito aos direitos humanos sem distinguir nacionalidade, a comunidade de imigrantes tem observado com atenção as medidas do governo. Segundo Amadou, a comunidade já percebe mudanças. “Antigamente você tinha visto de dez anos, agora estão recebendo visto de apenas dois anos. Isso aconteceu agora em janeiro. Tem muita coisa que eles mudaram, colocando mais dificuldade”, conta.
Para o advogado Manoel Moraes, membro do Comitê Interinstitucional de Promoção dos Direitos das Pessoas em Situação de Migração, Refúgio e Apátridas de Pernambuco, a Nova Lei de Migração (Lei 13.445/17) trouxe um novo entendimento sobre migração e colocou o Brasil numa posição de prestígio frente a comunidade internacional. “A nova lei é excepcional, ela integra o Brasil num esforço muito maior, o Brasil passa a figurar como um país que respeita, que tem legislação que contempla o migrante como pessoa humana. A legislação anterior tratava o migrante como um estrangeiro que, na epistemologia, é o alienígena, é a pessoa que vem para se aproveitar, com um interesse. Essa era a postura do Estado brasileiro. Até porque a lei anterior foi aprovada em numa época de ditadura militar, em pleno estado de exceção”, explica.
Altino, no entanto, avalia que a legislação atual avançou, mas critica o que considera a negação de direitos importantes, como o de votar – essa questão foi vetada pelo ex-presidente Temer – e que precisariam ser revistos em um contexto favorável. “O Brasil é o único país da América do Sul que não garante o direito de voto ao imigrante. A gente tem que encarar isso de frente, aceitar a diversidade dos povos. Querendo ou não isso é um fato”, defende.
Na contramão das mudanças da postura progressista que a nova Lei de Migração trouxe, mais do que o descumprimento de pactos, a decisão de Bolsonaro causa preocupação pelo discurso de rejeição ao estrangeiro, que beira a xenofobia. Moraes acredita que é preciso desconstruir essa ideia e fazer um debate com a sociedade. “Infelizmente, a imprensa ainda trata a questão com arquétipos de ameaças. A construção dessa narrativa alimenta a xenofobia porque é uma migração não desejada, porque é uma população pobre, muitas vezes analfabeta, muitas vezes sem formação”, defende.
Para Altino Soares, falta informação para lidar com a diversidade. Ele vê com receio as decisões políticas, mas acredita que o governo não deve avançar com uma política que fragilize o imigrante. “O caso da Venezuela tem mostrado que a situação precisa de atenção. A questão migratória é a questão do conhecimento”, diz.
“Na prática, todo mundo já foi migrante. O Brasil é resultado de uma ocupação portuguesa, quem não é migrante são os índios. Grande parte da humanidade já passou em algum momento fora do que chama de nação. Essa é a ideia de que migração é um direito fundamental para romper com a ideia de Estado nação mais conservador, que tenta proteger suas fronteiras da ameaça imaginária que são os estrangeiros. É a ideia de que não existem fronteiras, as pessoas têm o direito de migrar. Esse é o ponto de fundo. Esse direito é algo universal”, argumenta Moraes.
Em razão do aumento de imigrantes residentes no estado ao longo dos últimos anos, o Ministério Público do Estado elaborou um relatório com foco no direito das pessoas em situação de migração, apátrida e refúgio. O levantamento do histórico dos fluxos migratórios revela o perfil de diferentes grupos de nacionalidades que se estabeleceram em Pernambuco.
Ao contrário do que diz o senso comum, a migração não é novidade, apesar de passar despercebida para parte da população. Ao chegar no Brasil, a pessoa que migra e que não é naturalizada brasileira, ao procurar os serviços públicos é chamada de imigrante, apátrida ou refugiado. Para quem lida diretamente com a questão, é importante diferenciar os termo migrante de refugiado.
A condição de migrante se aplica a pessoas que optam por se deslocar não por causa de uma ameaça direta de perseguição ou morte, mas para melhorar de vida, buscar trabalho, educação, reunião familiar ou outros motivos. O refugiado, de acordo com a Agênia da ONU para refugiados (ACNUR), é alguém que precisou deixar seu país devido a conflitos armados ou perseguições e que, por isso, não podem voltar ao país de origem sem colocar a vida em risco. Para os refugiados há uma legislação e proteções específicas, enquanto os migrantes continuam sob proteção dos governos de seus países. Para todos, a documentação necessária para permanência no Brasil é emitida pela Polícia Federal como, por exemplo, a emissão da Carteira de Registro Nacional Migratório e da Carteira de Trabalho.
Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.