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Governo Raquel discute Escola de Sargentos em área de proteção ambiental com pouca participação social

Raíssa Ebrahim / 12/07/2023

Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Um dos projetos de maior impacto ambiental de Pernambuco nos últimos anos está sendo discutido com pouca representatividade social. O Governo Raquel Lyra (PSDB) designou, por meio de decreto, um Grupo de Trabalho (GT) para monitorar a implantação da nova Escola de Sargentos na Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe, na Região Metropolitana do Recife (RMR). Mas, entre 20 assentos, somente um foi destinado à sociedade civil organizada. E apenas na condição de convidada.

O megaempreendimento das Forças Armadas, a 33 quilômetros da capital, é, na verdade, uma cidade militar. A previsão é que seja necessário desmatar 180 hectares de mata atlântica regenerada. Com um investimento de quase R$ 1,8 bilhão, esse é o maior projeto do Exército nas últimas décadas, com previsão de entrega em 2034.

O GT do governo, cuja primeira reunião aconteceu no dia 28 de junho, tem como membros efetivos apenas representantes de secretarias e órgãos estaduais, convocados pela governadora. São 13 ao total. Os outros sete participantes, incluindo sociedade civil, Exército e academia, participam como convidados. Cada um com um assento.

A participação da sociedade civil, por orientação do decreto, tinha que ser indicada pelo Conselho Gestor da APA. A organização escolhida foi o Fórum Socioambiental de Aldeia, associação comunitária, fundada há 18 anos, que vem pressionando os atores políticos por uma alternativa locacional para o megaempreendimento a fim de evitar o impacto ambiental.

Da academia, fazem parte a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mas esta enquanto suplente na vaga indicada pelo conselho. Já o assento destinado a “outros órgãos ou instituições” foi requisitado pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE).

À reportagem, o governo do Estado afirmou que o GT foi criado para “garantir, além do rito legal do processo já acordado anteriormente (o acordo de cooperação assinado com o Exército), que o projeto seja o melhor para o interesse público dos pernambucanos”.

Quando da publicação do decreto, em maio deste ano, a gestão informou, em site oficial, que a intenção era “ampliar o diálogo com a sociedade civil, reforçando a intenção da nova gestão estadual de abrir espaço à efetiva participação da população no acompanhamento de projetos estratégicos e relevantes para o Estado”.

A Marco Zero perguntou à Secretaria de Meio Ambiente, Sustentabilidade e Fernando de Noronha (Semas) quem representa o Conselho Gestor da APA Aldeia-Beberibe no GT e por que a presidência do conselho não faz parte do grupo. A pasta explicou que “em comitês, fóruns e grupos de trabalho para decisões políticas ou técnicas, essa representação da APA é feita pelo diretor-presidente da CPRH (órgão ambiental do Governo do Estado), e não pelo presidente do conselho gestor da APA”.

Na justificativa do governo, nesta situação específica, não caberia a inclusão do gestor da APA no GT porque ele já está representado pelo diretor-presidente da CPRH.

No entanto, da forma como o Grupo de Trabalho foi estruturado pelo governo, o conselho gestor terminou apenas indicando a organização da sociedade civil, não tendo, de fato, um assento, uma vez que a cadeira que o diretor-presidente da CPRH ocupa é, na verdade, da agência, e não do conselho.

Estado garante monitorar questão ambiental

O processo de implantação ainda não chegou à fase de apresentação dos projetos de impacto nem de mitigação e compensação ambiental. A Secretaria de Meio Ambiente, Sustentabilidade e Fernando de Noronha afirmou, na mesma nota enviada à MZ, que irá garantir transparência no processo e “estará ao lado do Exército nessa construção” para assegurar “os parâmetros legais e compensações positivas” para a área, com base em “parâmetros técnicos e científicos e envolvimento da academia”.

“O Governo de Pernambuco monitora esta política pública levando em conta todos os aspectos envolvidos, com especial atenção para a dimensão ambiental, que é o ponto que merece especial atenção e cuidado em sua execução”, informou a nota.

As Forças Armadas, por sua vez, dizem que o local de implantação da Escola, a mata do Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti (Cimnc), que fica dentro da APA Aldeia-Beberibe e tem 7,5 mil ha, “é símbolo do compromisso do Exército com a preservação ambiental”.

Mata do Cimnc pertence ao Exército e é por ele preservada. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Desde o anúncio, em 2021, o projeto de uma Escola desse porte numa Área de Proteção Ambiental tem preocupado ambientalistas e técnicos da CPRH e gerado debates a nível estadual e federal. O momento é desafiador frente aos desastres que se repetem nos períodos chuvosos e a necessidade de frear as mudanças climáticas preservando o meio ambiente.

A mata do Cimnc é tratada como uma espécie de santuário. Ela pertence ao Exército e é por ele preservada. É a maior faixa contínua de mata atlântica acima do Rio São Francisco. Por isso, é apelidada de “Amazônia da Região Metropolitana do Recife”.

Mas não só: o local também resguarda nascentes de água fundamentais para o abastecimento de diversos municípios da parte norte da RMR, com destaque para a Barragem de Botafogo, provendo água para quase um milhão de pessoas, que historicamente sofrem com o racionamento.

Se saírem do papel, a Escola de Sargentos, uma das maiores do mundo, e o Arco Metropolitano podem desmatar mais de 336 mil árvores em área de mata atlântica, um dos biomas mais ameaçados do planeta e do qual, em Pernambuco, só restam 15% da cobertura original. O Arco pretende ser um corredor viário alternativo à congestionada BR-101. Esse dado foi uma das conclusões do estudo feito em conjunto pela UFRPE, UFPE, Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e Fórum Socioambiental de Aldeia.

A escola, quando pronta, terá capacidade para concentrar seis mil pessoas, entre alunos, corpo permanente e familiares. Entre as estruturas previstas, estão 29 blocos com 24 apartamentos cada, hotel de trânsito de oficiais, alojamento para 2,4 mil alunos, cozinha e refeitório para 3,5 mil pessoas, auditório com 3 mil lugares, edifício garagem, estande de tiro, parque aquático com piscinas olímpica, estádio de futebol com pista de atletismo e ginásio.

Escola pode gerar 30 mil empregos

Pelos cálculos do Exército, a folha de pagamento dos militares deve injetar cerca de R$ 200 milhões por ano na economia local. A previsão é gerar quase 12 mil empregos diretos e outros quase 18 mil indiretos. Mas o projeto é desafiador para as Forças Armadas. A fonte de financiamento dos quase R$ 1,8 bilhão ainda é dada como incerta.

Em um das apresentações do Exército a que a Marco Zero teve acesso, a corporação diz que a escolha da área onde o megaempreendimento será construído e também “ideias inovadoras relacionadas à compensação ambiental e à própria estrutura arquitetônica da escola denotam os ganhos ambientais que serão advindos deste projeto”.

As Forças Armadas asseguram que o projeto arquitetônico “seguirá o que determina a Política de Desenvolvimento Sustentável do Exército, ou seja, o emprego dos mais modernos conceitos de sustentabilidade ambiental”.

Mesmo ainda sem os estudos apresentados, o Exército diz que “a proposta de compensação ambiental proporcionará um incremento em importantes serviços ecossistêmicos, como a melhoria dos processos hídricos que alimentam a Represa Botafogo”.

“A criação de corredores ecológicos permitirá a realização da conectividade de fragmentos florestais e, consequentemente, irá favorecer a biodiversidade local. A Barragem de Botafogo será a grande beneficiada pelos processos de desassoreamento. A diversidade florística será outro grande legado, pois a área da escola é formada por muitas árvores exóticas e o processo de compensação fará o resgate da riqueza e diversidade típica da Mata Atlântica”, diz a apresentação.

Inicialmente, 16 locais fizeram parte do estudo das Forças Armadas. Três localidades foram selecionadas como sendo as mais favoráveis: Recife (PE), Ponta Grossa (PR) e Santa Maria (RS). Por questões de localização, estratégica, logística e também graças às contrapartidas oferecidas pelo Governo de Pernambuco, durante a gestão Paulo Câmara, o Exército escolheu Pernambuco para ser a sede do novo projeto.

O Governo do Estado se comprometeu, no acordo de cooperação, assinado em 2022, a investir nas obras de infraestrutura de água, esgoto, energia, rodovias e fibra ótica, além de ações de suporte necessárias para o funcionamento da Escola. Além de ter acertado junto às Forças Armadas que cederá à União, via Projeto de Lei (PL), uma área de 152 hectares ao lado da Arena Pernambuco, em São Lourenço da Mata. O terreno, equivalente a mais de 200 campos de futebol, está localizado onde seria erguido o megaprojeto da Cidade da Copa, que, após desapropriações e muitas promessas, nunca saiu do papel. A intenção é construir no local um Complexo Militar.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com