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Medo diminui e, na véspera da eleição, a cor vermelha retoma as ruas

Giovanna Carneiro / 01/10/2022
Homem com bandeira vermelha com rosto de Lula em calçada do Recife, área ao seu redor está desfocada.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

A festa da democracia, é assim que muitos conhecem o dia da votação eleitoral no Brasil. Um dia em que as pessoas expressam e expõem as suas escolhas políticas através do uso de camisetas personalizadas, adesivos e cores que representam um determinado partido ou candidatura. Este ano, porém, a festa está diferente.

Apesar das bandeiras e camisas vermelhas terem tomado as ruas do Recife no sábado, véspera da votação, durante a campanha o medo sufocou o desejo de se expressar. Não é para menos: os casos de violência que aconteceram durante o período eleitoral, a maioria contra pessoas que demonstraram apoio a Lula, levou parte dos eleitores a não sentir segurança para se manifestar.

O primeiro caso de violência que ganhou notoriedade nacional foi o assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda, morto a tiros no dia 10 de julho, durante a sua festa de aniversário que tinha como tema o ex-presidente e candidato pelo PT, Lula. Marcelo foi assassinado pelo policial Jorge José da Rocha, apoiador do presidente Bolsonaro, que, de acordo com as testemunhas, chegou à festa gritando as palavras “Bolsonaro” e “mito”. Depois disso, as violências foram recorrentes. No Ceará, Antônio Lima, de 59 anos, foi assassinado a facadas em um bar após afirmar que era eleitor de Lula. No Rio de Janeiro, uma adolescente de 19 anos levou sete pontos na cabeça após ser agredida com um pedaço de madeira. A agressão aconteceu depois que a jovem se surpreendeu com uma publicação nas redes sociais de um amigo apoiador de Bolsonaro e comentou com sua irmã, um apoiador do presidente, que estava no local, questionou o comentário e logo em seguida partiu para a violência.

Na capital pernambucana, há poucos dias, apoiadores de Bolsonaro agrediram um deficiente visual e sua esposa no metrô, pelo simples fato do casal fazer uso de adesivos de Lula, e um prédio onde uma bandeira do candidato do PT estava exposta foi atingido por disparos de arma de fogo.

Esses crimes explicam o resultado das enquetes postadas nos stories do Instagram da Marco Zero na última quinta-feira, 29 de setembro. Dos 194 votantes, 128 afirmaram que não vão usar vestimentas que exponham suas decisões políticas, destes, 84% confirmaram que a escolha se deu por medo de sofrer violência e agressões. Além disso, 139 pessoas, do total de 191, afirmaram que não pretendem ir às ruas durante e após a apuração dos votos. Destas, 84% justificaram que a decisão foi tomada devido ao medo.

Apesar do sentimento de insegurança ainda estar presente, na manhã deste sábado, véspera das eleições, a procura por roupas vermelhas no comércio foi intensa. A Marco Zero encontrou um exemplo disso nas ruas comerciais da cidade de Goiana, na Zona da Mata de Pernambuco. Só depois de andar por pouco mais de uma hora e entrar em quatro lojas diferentes, conseguimos encontrar uma camiseta encarnada ainda à venda.

Imagerm de um prédio, fechada em 4 andares, com fachada na cor vinho. Em algumas varandas bandeiras de Lula e do Brasil penduradas.

Lulistas reagem e equilibram cores nos prédios de classe média na zona norte do Recife. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

O medo não pode prevalecer

Para o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança (Neps), José Luiz Ratton, a democracia exige cautela, mas não deve ser tomada pelo medo, afinal, as pessoas precisam ter uma postura afirmativa diante de suas decisões políticas.

“Nós não podemos nos intimidar com ameaça de violência, mas devemos nos organizar de forma coletiva para não sermos atingidos individualmente”, defendeu o pesquisador.

Ratton explicou que a formação política do Brasil não se deu de forma pacífica e relembrou de acontecimentos históricos como o golpe civil militar da Proclamação da República e a Guerra de Canudos. Para o pesquisador, o Brasil sempre foi um país violento e o atual contexto político evidencia isso mais uma vez: “de oitenta e cinco para cá nós percebemos uma mudança de padrão na violência política onde parecia que o país tinha entrado em um campo mais civilizado, porém, o que acontece agora é que pela primeira vez nós temos um presidente da república que, de forma direta e clara, estimula a violência física, psicológica e intimida as pessoas, isso certamente afeta a democracia”.

Sendo assim, os governantes precisam manter o controle das forças de segurança e o Ministério Público deve se manter vigilante para garantir o pleno exercício democrático, sobretudo em um dia tão importante quanto o dia da votação. “É preciso que as autoridades estejam atentas e nós precisamos exigir delas o cumprimento daquilo que lhe é devido, ou seja, a garantia da vida e da integridade física das pessoas”, concluiu Ratton.

Expectativa para o grande dia

Com a possibilidade de vitória de Lula no primeiro turno das eleições 2022, os apoiadores do candidato estão com as expectativas altas e preparados para festejar, apesar da insegurança causada pelos ataques bolsonaristas.

No Armazém do Campo, estabelecimento do Movimento Sem Terra (MST) conhecido por realizar eventos formativos e festivos da esquerda no Recife, haverá um telão onde as pessoas poderão acompanhar a apuração do resultado das eleições. Além disso, uma orquestra já está contratada para conduzir a comemoração dos eleitores.

rapaz caminha pela rua com toalha de Lula pendurada nas costas, como se fosse uma capa de super-herói. Ele está de costas para a câmera e tem o braço direito levantado.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Quanto à segurança no local, Ramos Figueiredo, coordenador do Armazém, afirmou que todas as providências estão sendo tomadas, mas não acredita que algo trágico venha a acontecer: “Desde a eleição passada e nos últimos quatro anos, o armazém nunca sofreu nenhum ato de violência e agressão ou dano patrimonial. Têm algumas pessoas que passam pela faixa ao lado e xingam com palavrão e ofensa, mas nada além disso”, declarou o coordenador.

Para garantir que tudo ocorra em paz, o Armazém contratou uma equipe de seguranças particulares e bombeiros. A organização do local também enviou um ofício à Polícia Militar de Pernambuco solicitando um reforço na segurança das ruas no entorno do bar.

No diretório do PT em Pernambuco, localizado no bairro de Santo Amaro, a segurança também será reforçada. De acordo com o secretário do diretório, Sérgio Goiana, um ofício foi enviado à PM solicitando que ao menos uma viatura esteja presente na sede, das 7h às 23h.

Além disso, a sede contará com uma equipe de advogados que estarão a postos durante todo o dia de votação para atuar em casos de violência ou fraude eleitoral. “Nós recomendamos que as pessoas que optarem por vestirem a camisa do PT e de Lula, ou adesivos dos candidatos de esquerda, andem sempre acompanhadas e não revidem às provocações e insultos. Estamos atentos, mas confiamos no TRE de Pernambuco, que ao longo de todas as eleições sempre fez um excelente trabalho e garantiu uma votação segura e pacífica”, declarou o secretário.

Segurança no dia da votação

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu proibir o transporte de armas e munições em todo o país entre os dias 01 e 03 de outubro. A medida visa diminuir os riscos de ocorrências de violência armada no fim de semana das eleições e impede que os chamados CACs (Caçadores, Atiradores desportivos e Colecionadores) possam circular armados. Em caso de descumprimento, o eleitor armado pode ser preso em flagrante por porte ilegal de armas.

Em Pernambuco, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PE) assinou um acordo de cooperação com diversos órgãos de segurança e justiça, entre eles, a Secretaria de Defesa Social, a Polícia Federal e a Procuradoria Regional Eleitoral, a fim de manter um ambiente pacífico e garantir o pleno exercício da democracia durante as eleições.

De acordo com o secretário de Defesa Social, Humberto Freire, o planejamento de segurança está sendo articulado desde fevereiro de 2022 e contará com uma equipe robusta de mais de 34 mil profissionais, que atuarão em todo o estado de Pernambuco para “garantir que o livre exercício do voto, o funcionamento dos locais de votação e o exercício do juízo eleitoral seja pleno”.

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.