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Crédito: Iane Mendes/Juntas Codeputadas
Na tarde de 10 de setembro de 2018, na reta final da campanha eleitoral, cinco mil pessoas usando ao menos uma peça vermelha no vestuário lotaram o pavilhão da fazenda Normandia, em Caruaru, para celebrar o apoio do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) à reeleição do governador Paulo Câmara. A relação acabou na manhã da terça-feira, 25 de maio, quando as primeiras bombas de gás lacrimogênio começaram a ser jogadas sobre as 259 famílias de agricultores que ocupavam o Engenho Bonfim, em Amaraji, na Mata Sul.
Os golpes de cassetetes e as nove prisões – inclusive de um menino de 12 anos – realizadas pela Polícia Militar de Pernambuco destruíram quaisquer esperanças de reconciliação. Horas depois da violenta operação policial de reintegração de posse, os advogados do MST deram o tom do rompimento anunciando que iriam dar entrada em uma ação por irresponsabilidade pública contra o governador “por ter levado muitas famílias ao risco de ser infectado pelo novo coronavírus”.
Os advogados querem a prisão de Paulo Câmara. O argumento é que o governador expôs ao risco de contrair covid-19 tanto os quase mil agricultores e agricultoras acampados, as famílias dos policiais e a população de Amaraji, “que foi tomada por uma quantidade de militares e capangas nunca visto antes na cidade, correndo risco de perder o controle da pandemia com esta ação militar desproporcional e irresponsável”.
O dirigente nacional do MST, Jaime Amorim, contou como foram os últimos dias da convivência política com o Governo do Estado. Segundo ele, há duas semanas a coordenação do movimento vinha tentando negociar com as autoridades estaduais. “Eu falei diretamente com o governador para que evitasse o confronto, mas ao invés disso, o secretário da Agricultura e o presidente do Iterpe trabalharam para acelerar o despejo, em apoio à usina. Além dos policiais militares, havia no despejo uns 40 ou 50 capangas armados dos usineiros, fazendo o papel da polícia”.
O secretário da Agricultura (na verdade, o nome da pasta é Desenvolvimento Agrário) e o presidente do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Pernambuco são, respectivamente, o deputado estadual licenciado Claudiano Martins Filho (PP), e o ex-deputado Henrique Queiroz, cujo filho também é deputado estadual e integra a base de apoio ao governo pelo Partido da República (PR, antigo Partido Liberal). Os dois são aliados tradicionais de fazendeiros e usineiros e assumiram os cargos em novembro de 2020, quando o PT entregou os cargos após a polarizada disputa entre João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) pela prefeitura do Recife. Ao substituir os gestores petistas na pasta, Claudiano e Queiroz fecharam os canais de diálogo do MST no governo, dando início ao distanciamento que culminou na desocupação e, em consequência, no rompimento político.
As palavras de Jaime Amorim sugerem que o MST se sentiu traído: “A ação do governo poderia ter sido a de evitar o despejo violento, jogando as pessoas na rua no meio de uma situação de pandemia, mas isso não foi feito. A ação do governo poderia ter sido de iniciar a desapropriação de uma área reconhecidamente improdutiva, mas também não fez isso. Ao contrário, o que se viu foi uma aliança da polícia com os usineiros e a Justiça local”.
O ponto alto alcançado por essa aliança descrita por Amorim foi testemunhado pela codeputada da Juntas, Kátia Cunha (PSOL): “Quando os policiais arrancaram a bandeira do MST do acampamento, berraram como se comemorassem um gol. Era como se a bandeira fosse um troféu para eles”.
Durante a campanha eleitoral de 2018, a aproximação entre o MST e a candidatura majoritária do PSB foi articulada por lideranças do PT com atuação no campo. Foi o caso do deputado federal Carlos Veras e do deputado estadual Doriel Barros, que, na época, ainda não tinham mandato, mas eram os dois principais nomes do partido vindos do movimentos de luta pela terra.
Veras e Doriel foram os fiadores que ajudaram o movimento a pedir votos para Paulo Câmara há três anos. Cada um reagiu de maneira diferente à desocupação que provocou a ruptura da relação que ambos ajudaram a construir. Veras foi comedido, vislumbrando possibilidade de diálogo futuro. Doriel está mais “aborrecido”, palavra que ele mesmo usou para definir seu estado de espírito.
O deputado federal petista não vê o MST “conferindo apoio ou em situação de ruptura desse apoio ao governo, até porque é uma organização social e não um partido político”. Para Veras, o “os trabalhadores sem-terra apresentam suas pautas ao governo e lutam para que sejam atendidas, e que essa é a dinâmica própria da relação governo e sociedade civil. E, que não cabe a mim opinar sobre as posições do MST em relação ao governo ou sobre qualquer outro aspecto da vida organizacional do movimento”.
Doriel Barros foi categórico: “O governo errou. Poderia ter realizado o despejo com cuidado, poderia negociar a desapropriação, poderia ter recorrido à Justiça para não haver o despejo usando a jurisprudência do STF, poderia ter esperado a Assembleia Legislativa votar um projeto que está tramitando e proíbe despejos na pandemia. Só não podia ter simplesmente lavado as mãos como fez”.
Presidente da comissão de Agricultura da Assembleia Legislativa, o deputado estadual petista lembra que “não é de hoje que os movimentos sociais tentam, junto aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, saídas pacíficas para evitar mais conflitos no campo”. E isso foi ignorado pelo governo nesse episódio.
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Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.