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Movimento social só tem um assento no debate das regras para eólicas em Pernambuco

Governo do Estado até convida entidades, mas só a Fetape é participante efetiva. Empresas tem três votos.

Jeniffer Oliveira / 28/03/2024
Foto de uma pessoa olhando para um aerogerador em meio a uma vegetação rasteira e árvores. O aerogerador é branco e destaca-se contra o céu azul parcialmente nublado. A pessoa está em um terreno com vegetação rasteira e algumas árvores ao redor. Há uma cerca rudimentar visível à esquerda da imagem. O cenário parece ser rural ou semi-rural, sem nenhum outro edifício ou estrutura visível.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo.

Com o avanço das discussões sobre a instalação de novos parques eólicos e solares em Pernambuco, o processo de licenciamento ambiental para empreendimentos de energias renováveis está sendo discutido com pouca representação da sociedade civil. O decreto publicado pelo Governo do Estado em novembro do ano passado, que instaurou grupo de trabalho (GT) para elaborar a normativa para a implantação dessas empresas, incluiu entre as instituições participantes apenas uma instituição representante dos trabalhadores rurais.

A terceira reunião do GT ocorreu na quarta-feira (27), focando o debate para definir a distância entre os aerogeradores e as residências, além da exigência de realização do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA). Foi o segundo encontro após a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) receber o documento com recomendações das comunidades afetadas, elaborado coletivamente e propostas por mais de 30 entidades — a maioria representando povos e populações tradicionais do Nordeste.

A Marco Zero ouviu queixas de representantes de organizações sociais que apontam que reduzir a participação social não é novidade quando se trata de discutir os impactos ambientais de grandes empreendimentos que vão impactar o meio ambiente e as comunidades tradicionais. O exemplo anterior, segundo essas entidades, seria o GT para discutir a implantação da nova Escola de Sargentos na Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe, na Região Metropolitana do Recife (RMR).

Foto do rosto de Luiza Cavalcante, mulher negra e idosa, usando uma bandana laranja na cabeça. Ela foi fotografada na penumbra, junto a uma janela iluminada.

Luiza Cavalcante, do Sítio Ágatha

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Em entrevista à Marco Zero, após a reunião do GT a secretária-executiva de Sustentabilidade da SEMAS, Karla Godoy, afirmou que o GT está atuando de forma democrática, explicando que “havia um grupo que foi incluído na publicação do decreto, mas, após a publicação, outros participantes foram convidados”. Além da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape), a secretária considera como representantes da sociedade, integrantes do grupo Nordeste Potência e da Associação Sítio Ágatha, que também estiveram nas últimas discussões, assim como deputados estaduais e representantes das universidades, que trouxeram estudos com comunidades afetadas. No entanto, só têm direito a voto as instituições incluídas no decreto de Raquel Lyra.

No entanto, mesmo com esses convidados, há uma disparidade considerável entre o número de representações do Governo do Estado e das empresas de energia de um lado e da sociedade civil. São 20 assentos, sendo dez para instituições governamentais ou ligadas poder público, como a Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), a Assembleia Legislativa e o Ministério Público de Pernambuco (MPPE), três para instituições ligadas às indústrias, um para as instituições de ensino – sem especificar qual – e apenas um para Fetape, além de uma vaga genérica para “outros órgãos ou instituições que possam contribuir para os objetivos do grupo de trabalho ora instituído”.

O período para a finalização do GT também preocupa as comunidades camponesas que podem ser afetadas com novos complexos de energias renováveis. A equipe da Marco Zero teve acesso ao cronograma definido na segunda reunião do GT, que aconteceu no dia 14 de março, que apontava a data de finalização das normativas para o final do mês de abril, porém, de acordo com a secretária, essa data foi definida como um norteador para os trabalhos.

“A gente já sabia que precisaria colocar visitas no meio (do cronograma). Por exemplo, hoje, a gente não conseguiu terminar o estudo da pauta toda, então a gente vai ter que continuar na próxima reunião. A gente já sabia que ia precisar fazer essa ampliação de prazo. Até o final de maio é a vigência do grupo do trabalho, mas é sabido que a gente pode pedir uma extensão do prazo, mas vamos tentar trabalhar durante a vigência do GT nesse período do decreto, até porque é um assunto que de fato exige celeridade, existem assuntos que dependem dessa instrução normativa”, explicou Karla Godoy.

Segundo a secretária, a reunião foi concluída apenas com a discussão da distância entre os aerogeradores e as residências que vão ser estudadas a partir dos números apresentados pelas empresas, universidades e sociedade civil. O EIA-RIMA que também seria pauta vai ser discutido em uma nova reunião.

Fazendo um comparativo, o Nordeste Potência levou dois anos para desenvolver o documento Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável, com diversos estudos, escutas e mapeamentos in loco, além do envolvimento direto das comunidades afetadas pelas instalações de complexos eólicos e solares. A proposta do governo do estado é realizar as instruções normativas que vão determinar as instalações dos complexos de energia renovável em um período de seis meses.

Comunidades silenciadas

Apesar de estar presente nas últimas discussões apenas como convidada, sem direito a voto, Luiza Cavalcante, da Associação Sítio Ágatha, é citada pela secretária-executiva como “representante da sociedade civil” no diálogo para o estabelecimento das normativas. A moradora do Sítio Ágatha tem participado das discussões do GT,mas não se mostra satisfeita com essa condição. Ela pontua a preocupação de “estar sendo usada” como representante das comunidades tradicionais já que existe uma diversidade de territórios que podem ser impactados.

“É um perigo ser usada para dizer que a sociedade civil estava presente e minha presença ali não referenda isso, porque sou uma convidada do Nordeste Potência, que reuniu pessoas representantes de comunidades, inclusive de estados do Nordeste, para tratar dessa temática, mas que não significa que a gente representa o conjunto”, reforça.

Enfática, ela conclui afirmando que “deveriam estar nas discussões representações das cinco regiões afetadas e aquelas que ainda não foram afetadas por essas questões também. Deveria ter quilombolas, indígenas, assentados da reforma agrária, pescadoras, todo mundo ali presente. Eu considero esses megaempreendimentos um projeto racista, genocida mesmo, porque os corredores de ação deles são sobre essas comunidades tradicionais”.

Essa também é uma inquietação dos camponeses e moradores de comunidades tradicionais que tomaram conhecimento do GT. A Marco Zero também conversou com João do Vale, integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade que há anos acompanha os conflitos envolvendo os parques eólicos, para entender como a composição do GT criado pelo Governo do Estado está sendo percebida.

Segundo Vale, o Nordeste conta com aproximadamente 900 parques eólicos, na grande maioria vizinhos a comunidades que são diretamente prejudicadas por esses empreendimentos e que, ao conversar com os camponeses, ouve constantemente que “não aguentam mais não ser escutados, não aguentam mais morar na região”.

Vale interpreta assim a iniciativa do GT: “Eu avalio que o Governo de Pernambuco está pretendendo legalizar a violência, legalizar o adoecimento, o sofrimento dessas famílias que tiveram um parque instalado perto dos seus sítios”, conclui o representante da CPT.

AUTOR
Foto Jeniffer Oliveira
Jeniffer Oliveira

Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo – UNIAESO. Contato: jeniffer@marcozero.org.