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Mais de 1.100 profissionais da saúde tiveram covid-19 em Pernambuco só no mês de janeiro

Maria Carolina Santos / 28/01/2022

Crédito: Pouya Bazargard/Wikimedia Commons

Na semana passada, a jornalista Paula Melo recebeu a notícia de que duas pessoas com quem teve contato recente estavam com covid-19. Quase sem sintomas, resolveu fazer o exame para descartar a infecção. Foi em um hospital particular e se deparou com três salas de espera lotadas. “Ouvi um funcionário falando que 12 colegas haviam testado positivo, além de uma médica que ia atender à tarde”, conta. Com receio da super lotação e da demora no atendimento, marcou o exame em uma farmácia. Quando chegou o dia marcado, foi encaminhada para outra filial da rede: a profissional de saúde que iria fazer o teste não havia ido trabalhar pois estava com covid-19.

Na rede pública, a situação é ainda mais problemática, com setores dos hospitais Otávio de Freitas, Getúlio Vargas e da Restauração com até 50% das equipes afastadas por covid-19. No Hospital Barão de Lucena (HBL) o plantão de obstetrícia e neonatologia será fechado durante este fim de semana por causa da falta de profissionais. Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde informa que as solicitações de pacientes de neonatologia e obstetrícia devem ser encaminhadas para outras unidades da rede de saúde, inclusive para as unidades municipais, em casos de baixo risco.

O próprio secretário estadual da saúde, André Longo, reconhece o caos. “Há uma grande dificuldade de fazer reposição (dos profissionais de saúde). Se na população em geral estamos vendo de 30 a 40% de testes positivos, nos profissionais de saúde é de cerca de 50%. Estamos com muita dificuldade de fazer o turnover (rotatividade) porque em um plantão de 10 pessoas só se apresentam cinco trabalhadores, por que o resto adoeceu. Não estamos conseguindo repor na mesma velocidade da covid-19″, disse, na coletiva de imprensa na quinta-feira passada.

O adoecimento dos profissionais de saúde tem se multiplicado nas últimas semanas. De acordo com levantamento da Marco Zero nos boletins epidemiológicos da Secretaria Estadual de Saúde, somente neste mês de janeiro 1.163 profissionais de saúde testaram positivo para covid-19.

É uma escalada perigosa: nos dez primeiros dias de janeiro, foram 69 positivos. Nos últimos dez dias, 946 profissionais testaram positivo. Um aumento de 1.271%. Esta semana foi particularmente difícil, com 160 casos confirmados na quinta-feira. De ontem para hoje, mais 136 positivados. Desde o começo da pandemia, 96.832 profissionais do estado foram testados, tendo 32.961 positivado para a covid-19.

Doentes e sem férias

Depois de quase dois anos intensos de pandemia, auxiliares, técnicos, enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos, médicos e outros profissionais da saúde estão tendo um começo de ano sem descanso. E até sem direito a férias ou licenças. Durante a semana, algumas unidades de saúde cancelaram as férias dos profissionais, como o Hospital Oswaldo Cruz. Hoje, o Diário Oficial traz uma determinação do governo suspendendo por 60 dias as férias e licenças dos profissionais da rede estadual, começando a valer no dia 1 de fevereiro.

Isso acontece apenas um dia após o governo manter eventos com até 3 mil pessoas (desde que vacinadas e testadas). Ainda que o protocolo para o período de carnaval ainda não tenha sido anunciado, o que deve acontecer antes do dia 15 de fevereiro, camarotes em Olinda e festas em Boa Viagem seguem postando que estão “confirmados”, numa clara confiança dos produtores de que o governo não vai aumentar as restrições.

Exaustos, os profissionais de saúde exigem mais controle da pandemia. “É hora do governo voltar a pensar na questão do lockdown. Estamos muito perto da sobrecarga de trabalho que vimos no auge da pandemia. Mas agora muitos estão há longos períodos sem tirar férias, estão adoecidos. A sobrecarga de trabalho que sempre existiu, triplicou na pandemia. A diferença é que hoje os pacientes já não chegam tão graves, mas as emergências estão superlotadas”, conta presidente do Sindicato dos Enfermeiros de Pernambuco, Ludmilla Outtes.

Se recuperando ela própria da covid-19, Ludmilla conta que muitos colegas estão na mesma situação. “Não temos dados precisos, mas cerca de 25% a 30% dos enfermeiros e enfermeiras estão afastados de suas funções por conta da covid-19. Quem permanece trabalhando, está sobrecarregado, principalmente na rede privada que, segundo ela, não investe na reposição dos funcionários. “Os plantões ficam desfalcados, é preciso trabalhar o dobro ou o triplo. Tanto na rede pública ou privada os profissionais estão no limite, trabalhando até ficarem doentes, de covid-19 ou de estafa”, alerta.

Produtoras confirmam shows em fevereiro: certeza de que não haverá restrições. Crédito: Divulgação Carvalheira na Ladeira

Falta de restrições ajuda a sobrecarregar hospitais

De acordo com o mais recente boletim do Observatório Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a situação da pandemia está piorando no país todo. Pernambuco é uma das sete unidades da federação que está na zona de alerta crítico, com 81% de ocupação de leitos de UTI para covid-19. Já é o segundo boletim seguido em que Pernambuco se mantém no mais alto nível, sem melhora.

“Não tivemos muitos momentos de melhora. Estamos em um estado de fadiga muito grande. Já são dois anos de pandemia”, lamenta o presidente do sindicato dos médicos (Simepe), Rodrigo Rosas, que taxou de “péssima” a decisão do governo estadual de suspender as férias dos profissionais. “As férias são muito importantes para dar uma renovada, uma resfriada na cabeça e no corpo para poder voltar à batalha diária. O estado poderia ter tomado outras medidas para não chegar a esse ponto de penalizar os profissionais. O governo deveria contratar mais. O que tem feito é insuficiente”, afirma Rosas.

Em nota, a Secretaria de Saúde afirma que foram convocados 1,1 mil trabalhadores para a assistência na rede estadual de saúde. “No total, são 13,8 mil profissionais convocados pela SES-PE, entre aprovados em concurso público e em seleções simplificadas, desde o início da pandemia”, afirma a nota. Para Rosas, também não adianta só contratar. “Tem que oferecer condições de trabalho. Tem médico que passa no concurso e não aguenta um dia”, afirma.

O presidente do Simepe faz coro com Ludmilla Outtes sobre a falta de restrições para conter o avanço da variante ômicron. “Tudo indica que o governo vai liberar as festas privadas durante o carnaval. Mas espero que não, porque seria uma medida em oposição à outra. Você pune os profissionais de saúde porque a pandemia está saindo de controle, e de repente, você libera para que alguns grupos da população possam se reunir e continuar a pressionar o aumento da pandemia”, reclama, apontando a incoerência nas ações do Governo do Estado.

O Simepe não tem um número de quantos médicos e médicas foram afastados por covid-19 nesse mês. “Mas é um número que vem aumentando”, afirma Rosas. No plantão que faz na clínica médica do Hospital da Restauração ele conta que metade da equipe está afastada por conta da doença.

Diretor do Sindicato Profissional dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem de Pernambuco (SatenPE), Gomes Filho reconhece a dificuldade do momento em encontrar profissionais, mas cobra que seja flexibilizada a decisão de suspender todas as férias e licenças. “Há pessoas que precisam dessas férias e licenças para não chegar à exaustão, à síndrome de burnout“, afirma. “Não é um ou outro hospital que está com dificuldade em montar os plantões. São todos. E novamente a enfermagem é sacrificada. Enquanto isso, segue tudo aberto: bares, shows, lojas, shoppings, o trabalhador enfrentando ônibus lotados sem distanciamento algum”, critica.

Se no começo da pandemia, a oferta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) era uma das principais demandas das categorias, hoje essa reivindicação, pelo menos, foi sanada. “Foi uma batalha grande. Quando acontece falta de EPIs geralmente é em uma unidade ou outra, um problema mais pontual”, diz Gomes Filho.

O diretor do Satenpe alerta que a situação pode ficar ainda mais caótica com a volta às aulas. “Como profissional de saúde, acho que deveria haver um olhar de vigilância das prefeituras e do estado sobre a responsabilidade sanitária. Manter a decisão de colocar as crianças na escola com a pandemia descontrolada como está é um perigo. Não temos leitos suficientes e, principalmente, não temo pessoal. Encontrar médicos e enfermeiros de pediatria é difícil”, comentou.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org