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Acompanhei de perto os bastidores de uma bela página literária brasileira – a escrita, os impasses, a agonia, a impressão que o troço iria emperrar de vez, o momento epifânico, em que o autor desarnou de vez, abandonou as regras clássicas do Jornalismo, soltou as mãos e a imaginação e levou seu trabalho ao melhor porto – contou magistralmente uma incrível história.
Falo da novela “Terezas” (Editora Confraria do Vento), do senhor Inácio França, escrito a partir de vários encontros com Tereza Costa Rêgo, uma mulher que tem tantas veredas e caminhos, tantos mistérios e encantos, que só mesmo um bom plural para situá-la no mundo.
A novela será lançada nesta quinta (27), às vésperas de uma Greve Nacional, para enfrentar este desgraçado deste governo golpista, e véspera também do aniversário da própria Tereza, que completa 88 anos dia 28 de abril.
Sobre o livro, ainda escreverei com mais calma, mas vou ao mais simples – é foda de bom, de bem escrito, uma estreia na ficção com patas gigantes. Um livro de 141 páginas que dá uma raiva, quando o sujeito passa da página 100 e sabe que daqui a pouco vai acabar.
Foi o que aconteceu comigo – praguejei, soltei impropérios, esculhambei o autor, quando não tinha mais pelo menos umas 20, 30, 40 páginas para ler. Logo ele, que é fissurado nos russos, e os russos adoram escrever sem trégua.
Uma narrativa que vai levando o leitor para as várias vidas de uma mulher escandalosamente bela, misteriosamente corajosa, infinitamente livre, entre 1961 e 1979, seguindo um redemoinho em várias cidades, em situações-limite, sempre seguindo no caminho do amor, esbarrando em golpes, no Brasil na América Latina, e nos golpes inevitáveis da vida..
Um livro que chega num momento fundamental deste país, onde os que tomaram o poder, desta vez numa votação cínica no Congresso Nacional, tentam dizimar as décadas de lutas e conquistas do povo brasileiro, usando uma palavra que já está virando o refrão do cinismo – “reforma”.
Mas tudo no livro, cada capítulo, os diálogos, as metáforas, tem o sabor das melhores narrativas.
O escritor às vezes pena, sofre, se lasca todo, range, e ao final não consegue chegar lá.
Inácio passou por isso tudo e trouxe um novo sopro de criação. Tirou um peso dos ombros e agora a jornada vai ficar mais leve.
Vai um trecho:
“Medo de desconhecidos, dos novos conhecidos, medo de andar a pé, de pegar um ônibus. Medo. Quando aquilo que se temia tornou-se a própria realidade de todos os dias, inescapável, o medo deixou de existir. Veio o desconsolo, a solidão, a distância, o desejo do encontro irrealizável.
Ali, em pé, na calçada da avenida, com as botas encharcadas e a roupa suja de sangue menstrual, sentiu saudades dos dias em que sentia apenas medo”.
Viva Tereza, viva Inácio e viva o povo brasileiro, que vai parar este país na sexta-feira para enquadrar de vez este governo golpista miserento.
Lançamento de “Terezas”, de Inácio França
Editora: Confraria do Vento, 144 páginas, R$ 45Onde: Casa 12 (rua Silvino Lopes, 12, Casa Forte)Quando: quinta-feira (27), a partir das 19h
Samarone Lima, jornalista e escritor, publicou livros-reportagens e de poesia, entre eles "O aquário desenterrado" (2013), Prêmio Alphonsus de Guimarães da Fundação Biblioteca Nacional e da Bienal do Livro de Brasília, em 2014. Em 2023, seu primeiro livro, "Zé", foi adaptado para o cinema.