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Marinha está escoltando sucata de porta-aviões há mais de um mês

Inácio França / 17/11/2022

Crédito: Marinha do Brasil

Se na Baía da Guanabara a Marinha do Brasil parece não estar nem aí para sua tarefa de fiscalizar e dar destino aos navios abandonados, a ponto de um deles bater na ponte Rio-Niterói na segunda-feira, 14 de novembro, o mesmo não pode ser dito quando o assunto é o casco do porta-aviões São Paulo. Desde a tarde de 12 de outubro, o navio patrulha Macau, de 54 metros de comprimento e armado com um canhão de 40mm, faz a escolta do rebocador e da sucata daquele que já foi o maior navio de guerra do país.

De acordo com o site Marine Traffic, que faz o monitoramento via satélite de todo o tráfego marítimo global, as poucas vezes em que o Macau se afastou do porta-aviões fantasma foi para se abastecer no porto de Suape. Durante alguns dias, o rebocador e seu reboque contaminado também tiveram a companhia de outros dois navios patrulha, o Grajaú e o Graúna, mas estes retornaram à base naval de Natal.

Na segunda-feira, a Marco Zero enviou e-mail para o Centro de Comunicação Social da Marinha, questionando por qual razão os militares está escoltando uma embarcação que já não pertence ao patrimônio da corporação, não tem uso militar e ter indícios de carregar centenas de toneladas de carga tóxica. O casco do porta-aviões foi leiloado no dia 12 de março de 2021 por R$ 10,5 milhões (o equivalente, naquele dia, a pouco menos de US$ 1,9 milhão) pela empresa turca Sok Denizcilik ve Ticaret.

Até o momento da publicação, não houve resposta ao nosso questionamento. Caso a resposta seja enviada, este texto será imediatamente atualizado.

Trajetória do navio patrulha desde outubro, à esquerda, em paralelo ao do porta-aviões, à direita em linhas mais densas. Crédito: Marine Traffic

Clique aqui para acompanhar a rota do navio patrulha Macau no Marine Traffic e aqui para acompanhar a rota do rebocador Alp Centre e do porta-aviões São Paulo.

Protesto na Capitania dos Portos

No final da tarde do feriado de 15 de novembro, dezenas de pessoas mobilizadas por organizações ambientalistas realizaram um protesto diante da sede da Capitania dos Portos de Pernambuco, junto da praça do Arsenal. A manifestação foi uma reação à tentativa da Marinha de, na quarta-feira, 9 de novembro, obrigar a administração de Suape a aceitar a atracação da sucata para que fossem feitos reparos “urgentes” no casco.

Alexandre Carvalho, presidente do Instituto de Pesquisa e Preservação Ambiental Oceanário Pernambuco, ligado à Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), se disse preocupado com a perspectiva do navio na costa do estado. “O mais sensato é essa embarcação voltar para seu porto de origem e passar por uma vistoria técnica séria para que não ameace mais Pernambuco e nenhum outro lugar do mundo”, afirmou.

Protesto na praça do Arsenal foi primeira reação pública ao casco do porta-aviões Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Logo depois da Justiça Federal acatar o pedido de Suape e impedir a atracação forçada do casco, o representante da MSK Maritime Services & Trading, empresa de transporte marítimo contratada para levar o casco até a Turquia, ameaçou processar o governo de Pernambuco e pedir a indenização de US$ 2 milhões para cobrir os custos que está tendo em razão de Suape se negar a receber o porta-aviões. O valor da suposta indenização seria maior que os US$ 1,9 milhões pagos pelos turcos para arrematar a embarcação.

Em vídeo, o advogado Zilan Costa e Silva, representante da MSK, afirmou que a empresa passou dois anos planejando o transporte do casco (apesar do leilão ter ocorrido um ano e cinco meses antes do início da operação) e que o rebocador estaria consumindo 20 mil litros de óleo dieses por dia.

Como o rebocador saiu do Rio de Janeiro dia 4 de agosto de 2022 e, de acordo com os registros do Marine Traffic, só voltou a ser reabastecido no último dia 9 de novembro, seria necessário que os tanques do Alp Centre tivessem capacidade para armazenar surreais 1,8 milhão de litros de combustível, o mesmo que um pequeno navio-petroleiro.

Para tirar essas e outras dúvidas, a Marco Zero enviou para a assessoria de comunicação um pedido de entrevista com o senhor Zilan Costa e Silva, antecipando algumas perguntas. Este foi a íntegra da mensagem enviada:

1) No vídeo publicado pelo Blog do Jamildo, o senhor fala que foram 2 anos de planejamento para transportar o casco do ex-NAe São Paulo. Nesse caso, com tanto planejamento, porque a embarcação não recebeu autorização para atravessar o Estreito de Gibraltar?

2) Sempre levando em conta os dois anos de planejamento, por qual razão, o Alp Centre e o casco do São Paulo não atracaram no Rio de Janeiro, nos primeiros dias de outubro, voltando atrás quando estava na altura da costa Espírito Santo?

3) No mesmo vídeo, o senhor diz que a empresa está gastando 20 mil litros por dia de combustível. Sendo assim, surgem duas perguntas: a) qual a capacidade de reserva de combustível do rebocador Alp Centre, pois uma análise da rota da embarcação pelo Marine Traffic revela que, desde que saiu do Rio de Janeiro, o mesmo só voltou a abastecer no dia 10 de novembro; b) Caso essa análise esteja errada, quantas vezes o rebocador abasteceu desde então?

4) Também na postagem de Jamildo Melo (Jornal do Commércio), o senhor afirma que dispõe de 1.500 páginas de relatório de análise de contaminantes. Sendo assim: quantas toneladas de amianto há no casco e quais outras substâncias estão presentes no mesmo?

5) Após a abordagem da equipe da Polícia Federal ao rebocador, em meados de outubro, a corporação já fez contato com a empresa MSK para tratar da possibilidade de existência de cocaína ou outras drogas a bordo, conforme denúncia recebida pela Polícia Federal e pelo Governo do Estado de Pernambuco?

Entenda o caso

Após arrematar o casco do porta-aviões São Paulo, a empresa Sok Denizcilik ve Ticaret contratou a MSK para transportá-lo até o porto turco de Aliaga, no mar Egeu, onde a embarcação seria desmontada para ser vendida por sucata. Ao mesmo tempo, ambientalistas, engenheiros, médicos, advogados e até políticos da região de Yzmir, região onde fica Aliaga, deram início a uma campanha contra a chegada do navio.

Com fortes indícios de que o casco do porta-aviões carrega quase 700 toneladas de amianto, produto bastante cancerígeno, o governo turco cedeu à pressão e suspendeu a licença ambiental para o desmanche do navio no país. Com isso, o São Paulo – que tinha saído do Rio de Janeiro no dia 4 de agosto -, não pôde sequer atravessar o estreito de Gibraltar, principal acesso ao Mediterrâneo. E, no início de setembro, sem ter onde aportar, iniciou sua viagem de volta.

No dia 1 de outubro, quando estava na altura do litoral do Espírito Santo, a poucas horas do seu porto de origem, a base da Marinha no Rio de Janeiro, o rebocador deu meia-volta em direção a Suape. A razão para esta mudança de destino nunca foi explicada pela Marinha ou pelas empresas envolvidas no transporte.

No dia 5 de outubro, o Governo de Pernambuco barrou a entrada da sucata do porta-aviões contaminado em Suape, mas o rebocador permaneceu com o casco na costa pernambucana, fazendo voltas no sentido norte-sul, a, no máximo, 37 quilômetros do litoral do estado.

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AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.