Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Esta imagem mostra um canal de água estagnada cercado por vegetação e algumas estruturas residenciais. O canal está repleto de água escura e turva, com vegetação crescendo ao longo das margens. As casas ao redor são simples, com paredes brancas e telhados de barro. Há várias árvores, incluindo palmeiras, proporcionando uma atmosfera tropical. O céu é parcialmente nublado.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Itamaracá, a “ilha encantada” que não tem serviço de esgoto

Como é a vida em um "paraíso" onde apenas 2,3% da população tem acesso a saneamento básico

Giovanna Carneiro / 17/04/2024

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

De acordo com dados do Censo demográfico do Brasil, divulgado em 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Ilha de Itamaracá é o município pernambucano com menor cobertura de saneamento básico, com apenas 2,3% da população tem conexão com a rede de esgoto. Com uma área territorial de pouco mais de 66 km² e uma população total de 24.540 pessoas, Itamaracá está encravada em uma região onde o saneamento básico é o mais precário da Região Metropolitana do Recife. Nos municípios vizinhos, a oferta desse serviço público também não é nada invejável: Itapissuma tem 9,99% da população com acesso a esgoto e Igarassu, 15,63%.

Como é a vida em uma ilha com uma infra-estrutura tão precária? Um dia antes da nossa visita ao município havia chovido e as ruas, a grande maioria delas sem asfalto e calçamento, estavam tomadas por poças de lama. A PE-001, rodovia no litoral norte de Pernambuco que corta a Ilha de Itamaracá, é um dos poucos locais da cidade onde é possível encontrar asfalto e, ainda assim, em condições precárias, bastante esburacada e com mal sinalizada.

No percurso que vai da rotatória que fica na entrada da ilha até o início da trilha da Mata do Amparo, local onde é possível pegar um barco em direção a Praia do Sossego, é possível encontrar algumas poucas bocas de lobo, muitas ruas sem calçamento, poças de água acumulada e pilhas de lixo. O rio Âmbar, no trecho mais urbanizado do município, encontra-se completamente poluído e tomado pelas baronesas.

<+>

A baronesa é uma planta que possui um grande potencial invasor e se desenvolve em ambientes com alto índice de poluição.

Muitas propriedades da cidade estão abandonadas e/ou com placas de “vende-se” ou “aluga-se”. Apenas em dois locais da Ilha foi possível encontrar o serviço de drenagem com bocas de lobo e bueiros: no centro comercial da cidade próximo à Igreja Nossa Senhora do Pilar, no bairro do Pilar, e no Residencial Ciranda da Ilha, no bairro de Jaguaribe. Ainda assim, ambas localidades convivem com vazamentos de esgoto com mal cheiro e acúmulo de lixo nas ruas.

“Ainda conseguiram encontrar 2% de saneamento básico aqui? Então foi muito até, porque o que a gente vê é asfalto sendo construído, mas a rede de esgoto mesmo, com tratamento de água, escoamento e drenagem, não tem não. Talvez tenha só lá no Residencial Ciranda da Ilha, que foi construído há uns oito anos, mas fora isso não consigo lembrar de nenhum outro lugar”, declarou o metalúrgico aposentado Oxis Pereira, que mora na Ilha de Itamaracá há 20 anos.

Ainda de acordo com Pereira, o abastecimento de água é outro problema da cidade. “Os moradores que querem ter acesso a água precisam cavar poço porque se depender da rede vive faltando. Eu mesmo tive que fazer um poço na minha casa para poder receber meus parentes e amigos aqui, porque fazia vergonha receber as visitas sem água”, concluiu o aposentado.

A imagem captura um bairro residencial sob um céu parcialmente nublado. Uma rua de terra ocupa a parte central da imagem; parece não pavimentada e tem marcas de pneus. À esquerda, casas com telhados visíveis estão protegidas por uma cerca baixa. Um canal de drenagem aberto no centro contém água estagnada. Há entulho ao redor do canal, incluindo uma peça grande de concreto deslocada. À direita da imagem, a calçada é elevada com grama verde e arbustos crescendo nela. Postes de eletricidade se estendem ao longo da rua.

Ruas sem calçamento e com esgoto a céu aberto na Ilha de Itamaracá.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
A foto mostra uma rua ensolarada com prédios de apartamentos brancos ao longo dela. No centro da imagem, há um bueiro redondo de metal incrustado no asfalto. Vários carros estão estacionados ao lado da rua, e árvores e arbustos verdes são visíveis. O céu está claro, com algumas nuvens esparsas.

Residencial Ciranda da Ilha, no bairro de Jaguaribe, Ilha de Itamaracá

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
Esta imagem mostra uma rua urbana durante o dia. O chão da rua é feito de concreto, mas está danificado e irregular em algumas áreas. Há uma rampa azul para acesso de cadeirantes que está parcialmente obstruída pelo dano no concreto, com uma poça de água suja de esgoto junto à calçada. À esquerda, há uma construção branca com janelas protegidas por grades. À direita, existe um muro de pedra envelhecido com desenhos ou grafites nele e um grande portão metálico cinza. Uma palmeira alta é visível ao fundo da imagem, sob um céu azul claro com algumas nuvens esparsas.

Centro da Ilha de Itamaracá

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
Foto colorida do interior do Forte Orange. A imagem mostra um edifício antigo de cor clara com um telhado de telhas marrons, situado em um campo gramado amplo e aberto. O céu acima é azul claro, pontuado por algumas nuvens brancas esparsas. Na frente do edifício, há uma placa de informação que está parcialmente desbotada e danificada, tornando o texto e as imagens sobre ela difíceis de discernir. O edifício ao fundo é longo e baixo, com uma série de janelas e portas. A placa informativa danificada está no primeiro plano da imagem, com o edifício histórico ao fundo.

Fortaleza de Santa Cruz de Itamaracá, conhecida como Forte Orange, na Ilha de Itamaracá.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

A gerente de Programas da organização Habitat Brasil, Mohema Rolim, explica que o saneamento básico não é apenas o acesso a um tratamento de esgoto adequado: “é também um conjunto de serviços que formam condições básicas para a existência da população, então, diz respeito ao acesso à água potável e tratada, o acesso a uma estrutura urbana de qualidade, a limpeza das vias públicas, tudo isso que é um direito do cidadão e um dever do poder público”.

“E o resultado dessa falta de acesso ao saneamento básico é uma saúde fragilizada, com uma maior incidência de doenças por contaminação da água, e é também a falta de dignidade para a população, porque geralmente são pessoas que vivem em uma situação de maior vulnerabilidade social que convivem com essa realidade”, concluiu Rolim.

De acordo com dados do Censo 2022, 66,73% da população da Ilha de Itamaracá é abastecida pela rede geral de água e 64,28% têm acesso à coleta de lixo.

Consequências para a saúde

Na rua Recife, no bairro do Pilar, os moradores convivem com uma vala que passa em frente às suas casas. É nesta rua que mora Oxis Pereira. Ele conta que a água é corrente, mas muitas vezes há um acúmulo de entulho nas valas e a água fica parada, cenário ideal para a reprodução do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue.

Não é à toa que a ilha foi um dos municípios contemplados com a primeira remessa de vacinas contra a dengue que chegaram a Pernambuco em março. De acordo com o Ministério da Saúde, a estratégia de distribuição do imunizante considera regiões de saúde com municípios de grande porte e alta transmissão da dengue nos últimos dez anos. Os dados do boletim epidemiológico da Secretaria de Saúde de Pernambuco, divulgado nesta quarta-feira, 17 de abril, mostram que,em 2024, Itamaracá teve 16 casos prováveis de dengue, atingindo assim quase o dobro dos nove casos registrados no ano passado.

“Aqui a gente tem que estar sempre de repelente porque tem muito mosquito por conta do lixo acumulado e das poças de água”, afirmou Oxis.

foto de Oxis Pereira, homem negro, idoso, usando boina cinza, camiseta cinza com estampa branca simulando uma xilogravira onde se vê um cacto, um desenho de mulher encostado no cacto e a frase se avexe não. A foto foi tirada ao ar livre, com céu nublado, em uma rua com grama alta em um jardim, uma vala de esgoto junto ao jardim e muros de casas desfocados ao fundo.

Oxis Pereira, 69 anos, mora na Ilha de Itamaracá há 20 anos e convive com as valas poluídas.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Prejuízo ao turismo

Dono de um bar localizado na beira mar da Ilha de Itamaracá, Jamerson Pereira vê o potencial de seu negócio ser prejudicado devido à dificuldade de acesso à praia. “A falta do saneamento, do calçamento, impacta muito porque uma rua calçada é uma rua que não tem buraco, você transita com mais segurança, não tem poeira, não tem lama, é muito mais atrativa. Como é que o cliente vai chegar aqui se a estrada está cheia de buracos e, quando chove, fica impossível de colocar um carro aqui?”, contestou o empreendedor.

“Além disso, sem estrutura na cidade a gente tem enfrentado muitos problemas com invasões de propriedades que estão abandonadas aqui, com muitos assaltos. Falta segurança tanto para os moradores quanto para os turistas. Nós temos uma paisagem única aqui, bem preservada, uma praia de águas limpas e quentes, um verdadeiro paraíso. Isso aqui era para ser um ponto turístico forte, mas devido ao descaso da gestão que não cuida da cidade, não é”, concluiu Jamerson.

Foto de Jamerson Pereira, homem branco, jovem, de cabelos e olhos escuros, barba mal feita, usando uma camisa laranja com estampas pretas e brancas. O fundo está desfocado, mas a foto foi feita ao ar livre.

Jamerson Pereira

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

No site e nas redes sociais da Prefeitura da Ilha de Itamaracá, a tentativa de transmitir a imagem de “ilha encantada”, cantada por Reginaldo Rossi, está estampado no slogan “O paraíso é aqui”. Porém, o que os moradores e turistas encontram na cidade é bem diferente de um lugar paradisíaco, como enfatiza a guia turística e sócio-fundadora do Instituto Histórico e Geográfico de Itamaracá, Manu Rodrigues: “a falta de saneamento básico é uma das coisas que prejudicam bastante o turismo na ilha. Recentemente, um grupo visitou a ilha para fazer um vídeo de divulgação do turismo e saiu horrorizado com a situação do esgoto a céu aberto e do mau cheiro no centro da cidade, perto da Igreja do Pilar, que é um ponto turístico daqui”.

“Quando eu estou guiando um grupo eu faço o possível para amenizar essas questões do mau cheiro e evito mostrar alguns lugares que acabam atrapalhando toda a beleza da Ilha. Eu amo esse lugar e acredito muito no potencial que ele tem para o turismo, por isso que me formei e me especializei na história daqui. Se nessas condições de abandono eu consigo trazer grupos de até 160 pessoas por mês, imagine o que poderíamos fazer fornecendo uma boa estrutura para o turista?”, disse Rodrigues.

A Fortaleza de Santa Cruz de Itamaracá, conhecida como Forte Orange, um dos pontos turísticos mais famosos da cidade e de grande valor histórico para o estado de Pernambuco, está deteriorada e aparenta sofrer com a falta de manutenção. Os turistas que visitavam o local no momento em que a reportagem da Marco Zero estava lá não passaram nem 15 minutos no forte e saíram reclamando da falta de atrativos do local.

O que diz a prefeitura da Ilha de Itamaracá

Tentamos contato com a Prefeitura da Ilha de Itamaracá através do número de telefone e do e-mail que estão publicados no site oficial e nas redes sociais da gestão municipal, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos resposta.

No portal da transparência da prefeitura consta apenas a Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano de 2024. A Lei Orçamentária Anual (LOA), com os dados sobre os investimentos previstos para o ano, não está disponível. Nos documentos das LOAs dos anos de 2022 e 2023, não há investimentos previstos diretamente para manutenção ou implementação do saneamento básico da cidade.

Para 2023, consta um investimento de R$ 2.200.000,00 destinado para pavimentação, calçamento e obras complementares nas vias urbanas, avenidas e rodovias; e R$ 36.000,00 para construção de galerias de águas pluviais, além de R$ 10.000,00 para a construção de privadas e fossas. Há ainda o investimento de R$ 290.000,00 na limpeza e conservação de galerias, esgotos e canais.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.