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Por Beatriz Santana*

Com a Casa do Guia Mirim como escola e o Movimento Nacional de Meninas e Meninos de Rua como faculdade, Antônio José da Silva se alfabetizou primeiro na cultura e só depois nas letras. Nascido e criado na Barreira do Rosário, em Olinda, foi pela conexão com a própria história e com a da cidade que se tornou Mestre Tonho das Olindas, nome pelo qual é reconhecido na cultura popular.
Imerso na pedagogia Freiriana desde a infância, mantém o hábito de ver o mundo com os olhos de quem quer lê-lo. Nesse movimento, aprendeu com os mestres e brincantes da cultura popular a trabalhar o desenvolvimento de cada sujeito. Hoje, como educador social, inspira-se nesse passado para guiar o trabalho no espaço cultural que coordena: o grupo Frevo, Capoeira e Passo.
Fundado em 13 de setembro de 1985, o grupo Frevo, Capoeira e Passo, localizado no bairro do Guadalupe, em Olinda, nasceu com o propósito de promover a transformação social por meio da cultura popular. Discípulo do Mestre Nascimento do Passo, Tonho deu continuidade à metodologia da Escola Recreativa de Frevo, ampliando o horizonte do ritmo e unindo-o a outras tradições brasileiras.
Há quatro décadas, o grupo oferece aulas semanais e gratuitas de manifestações populares como maracatu, coco, ciranda, cavalo-marinho, maculelê, afoxé, além, claro, de frevo e capoeira. As turmas, compostas por crianças, adolescentes e adultos de comunidades locais, transformam a cultura em ferramenta de cidadania. “A gente quer construir cidadãos e cidadãs capazes de refletir o próprio universo político e também contrapor algumas questões que fazem a gente se escravizar”, explica o mestre.
Para Tonho das Olindas, compreender o frevo passa, necessariamente, por reconhecer suas raízes na capoeira. “Essas duas danças nasceram juntas. O frevo vem da capoeira, e a capoeira ensina a cair e se levantar. É o grito de liberdade que a gente carrega no corpo”, resume.
Defensor da valorização da herança afro-brasileira do frevo, ele destaca a origem negra do ritmo. “Esse frevo é negro. Ele vem da capoeira, e quem praticou isso foram os negros escravizados”, afirma.
O mestre critica o modo como a educação oficial trata a história cultural do país. “A forma como a gente aprende dificulta o entendimento da origem afro-brasileira das manifestações”, observa. Para ele, é preciso “um livro de história” que mostre com clareza as violências e apagamentos em que o Brasil se fundou — movimento que ele tenta inverter nas aulas do grupo Frevo, Capoeira e Passo.
A espiritualidade também ocupa um papel central em sua trajetória. Neto de Manoel da Hora, um dos primeiros pais de santo de Olinda, Tonho carrega o legado das religiões de matriz africana como fonte de equilíbrio e respeito às tradições. “Isso faz parte da nossa história, da nossa vida. Eu sou fruto dessa ancestralidade”, diz.
Para ele, o corpo é instrumento de fé e resistência. “A capoeira não é pra bater em ninguém. É pra manter a gente bem. Ela ensina a cair e se levantar — traz essa expertise pra nós”, explica.
Ao relembrar sua formação, Tonho reconhece a importância dos espaços que moldaram seu olhar sobre o mundo: “Foi muito importante tudo que aprendi no Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, tudo que aprendi na Casa do Guia Mirim, tudo que aprendi com meus mestres e minhas mestras”.
Com humildade, reflete sobre o significado de ser mestre:
“Mestre é quem passa conhecimento. Quem me chama de mestre são vocês. Eu não preciso chegar em lugar nenhum dizendo que sou mestre.”
Nas rodas que conduz, Tonho valoriza a escuta e o aprendizado coletivo. “Quando a gente tá em roda, todo mundo se vê. Dá bom dia, percebe se o outro tá triste ou cansado. Isso é educação transformadora”, explica. Para ele, o ensino do frevo e da capoeira está conectado a outros ritmos populares porque todos compartilham uma mesma história, a do povo brasileiro que resiste à tentativa de apagamento.
“A gente fala do frevo como patrimônio imaterial, mas cadê a infraestrutura para os territórios que produzem essa cultura? Só o título não enche barriga de mestre nem de músico. A gente quer arte, educação, lazer e condições para trabalhar com dignidade”, questiona Tonho.
A preservação do frevo, da capoeira e do passo é, para ele, um ato político. O compromisso é com o fortalecimento da cultura popular no próprio país.
“Eu já viajei pra Europa, mas minha praia foi sempre dizer: ‘eu quero mudar o meu país, não quero mudar a Alemanha, França, Holanda…’. Eu vou lá, comparo como é a educação, mas quero trazer o que tem de bom pra cá. Quem vai mudar o país de lá são os habitantes de lá. O compromisso é com o meu.”
* Beatriz Santana é estudante de Jornalismo da UFPE.
As reportagens publicadas aqui fazem parte da parceria entre a Marco Zero Conteúdo e o projeto de extensão “Cartografias do Frevo”, desenvolvido por professores e alunos do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A iniciativa busca mapear a contemporaneidade do frevo a partir de entrevistas com mestres, músicos, passistas e artistas que reinventam o ritmo.
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.