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Iniciada há 31 anos, ação judicial que ameaça o povo Xukuru será retomada pelo TRF da 5ª região

Raíssa Ebrahim / 08/08/2023
Marcos Xukuru: homem pardo, fotografado do peito para cima, sem camisa, usando colares e adereços, incluindo cocar de penas azuis com uma pena vermelha ao centro, no alto da cabeça.

crédito: imagem extraída de vídeo Ororubá Filmes

Um caso de 1992 contra o povo indígena Xukuru, de Pesqueira, no Agreste de Pernambuco, será retomado, nesta quarta-feira, 9 de agosto, no Tribunal Regional Federal da 5a Região (TRF-5), no Dia Internacional dos Povos Indígenas. A ação judicial é relativa a um pedido de reintegração de posse da fazenda Caípe, de 300 hectares, encravada no território Xukuru, onde hoje vivem 48 famílias. Uma delegação de 50 indígenas da etnia virá ao Recife nesta quarta para protestar.

Em pauta, na votação, estará a tese do Marco Temporal de 1934, ainda mais restrita e radical no que se refere à garantia de direitos dos povos originários do que a do Marco Temporal de 1988. O fazendeiro autodeclarado proprietário da terra chama-se Milton do Rego Barros Didier, de família de tradição pesqueirense.

De 1992 para cá, a área indígena Xukuru foi reconhecida, demarcada e homologada, em 2002, e também internacionalmente reconhecida como de direito desse povo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em 2018. Naquele ano, o Estado brasileiro foi, por unanimidade, declarado internacionalmente responsável pela violação do direito à garantia e proteção judicial e à propriedade coletiva.

A Corte, na época, também determinou que não mais prosperem ameaças ao direito de propriedade coletiva do povo Xukuru sobre seu território, como é o caso da Ação de Reintegração de Posse que será retomada na quarta no TRF-5. Já houve dois votos contrários e depois um pedido de vistas. Agora o assunto voltou à pauta do tribunal federal.

Em entrevista à Marco Zero, o Cacique Marcos Xukuru frisa que o processo de reintegração em questão vai de encontro à decisão internacional de 2018. A expectativa dele e da comunidade, que está mobilizada, é que a justiça seja feita, uma vez que o território já passou por todas as garantias de reconhecimento tanto em instâncias governamentais quanto internacionais.

Caso contrário, seria uma decisão “descabida”, nas palavras do Cacique Marcos. “Seria muito contraditório inclusive do ponto de vista jurídico para o Estado brasileiro, que já foi condenado justamente por causa disso”. 

Segundo a Corte Interamericana, o Brasil foi moroso, desrespeitoso e, portanto, ineficiente no processo de demarcação do território xukuru. A título de reparação, o povo Xukuru foi indenizado, em 2020. O governo brasileiro depositou na conta da Associação Xukuru, que representa quase 12 mil pessoas de 24 aldeias, uma indenização de US$ 1 milhão.

Ângelo Bueno, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), lembra que a lentidão e a demora expuseram o povo a situações de violência. A briga por terra levou ao assassinato do Cacique Xikão, em 1988, e à tentativa de assassinato do atual Cacique Marcos Xukuru, filho de Xikão, em 2003.

Em nota, o povo Xukuru esclaree que o Marco Temporal de 1934 defende que os indígenas só teriam direito à posse de terras que estivessem ocupando até a data de promulgação da Constituição de 1934, que durou apenas três anos e foi substituída pela carta do Estado Novo, de Getúlio Vargas. O texto é restritivo, colocando em risco a demarcação de terras indígenas e ameaça a sobrevivência dos povos, a preservação das culturas e a garantia de subsistência. Sem acesso à terra, os indígenas perdem a possibilidade de caçar, pescar, plantar e realizar suas práticas tradicionais.

Além disso, frisam os Xukuru, a tese do Marco Temporal também ignora a história de violência e expulsão que os povos indígenas sofreram ao longo dos séculos. Muitas comunidades foram forçadas a abandonar suas terras tradicionais devido à colonização, à exploração econômica e à violência. Limitar o direito à posse da terra a uma data específica é injusto e desconsidera o contexto histórico e as lutas desses povos.

Dentro do arcabouço jurídico, os Xukuru também ressaltam que a Constituição Federal de 1988 reconhece e garante o direito dos povos indígenas à posse e ao usufruto exclusivo das terras tradicionalmente ocupadas por eles.

Sem contar que o Brasil é signatário de diversos tratados internacionais que protegem os direitos dos povos indígenas, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além disso, a Portaria Declaratória nº 269 foi publicada no Diário Oficial da União de 29.05.1992 e o Decreto de Homologação foi publicado em 30 de abril de 2001 e a terra Xukuru foi devidamente registrada em nome da União.

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AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com