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Fenômeno em 2016, Zezé Parteira é a única mulher no legislativo da cidade com 365 mil pessoas. Crédito: Divulgação
Márcio Correia e Cladisson Rafael*
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 55,4% do eleitorado na cidade de Caruaru é feminino: um total de 124.850 mulheres estão aptas a votar nessas eleições. Mas quanto às candidaturas de mulheres, o percentual é bem inferior: apenas 32,06% do total de candidatos.
Essa desproporção é sentida nos dois poderes. Na câmara de vereadores, Zezé Parteira é a única vereadora do município. Em 2016, então com 59 anos e integrando o Partido Verde (PV), a moradora da Zona Rural recebeu 945 votos e passou a dividir a Casa Jornalista José Carlos Florêncio com 22 homens. Naquele ano, eram 123 mulheres candidatas — entre os homens, eram 267. Esse ano, 150 mulheres estão concorrendo, inclusive Zezé Parteira. Entretanto, o número de homens aptos concorrendo ao cargo também aumentou, foi para 315.
Na prefeitura, Raquel Lyra (PSDB) concorre pela reeleição. Em 2016, ela, que venceu em segundo turno, disputava o cargo com seis homens. Foi a única mulher que venceu em segundo turno em todo o país naquele ano. Nas eleições de 2020, a atual prefeita disputa com cinco candidatos homens.
Sua candidatura tem o maior apoio dessas eleições. A coligação “Todos por Caruaru” é formada pelos partidos Cidadania, DEM, PSDB, PTB, PODE, PSC, PL, PRTB, PMB, Avante, PMN e Patriota. As projeções apontam para sua reeleição: no dia 22 de outubro, a Rádio CBN Caruaru divulgou o resultado da primeira pesquisa de intenção de votos em Caruaru e Raquel Lyra aparece com mais de 60%, tanto nas simulações de primeiro turno, quanto nas do segundo.
Em sua gestão municipal, apenas três mulheres estão à frente entre as 17 secretarias: Ana Maraiza na Secretaria de Administração, Juliana Gouveia em Políticas para Mulheres e Karla Vieira em Ordem Pública.
Nesta eleição, na cidade, quatro candidatos à prefeitura têm mulheres como vice (mesmo número de 2016): Ailza Trajano vice de Marcelo Gomes pelo PSB, Roberta Antunes vice de Raffiê Dellon pelo PSD, Ingrid Marcella vice de Marcelo Rodrigues pelo PT e Valéria Pires vice de Rafael Wanderley pela UP. Mas será que a candidatura dessas mulheres à prefeitura reflete de fato uma representatividade?
As estratégias direcionadas para as mulheres apresentadas pelo programa de governo da candidata à reeleição se resumem a quatro pontos: fortalecer as políticas públicas para as mulheres a fim de superar desigualdades, preconceito e discriminação; fortalecer os programas de prevenção e combate à violência contra a mulher; promover a autonomia econômica das mulheres; e desenvolver programas de fortalecimento da mulher empreendedora e de inserção no mercado de trabalho. Entretanto, não diz concretamente como vai implementar essas ideias.
Ailza Trajano é a vice pelo PSB. Natural de Caruaru, a produtora cultural já foi candidata a deputada estadual em 2018 e a vereadora em 2016 pelo PCdoB, mas não foi eleita. Atualmente ela é vice-presidente do PCdoB na cidade, que junto ao PDT, MDB e PSB, formam a chapa “Frente popular de Caruaru”. No plano de governo disponibilizado no site do TSE, apenas quatro pontos específicos são direcionados às mulheres. Abordados de forma genérica, eles aparecem no eixo Direitos da Cidadania.
Roberta Antunes, vice pelo partido PSD, é natural de Caruaru, pastora, bacharel em Direito e presidente do PSD Mulher na cidade. Com o nome sugestivo “Caruaru é o meu país”, sua chapa é formada pelos partidos CD, PV, Solidariedade, PTC e PSD. Nas propostas de governo, as mulheres também só aparecem especificamente em quatro pontos: três no eixo Políticas para a Mulher, Juventude, Diversidade Étnica-racial e Idoso e uma no eixo Saúde.
Ingrid Marcella, candidata a vice pelo PT, também é natural da cidade. Ativista do Movimento Sem Terra, ela é educadora social de crianças e jovens. O partido, sem coligação, optou por um programa de governo construído coletivamente, porém até o momento não há publicação de propostas direcionadas às mulheres, seja por sugestões dos eleitores colaboradores, seja do próprio partido.
Valeria Pires é a vice pela UP, também sem coligação. Natural de Afogados da Ingazeira, ela é pedagoga, professora, militante do Movimento de Mulheres Olga Benário e presidente da legenda em Caruaru. Com uma pasta específica no eixo Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do caderno de propostas, 20 pontos são direcionados ao desenvolvimento de políticas públicas para as mulheres. Além disso, também são citadas nos eixos: Educação; Saúde; Direito à cidade, ao campo e qualidade de vida; e Desenvolvimento econômico e sustentável.
No plano de governo do Delegado Lessa, candidato do PP, única candidatura sem mulheres, há um tópico específico para as mulheres no eixo saúde e uma pasta de políticas públicas exclusiva para mulheres, além de quatro citações em outros eixos.
Apenas nos planos de governo do PSB e da UP há menções à população LGBTQIA+. Uma citação no primeiro e uma específica, com 12 propostas, no segundo. É fundamental que candidaturas defendam os direitos dessa população. Em Caruaru, existem algumas que se importam e estão dispostas a ocuparem a câmara na defesa da diversidade.
Ladja de Souza e Sofia Fragoso são dois nomes que têm pautado questões identitárias em seus projetos. Ladja de Souza, primeira mulher trans suplente do Conselho Municipal da Mulher de Caruaru, da Associação de Travestis de Caruaru, e a co-candidata Carla Felix, mulher trans, que fez parte do Conselho de Juventude Negra em Caruaru, foi secretária geral da UESC e secretária LGBT da UESPE, formam juntas a candidatura coletiva Transforma (PSOL). As duas e mais Sofia Fragoso (PCdoB), estudante e trabalhadora da área de moda, militante da UJS e travesti, são alternativas na luta pelos direitos das mulheres, população LGBTQIA+ e negra.
Iany Morais, 28 anos, candidata a vereadora de Caruaru em 2020, é estudante do curso de Comunicação Social no Centro Acadêmico do Agreste (CAA), campus interiorizado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e moradora do bairro Boa Vista I. Aos 15, iniciou a vida como militante quando estava no ensino médio, na Escola Estadual Nelson Barbalho. Na época, ela conheceu a União dos Estudantes Secundaristas de Caruaru (UESC) e participou de atos pelo direito ao Passe Livre, contra o aumento de passagens de transporte público, em defesa dos professores e também compôs o grêmio escolar e ajudou a formar outros em algumas escolas estaduais da cidade. Atualmente ela segue defendendo as pautas do movimento estudantil e é coordenadora-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFPE.
A estudante diz que nunca teve a pretensão de se candidatar a algum cargo político, nem teve o objetivo pessoal de ocupar a câmara ou qualquer parlamento. Somente com a participação em diversos movimentos sociais estudantis, de mulheres, por moradia e também o de trabalhadores foi que ela e outras pessoas sentiram a necessidade de ter um partido que, de fato, representasse seus anseios enquanto classe trabalhadora e juventude pobre. “A gente não se via mais nessa velha política, nesse velho jeito de fazer política”.
A Unidade Popular (UP), partido pelo qual Iany é candidata, foi criado justamente para suprir a necessidade de representação, conta ela. A legenda nasceu em 2019 com mais de 1 milhão de assinaturas de apoio.
O compromisso da candidata a vereadora de Caruaru, afirma, é fazer do mandato uma plataforma de luta pela educação pública de qualidade e por uma sociedade sem LGBTfobia. Também garantir o espaço institucional para ampliar as políticas públicas para negros e negras e para as mulheres. “Nós pensamos em criar projetos de combate à violência de gênero, ao racismo; campanhas de educação e conscientização na cidade, nas escolas; criar projetos que visem combater o desemprego e o extermínio na nossa cidade, como estágios remunerados, projeto de primeiro emprego”.
Um ponto importante citado por Iany é a natureza do partido do qual ela faz parte. Sua composição, comenta a candidata, reflete a realidade social, ou seja, a maioria de mulheres, pobres e pretos. Em Caruaru, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Unidade Popular tem 8 candidaturas, sendo 6 para a câmara de vereadores. Dentre elas, metade são de mulheres: duas pretas e uma parda.
A principal dificuldade enfrentada pela candidata na campanha são as questões financeiras. “A corrida eleitoral é muito injusta. Os partidos ricos conseguem chegar em mais lugares, fazem mais materiais de campanha”.
Por outro lado, ela considera como motivação ocupar a Câmara Municipal de Caruaru e trabalhar sem atender aos interesse de empresários que financiam outras candidaturas. Assegurar as propostas do programa de governo do partido é muito importante para a candidata, por isso ela faz a campanha com financiamento coletivo e vaquinhas online que ajudam a produzir material para a campanha, panfletos e adesivos, com o objetivo de atingir mais pessoas.
“Existem essas dificuldades que não se apresentam apenas em eleições, mas no ‘fazer política’ de maneira geral. Estamos cansados de esperar fazerem por nós. Há necessidade de organizarmos por nós mesmos, colocar nossas pautas e defender aquilo que acreditamos e é necessário para garantir nossas vidas.”
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* Especial produzido pela equipe de reportagem do Observatório da Vida Agreste (OVA), parceiro da Marco Zero Conteúdo, conta histórias e propostas de candidaturas de mulheres no interior de Pernambuco.
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