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Mulheres da zona rural de Flores, sertão do Pajeú, vão às ruas pedir justiça para mais um feminicídio

Géssica Amorim / 20/08/2021
Protesto contra feminicídio em Fátima distrito de Flores

Crédito: Patrícia Cardin/Divulgação

Poucos dias antes de ser assassinada pelo ex-marido José Carlos, Samara Cruz de Melo, de 29 anos, chegou a gravar e enviar pelo Whatsapp mensagens de áudio para amigos e conhecidos, alertando sobre as ameaças que vinha recebendo. Na noite de terça-feira, 17 de agosto, um homem subiu o telhado da casa onde ela vivia com quatro filhos, afastou as telhas e atirou de cima para baixo, matando a mulher com um tiro na cabeça enquanto ela dormia. José Carlos está sendo procurado pela polícia e os áudios que ela havia enviado reforçam a suspeita sobre ele. O crime aconteceu no distrito de Fátima, território de Flores, município no sertão do Pajeú.

Logo depois que a notícia do assassinato espalhou-se pelo povoado, os áudios gravados pela mulher passaram a ser compartilhados por amigos e parentes. Um deles revela que José Carlos já havia tentado invadir a casa da ex-mulher da maneira. Numa das gravações, ela alerta sobre o momento em que o ex-marido tirou as telhas da casa para tentar entrar, o que a deixou apavorada. Em seguida, ela diz que ligou para usando o número 190, mas não conseguiu ser atendida. Alguns dias depois estava morta.

O distrito de Fátima está longe de ser um lugar calmo: uma rápida busca no Google revela que, nos últimos seis anos, ocorreram pelo menos cinco homicídios no povoado. Essa lista de mortes inclui outro feminicídio. Em abril do ano passado, Maria do Socorro Alves da Silva, estava grávida de cinco meses quando foi morta a facadas pelo ex-namorado, que fugiu em seguida.

Para as mulheres do distrito, a morte de Samara foi a gota d’água. Ontem, elas tomaram as ruas do vilarejo para pedir justiça. A manifestação teve início às 10h da manhã desta sexta-feira, 20 de agosto. Aproximadamente 150 pessoas foram reivindicar segurança no distrito e pedir justiça para o caso de Samara. A ex-vereadora de Flores, Patrícia Cardin, de 44 anos, participou do ato e conta que a população do lugar está revoltada com o crime. “Nós moramos num distrito de quase sete mil pessoas. Toda a população está revoltada. Quando coisas assim acontecem por aqui, ainda mais um caso de feminicídio, todo mundo fica perplexo. Nós não temos segurança nenhuma aqui. O ato também foi para cobrar isso. Samara poderia estar viva, se tivesse sido escutada e segura”.

Vida sofrida, morte violenta

Samara sofria com transtorno bipolar e tomava remédios todos os dias para se manter emocionalmente estável. De acordo com uma prima da mulher, José Carlos sabia dos horários em que ela fazia uso dos medicamentos, dos seus efeitos que causavam sonolência e se aproveitou disso para cometer o crime sem dificuldade.

Samara Cruz assassinada pelo marido no Distrito de Fátima, em Flores

Crédito: Arquivo de família

A vida de Samara Cruz sempre foi difícil. Sua tia Maria José, conhecida como dona Miúda, de 62 anos, contou que, ainda bebê, Samara foi entregue pela mãe à avó paterna, dona Antônia Jovina, e, por ela, foi criada até atingir a maioridade. O pai de Samara, irmão de Miúda, foi assassinado quando ela tinha apenas dez anos. 

Na época, ele morava em São Paulo quando foi morto, mas, segundo a tia, ele tinha planos de voltar à Flores para buscar a filha e levá-la para morar no Sudeste.  Sobre o destino da mãe da sobrinha, Miúda revela que ela ainda é viva, que também foi embora para São Paulo, mas que nunca quis manter contato com a filha. Diz ainda que, para ir embora, a mulher teria vendido outra filha para poder comprar passagens de ônibus. “Ela foi embora para São Paulo e deixou Samara com a minha mãe. Ela ainda era um bebê de colo. Deixou ela lá em casa e foi embora. A passagem que ela comprou pra ir pra São Paulo, foi com o dinheiro que ela recebeu depois de ter vendido a outra filha, que era irmã mais velha de Samara. Nunca mais quis saber da menina”. 

Segundo dona Miúda, Samara não chegou a completar o Ensino Fundamental. No distrito de Fátima, ela trabalhava cuidando de crianças e fazia faxina em casas de conhecidos. A sua avó, dona Jovina, faleceu em 2015.  A tia a ajudava como podia. Apesar de todas as dificuldades que passou, de acordo com a parente, Samara era uma pessoa alegre e que vivia sorrindo. “Quando dava, eu pagava um aluguel, fazia uma feira. Ajudava quando era possível. Nós éramos próximas. Ela era uma menina alegre, vivia sorrindo e disposta a viver”, recorda Miúda. Samara Cruz deixou quatro filhos, que agora estão sob a guarda do seu primeiro marido e pai de duas das crianças. Ele é morador do distrito vizinho, Sítio dos Nunes.

A Polícia Civil informou que deu início às investigações sobre o caso e que José Carlos está foragido.