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Moradores e comerciantes de Suape temem perder direitos com gestão privada de parque

Marco Zero Conteúdo / 13/09/2023
Estrada de acesso à área militar em Suape: em primeiro plano, placa branca, com listas diagonais verde-amarelo desbotada pelo tempo, com a palavra proibido com manchas e riscos. Em segundo plano, estrada de terra, iluminada pelo sol, com vegetação nas duas margens

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

por Jeniffer Oliveira

Em julho deste ano, o Complexo Industrial Portuário de Suape lançou uma consulta pública sobre a possibilidade da concessão de uso público do Parque Armando de Holanda Cavalcanti (PMAHC), localizado no Cabo de Santo Agostinho, Região Metropolitana do Recife, um território de 270 hectares entre as praias de Gaibu e Suape. Desse total, 119 hectares seriam disponibilizados para uma parceria público-privada para administrar, manter e conservar o parque. Seriam R$ 45,9 milhões em investimentos para os três primeiros anos.  

A possibilidade de concessão tem dividido opiniões na Vila de Nazaré e comunidades do entorno, localizadas no interior do parque. Mesmo com os estudos disponíveis para consulta no site de Suape, a clareza dos documentos é questionada por representantes de comerciantes e moradores. “A gente entende que essa incerteza da comunidade é fruto, justamente, da falta de transparência do processo como um todo, que faz com que os detalhes desse processo não estejam muito nítidos para a maioria dos moradores”, afirma o advogado do Fórum Suape, João Venâncio, que tem acompanhado de perto as movimentações da estatal. 

A garantia de moradia também é uma das principais preocupações de quem mora no território. Os moradores de Nazaré estão em processo de regularização fundiária, no entanto, ainda não conseguiram receber a documentação que garante a permanência. “Foram 81 casas com concessão por tempo indeterminado e, até hoje, a empresa [Suape] diz que está no cartório. Aí contratou outra empresa, mas ficou também naquela pendência. Mais um motivo da gente ficar bem esperto com Suape”, afirma Heloisio Vieira, presidente da Associação dos Moradores. 

Apesar de ser a favor de um projeto que administre o local, uma das residentes mais antigas, Oneida Tibúrcio, de 77 anos, também se preocupa em ter a moradia garantida. “O que eu digo é que precisa ter uma garantia, ninguém pode sair daqui voando, não. Ninguém pode viver aqui pressionado, ninguém que mora aqui pode ficar com os restos de quem chega. Precisa do respeito (com a população nativa)”, reivindica.

Oneida Tibúrcio. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Entre as condições exigidas para as empresas interessadas, estão inclusas a priorização da mão de obra local e a compra de produtos e serviços oferecidos pelas comunidades do entorno, mas existe a incerteza sobre a permanência do comércio  local. “A gente termina achando que as doceiras, as pessoas que fazem licor, os artesãos, ficam fora desse circuito, porque estão do lado de fora do perímetro da concessão, que é o filé da Vila de Nazaré”, afirma Mardônio Cavalcanti, vice-presidente do Conselho Gestor Paritário PMAHC. 

Não só o comércio local que se sente receoso com a possível concessão, a comunidade da pesca artesanal, também. Contando apenas as mulheres, mais de 100 trabalham na pesca do aratu de pedra e do marisco na área do projeto. Laurineide Carvalho, integrante do Conselho Pastoral dos Pescadores, analisa que “esse projeto, na forma que o porto de Suape apresenta, é um projeto de exclusão total da comunidade nativa. Em nenhum momento se considera a população local, os pescadores e as comunidades locais. Então, ele é um projeto de exclusão que vai entregar para uma empresa privada explorar”.

Na expectativa por um diálogo aberto entre população e Suape, a representação da sociedade civil do Conselho Gestor Paritário do PMAHC, acompanhada pelo Fórum Suape e pelo Conselho Pastoral dos Pescadores, solicitou uma audiência pública, acatada pelo legislativo e realizada no último dia 30, na Câmara Municipal do Cabo de Santo Agostinho. 

O local, que ficou lotado de moradores e comerciantes, ainda teve a presença de órgãos como a prefeitura, MPPE, Defensoria Pública, CPRH, Iphan, Fundarpe, Associação Pernambucana de Defesa da Natureza e Secretaria de Defesa Social. Após a audiência, a estatal prorrogou o prazo de consulta e contribuições, depois suspendeu o prazo, deixando a consulta por tempo indeterminado. Além de se disponibilizar a promover novos debates presenciais com as comunidades do parque, entorno e os órgãos de controle, quando solicitados. 

Segundo a assessoria de comunicação de Suape, “o projeto foi elaborado pela empresa Natureza Urbana, contratada por meio de um acordo de cooperação com a Unesco, e foram realizadas reuniões presenciais no território do Parque Armando de Holanda Cavalcanti para apresentação da proposta às comunidades, além de reuniões para apresentar o projeto e debater com a sociedade local, abrindo para discussões presenciais e contribuições via e-mail”.

Além disso, ainda segundo a informação oficial de Suape, “o impacto estimado no projeto é de forma positiva, uma vez que é requisito da proposta de projeto que a comunidade da Vila Nazaré e demais comunidades do entorno continuem tendo livre acesso à área de concessão do Parque e que sejam inseridos e envolvidos no processo, a exemplo da contratação de mão de obra local. É importante salientar que a área proposta para a concessão não inclui nenhuma moradia”. Sobre a preocupação entre os pescadores artesanais, afirma que “a área de concessão não abrange nenhuma área de Marinha, nem impõe nenhuma restrição à pesca artesanal”. 

Um possível geoparque da Unesco

Local com uma vasta biodiversidade, riquezas geológicas, sendo o último elo da quebra do supercontinente Gondwana, que formou o oceano Atlântico, separando as massas terrestres da América do Sul e África, além de monumentos históricos como a Casa do Faroleiro, Forte Castelo do Mar, Antigo Quartel e o Convento de Nazaré. No entanto, os moradores admitem que é  notória a necessidade de cuidados e reparação no Parque Armando de Holanda Cavalcanti.

Mardônio Cavalcanti. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Entre os monumentos, três são de jurisdição militar: o Antigo Quartel e o Forte Castelo do Mar, do Exército e administrados pela Superintendência do Patrimônio da União (SPU) em Pernambuco e a Casa do Faroleiro, administrada pelo comando da Marinha. Mesmo com responsabilidades divididas, é  possível identificar que todos os pontos de valor histórico carecem de manutenção. No Forte Castelo do Mar, por exemplo, uma das pilastras é sustentada por um pedaço de madeira. 

As estradas estão esburacadas, falta sinalização e informação sobre os monumentos históricos, além da falta de manutenção. Como uma solução possível, pesquisadores e representantes da sociedade civil veem o potencial do local se tornar um geoparque.

Consultores da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco),  já realizaram estudos indicando o que seria possível para essa transição. No último dossiê, apresentado no projeto de cooperação técnica entre o governo brasileiro e a agência da ONU, realizado pelo consultor Jean Vargas, consta todas as potencialidades e necessidades para o PMAHC se candidatar a ser um Geoparque Mundial da Unesco. Atualmente, são quase 195 geoparques no mundo todo, dos quais cinco no Brasil

“Como diz a professora Thaís Guimarães, a gente tem um laboratório a céu aberto aqui e a gente pode ter as universidades junto com a gente para fazer uma educação patrimonial, educação ambiental, a questão da arqueologia, geologia, geografia, história e paisagismo. Fazemos parte da história de Pernambuco e do Brasil, e não conseguimos ver nesse projeto de concessão de uso a gente dá continuidade a essa nossa possibilidade de fazer parte desses monumentos que tanto admiramos, que temos uma questão energética”, destaca Mardônio Cavalcanti, vice-presidente do conselho gestor paritário do PMAHC.

Entre as exigências, seria necessário unir os geossítios de Cabo de Santo Agostinho e de Ipojuca, ampliando as áreas para formação do Geoparque Suape. “São muitos pontos,  muito geossítios que a gente pode fazer parte dessa rede mundial de geoparque que é o turismo mais moderno, turismo que estuda a história, a geologia, a geografia do local. As pessoas vêm interessadas em saber”, reforça Mardônio. No entanto, de acordo com o documento, as respectivas prefeituras não responderam às solicitações feitas pela organização. 

Ruínas de fortes militares precisam de manutenção e sinalização. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

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