Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
por Beatriz Santana*

Foi ainda na infância, ao se tornar bolsista do Grupo de Teatro João Teimoso, que Maria Flor descobriu que a arte seria o caminho para a vida. Hoje, a multiartista (passista de frevo, pesquisadora e integrante do Conselho Consultivo do Paço do Frevo) reflete sobre uma trajetória marcada pelo cruzamento entre técnica e afeto.
Em entrevista, ela conta como a convivência familiar com diferentes gêneros musicais se aprofundou à medida que seu olhar técnico sobre o frevo se desenvolveu. “De lá para cá eu participei de diversos trabalhos no frevo, música, dança, história, pesquisa, especialização. Isso tira essa ideia sazonalizada do frevo, a ideia só carnavalesca, e traz ele para um ambiente muito mais próximo da gente. Tem muito mais da nossa história dentro dele e muito mais dele na nossa própria história”, afirma.
Hoje, Maria Flor leva mais pessoas a viver essa experiência com o frevo por meio do minicurso “Frevo: trajetória, som e movimento”, ministrado no Paço do Frevo. O curso, pensado inicialmente para o público de fora de Pernambuco, acabou atendendo também a muitos pernambucanos interessados em conhecer o próprio estado a partir de suas manifestações populares.
A proposta é fazer o aluno enxergar o frevo para além da “sombrinha colorida”, como uma expressão potente, enraizada em um ambiente cultural que lhe dá sentido e força. “Se eu vou dar aula para uma pessoa que não é daqui, seja de música, de dança, eu vou ter que pensar uma forma de integrar ela com essa manifestação que ela não vive aqui”, explica.
Para Maria, é nas ruas, entre os brincantes das ladeiras de Olinda, no calor e no suor da festa, que o frevo revela sua potência. “Não romantizando toda essa precariedade, essa dificuldade que tanta gente vive, mas é como se ela trouxesse isso para a arte que ela realiza dentro do frevo enquanto cultura popular, como um potencializador de vontades”, diz.
Na contramão da lógica dos grandes centros e da visibilidade midiática, Maria destaca a importância dos mestres e mestras da cultura popular. “O maestro Oséas, o maestro Lúcio e Adriana do frevo são pessoas que fazem aquilo acontecer dentro da comunidade, que mudam a realidade daquelas pessoas, principalmente de crianças e adolescentes. Eu sou um exemplo disso, de ter uma pessoa assim”, conta.
A ausência de padrões rígidos, segundo ela, é o que torna o frevo um espaço de liberdade, capaz de atrair pessoas interessadas não apenas em dançar, mas em vivenciar a cultura popular de forma autêntica. Essa dualidade entre ludicidade e realidade é parte essencial da manifestação, em que a arte não se separa da vida cotidiana. “Foi esse caminho que me atraiu mais para o estudo do frevo quando eu passei a estudar lá em Olinda, nos brincantes das ladeiras”, recorda.
A trajetória do frevo enquanto música também é marcada por rupturas graduais com estruturas rígidas. Nascido de bases militares, marchas, dobrados e marcações, o gênero evoluiu conforme os próprios instrumentistas inseriam elementos novos e subjetivos em suas execuções. Com o tempo, o mercado fonográfico passou a organizar o frevo em três categorias: de rua, de bloco e canção.
Embora úteis para difusão, essas classificações também limitaram sua diversidade. “Isso vai além, encaixotando nos formatos, o que não deixa de escantear ou deixar de fora muitos outros que não necessariamente se adequam àquele lugar”, comenta.
Mesmo os compositores considerados tradicionais, que conviveram com ícones como Nelson Ferreira, inovaram, ainda que, por vezes, criticassem a mudança. Para Maria Flor, essa aparente contradição é parte natural da arte. “Muita gente pensa assim, que essas coisas novas vão acabar ofuscando ou deixando para trás a tradição. Acho que uma coisa não precisa apagar a outra. Você pode ter um processo de amadurecimento, mudança, adaptação, transformação, sem deixar que aquela tradição se perca no tempo.”
A Orquestra Experimental de Frevo da Universidade Federal de Pernambuco, da qual Maria Flor faz parte, exemplifica essa convivência entre tradição e inovação. O grupo incentiva o público jovem não apenas a interpretar o frevo, mas a criar novas sonoridades. “Já tivemos frevo com música eletrônica, com rabeca, acordeon, marimba, violino, quarteto de cordas”, lembra. Essa diversidade, para ela, prova que o frevo está longe de ser uma peça de museu: ele vive, respira e se reinventa a cada nova geração.
* Beatriz Santana é estudante de Jornalismo da UFPE.
As reportagens publicadas aqui fazem parte da parceria entre a Marco Zero Conteúdo e o projeto de extensão “Cartografias do Frevo”, desenvolvido por professores e alunos do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A iniciativa busca mapear a contemporaneidade do frevo a partir de entrevistas com mestres, músicos, passistas e artistas que reinventam o ritmo.
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.