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Crédito: Veetmano Prem /AgênciaJCMazella
Não foi com emoção, nem com disputa voto a voto como indicavam as pesquisas. Assim que saiu a primeira parcial da apuração no Recife, às 17h20, João Campos (PSB) já abria quase 9 pontos percentuais sobre a adversária Marília Arraes (PT). O percentual final, com 100% das urnas apuradas, foi semelhante: 56,27% (447.913 votos) a 43,73% (348.126 votos), com uma diferença de 99.787 votos entre os dois. João Campos venceu em todas as zonas eleitorais do Recife.
Se Marília disparou nas primeiras pesquisas para o segundo turno, sua performance foi se desidratando com os ataques do rival – que foram de cartazes apócrifos a áudios vazados – e o maior volume de campanha nas ruas e nas redes sociais.
No primeiro turno, 37% dos votos válidos foram para candidatos da direita. E foi neles que os dois concorrentes miraram suas atenções. No último debate, sexta-feira à noite na Globo, Marília insistiu na imagem de mulher cristã e mãe, enquanto João Campos apostou na imagem de bom moço. Seja pelo antipetismo, pelos ataques ou até pelas propostas, João levou a maioria dos votos da direita: 339 mil votos a mais foram computados para os dois candidatos, sendo que 215 mil migraram para João Campos.
Foi uma campanha intensa, como há décadas o Recife não via. E hoje, apesar de inúmeras denúncias de boca de urna e compra de votos nas redes sociais ao longo de todo o domingo, o Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) afirmou que foi uma das votações mais tranquilas da história do Recife. Apenas uma pessoa foi detida por boca de urna, no bairro da Macaxeira. O mesmo ocorreu durante todos os 15 dias de campanha, com flagrantes de uso da máquina pública que não chegaram a virar denúncias no Ministério Público de Pernambuco.
Após ser recebido por apoiadores entoando a música de Capiba “Madeira que cupim não rói”, trilha sonora usada em campanhas pelo ex-governador Eduardo Campos, o filho do político e agora prefeito eleito do Recife, João Campos, fez seu primeiro discurso. Na curta fala, sinais para o eleitorado de que pretende desmontar o palanque e governar para todos os “Recifes”.
“Os sentimentos hoje são o de esperança e gratidão. Gratidão aos que confiaram em mim. Fomos eleitos para ser prefeito de todos os recifenses independente em quem você votou nessa eleição. [Não importa] seu credo, raça ou local onde mora, governaremos para todos”, disse João, de 27 anos, no auditório de um Hotel, no bairro do Pina.
Em mais um gesto de fim de campanha, o socialista destacou o atual prefeito, Geraldo Julio (PSB). O gestor a quem chamou de “amigo” e “companheiro de luta” foi escondido nas peças publicitárias e no guia eleitoral devido à alta rejeição de seu governo. “Quem conhece sabe do seu coração com o Recife, o [seu] cuidado com qualquer criança dessa cidade é o cuidado que você tem com sua família. Você é um guerreiro, muito obrigado”, afirmou.
Sobre a fratura na esquerda, resultado da disputa da Frente Popular contra o PT e o Psol, João evitou se pronunciar diretamente. Os petistas ocupam cargos, inclusive no primeiro escalão, das duas gestões do PSB na prefeitura e no governo do estado. Aliança que ele disse que não existirá na capital a partir de 1º de janeiro de 2021.
“Aprendi que político tinha que saber ouvir, dialogar, falar e construir o futuro. Chegou a hora de mostrar que se faz política se unindo. A razão verdadeira que a gente pode fazer muito pela cidade”, declarou.
João também não citou nominalmente sua prima e adversária, Marília Arraes. Preferiu alfinetar a concorrente se referindo à vice-prefeita eleita, Isabella de Roldão (PDT), como exemplo de que todas as mulheres devem ser olhadas com carinho e respeito. “Nós mostramos como se faz uma campanha de cabeça erguida, respeitando as pessoas”, completou.
Embora reforce em seu discurso uma trajetória limpa, o que se viu foi que para conquistar 447.913 votos João usou de todas as armas possíveis. No primeiro turno a confiança de que venceria fez com que ele conduzisse uma campanha mais propositiva. Depois da abertura das urnas, a pequena diferença para a candidata petista transformou a chapa socialista numa metralhadora de ataques.
A medida que a disputa ia se acirrando ainda mais, o grupo dobrava a aposta fazendo uso de expedientes que chegaram a ser comparados a estratégias da extrema-direita como a instrumentalização da religião para demonizar a adversária, publicação de fake news – derrubadas pela justiça – e o uso da máquina pública, segundo denúncias sob análise do Ministério Público.
Na presença da mãe Renata Campos, figura importante nos bastidores do PSB, Campos lembrou o pai como sua “referência na política, como pessoa e cidadão”. O recém-eleito também indicou quais serão as prioridades pelo menos do seu primeiro ano de mandato como prefeito, quando terá de acomodar 12 partidos que compõem a aliança.
“Vivemos uma crise sanitária, econômica e social, mas vamos governar junto do povo todos os dias nas ruas, praças e escolas. Sei da responsabilidade [do cargo], mas é tão grande quanto será minha capacidade para trabalhar e minha dedicação que será integral”, prometeu.
Com a eleição de João Campos, Milton Coelho assume a vaga de deputado federal.
Em discurso para a militância e a imprensa, Marília Arraes enfatizou que fez uma campanha “limpa, ao contrário do adversário” e citou as vitórias na Justiça contra as fake news. Também lembrou que foi a primeira mulher a chegar a disputar um segundo turno para a prefeitura do Recife e que estava feliz com a campanha que havia feito.
“Quero que, nas próximas eleições, mais mulheres estejam nesses espaços. Quero que essa minha postura mais firme, mais forte, que por vezes foi chamada pelo meu adversário de arrogância, inspire outras mulheres. Não se tem o costume de que mulheres tenham posições mais fortes, firmes. E que isso inspire as mulheres que estão no dia a dia sofrendo diversas violências”, falou, em um hotel no centro do Recife.
Na coletiva, Marília Arraes estava acompanhada de polos opostos, que se aproximaram no segundo turno: o candidato a vice, João Arnaldo (PSOL) e o prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Anderson Ferreira (PL).
A deputada federal agradeceu os votos e afirmou que agora começa uma “nova articulação da oposição no estado de Pernambuco”, talvez já pensando na disputa de 2022. “Não podemos nos articular com um grupo que não somente faz tão mal na gestão, mas trata a política da forma que tratou. Vamos fazer oposição com responsabilidade. Também estou muito feliz porque vimos reacender a esperança de muita gente, várias pessoas irem para a rua de verdade com vontade de votar, com gosto de votar”, afirmou.
Mesmo com a derrota no Recife, é inegável o ganho político de Marília. Até então uma figura não muito popular entre as esquerdas, ela ganhou destaque nacional com a ida para o segundo turno, figurando ao lado de Gulherme Boulos (Psol) e Manuela Dávila (PCdoB) como nomes emergentes na esquerda brasileira. Com as derrotas de Marília e de João Coser em Vitória (ES), o PT não conquistou nenhuma capital nessas eleições. É a primeira vez que isso ocorre desde a redemocratização, em 1988.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org
Jornalista formado pela Unicap e mestrando em jornalismo pela UFPB. Atuou como repórter no Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Foi trainee e correspondente da Folha de S.Paulo, correspondente do Estadão, colaborador do UOL e da Veja, além de assessor de imprensa. Vamos contar novas histórias? Manda a tua para klebernunes.marcozero@gmail.com