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Em Surubim, candidatas têm várias bandeiras e uma causa

Marco Zero Conteúdo / 02/11/2020

Maria Souza*

Em Surubim, cidade do Agreste de Pernambuco, a 118 quilômetros de Recife, dos 65.089 habitantes, 44.461 eleitores estão aptos a votar nas eleições municipais, no dia 15 de novembro. Desse total, as mulheres representam mais da metade: compõem 24.209 eleitoras na cidade.

Mas entre sete candidatos e candidatas disputando o executivo municipal, apenas duas são mulheres: Ana Célia Farias (PSB), concorrendo à reeleição para a prefeitura, e Bruna Lafayette (Republicanos) na disputa pelo mandato de vice-prefeita ao lado do ex-prefeito da cidade, Flávio Nóbrega. Já entre os 154 candidatos e candidatas à Câmara Municipal, apenas 50 são mulheres.

Vanessa Albuquerque

A cidade serve como bom exemplo de um cenário de poucos incentivos e barreiras históricas para as mulheres nas eleições municipais. Na disputa pela primeira vez ao cargo de vereadora na Câmara Municipal Euclides da Mota, Vanessa Albuquerque (PSB), psicóloga pós-graduada em Gênero, Desenvolvimento e Políticas Públicas, militante feminista e ex-diretora de Direitos Humanos do município, acredita que a Lei de Cotas seja uma reparação histórica, mas que ainda não contempla as demandas das mulheres na política. A lei obriga que o mínimo de 30% das vagas das pessoas que se candidatam sejam destinadas a mulheres ou homens. Na prática, o percentual mínimo é cumprido por candidaturas de mulheres.

“Acho que deveria ser 50%. E mesmo que fossem os 50% ainda não atingiria o necessário”, diz Vanessa, apontando para o cotidiano sobrecarregado das mulheres. “Temos que cuidar da casa, dos filhos, tem terceira, quarta, quinta jornada de trabalho. Temos responsabilidades que não são apenas políticas. No cenário nacional, as mulheres não ocupam nem 16% da política, então a minha luta é pela minoria sub-representada”, diz.

Vanessa Albuquerque vê no movimento feminista um meio de contestação de uma realidade na qual a dominação masculina se dá fortemente através dos partidos políticos. Sem uma maior fiscalização do poder público, eles continuam, aponta ela, usando a obrigatoriedade das candidaturas femininas para lançar candidatas “laranjas”.

A candidata ressalta que a própria população não é acostumada a votar em mulheres. “Foi um marco termos uma presidente, que mesmo assim sofreu um golpe. Lembro que quando lancei a candidatura questionei se era importante a presença da mulher na política. Teve gente, homens em sua maioria, que responderam que não. Mas aí tem as candidatas laranjas, que se candidatam porque alguém pede, e elas nem sequer sobem no palanque”.

Como prioridade política, caso seja eleita, Vanessa Albuquerque visa criar uma lei que proíba a nomeação para cargos públicos de condenados pela Lei Maria da Penha, Lei de Racismo e ou Lgbtfobia. “Tenho quarenta propostas pensadas para o público que defendo (mulheres, mães, negros, LGBTI+), além de um centro para as mulheres, a ampliação das creches. São minhas prioridades”.

Anabel Negromonte

Anabel Negromonte (Republicanos) também concorda que a Lei de Cotas é insuficiente. Ela é servidora pública, assistente social e concorre pela segunda vez a um mandato de vereadora. Eleita em 2016, tem como maior referência política a sua mãe, Inalda Maria Alves Negromonte. “Apesar dela não ter concorrido a nenhum cargo público, esteve presente em movimentos sociais e políticos na luta por direitos sociais”, conta. Anabel afirma que se reeleita, vai reforçar suas propostas apresentadas no mandato anterior, como a criação de uma casa de acolhimento para crianças, adolescentes e mulheres no município, bem como a criação de um programa de distribuição de medicamentos para a população mais vulnerável. O programa de vereança não está concluído, mas a candidata defende eixos voltados para saúde, acolhimento social e educação.

A ausência feminina nos espaços de poder não é uma “falta de interesse” por parte delas, como é várias vezes sugerido: existem barreiras estruturais que precisam ser superadas. Para Bruna Lafayette (Republicanos), candidata a vice-prefeita de Surubim, a pandemia trouxe esse cenário para uma maior evidência: o acúmulo de serviços domésticos e cuidados com as crianças sempre foram questões limitadoras para o desenvolvimento político das mulheres.

Bruna Lafayette

“No que se refere à pandemia, de fato os filhos em casa o dia todo, sem poder sair, sem escola, precisando de atenção para a realização de tarefas de aulas remotas, brincadeiras e gestão de refeições diárias consomem muito tempo, que antes seria dedicado à campanha, uma vez que boa parte do tempo eles estariam na escola”, diz.

Formada em odontologia, Bruna sempre teve exemplos políticos na família, tios prefeitos e deputados, avó vereadora e o pai que é atualmente vereador em Surubim. Foi coordenadora de saúde bucal, cargo de confiança da Secretaria de Saúde da cidade, e, em 2020, recebeu o convite para participar da parte estratégica de gestão e atendimento à população. Compõe a chapa dos Republicanos, partido que, no plano nacional, está na base de apoio do presidente Jair Bolsonaro.

Bruna Lafayette (Republicanos) defende em seu programa de governo a construção de creches, implementação do Programa de Incentivo ao Aleitamento Materno, fortalecimento do Programa de Prevenção dos ISTS/HIV/AIDS/hepatites virais; bem como ações para os setores da educação, cultura, esporte, lazer, desenvolvimento social e direitos humanos, governança participativa e transparente, infraestrutura e qualidade de vida, sustentabilidade e desenvolvimento político.

Na disputa pela reeleição, a prefeita Ana Célia Farias (PSB) defende, em seu programa de governo, o “empoderamento feminino”. Ele se dará, explica, por meio de ações articuladas que promovam qualificação profissional, geração de renda, atenção à saúde feminina, cidadania, autonomia e autocuidado, bem como ampliação de creches. “Como primeira mulher eleita prefeita de Surubim, assumi o compromisso de, em um segundo mandato, dar continuidade e aprimorar o desenvolvimento de políticas públicas que promovam o empoderamento feminino. Serão ações intersetoriais e articuladas, priorizando a qualificação profissional e geração de renda, ampliação das vagas nas creches, atenção à saúde feminina”, diz.

Com o objetivo de potencializar ações do mandato anterior, Ana Célia Farias (PSB) destaca que, além das ações do seu programa de governo, tem como proposta de reeleição a efetivação de projetos de acolhimento e inclusão para o público LGBTQIA+, fundamentados nos eixos de acolhida e cidadania.

Ela, ainda bem, é anti um bocado de coisa

Joelma Carla tem 22 anos, militante feminista, bissexual e defensora das políticas públicas para a juventude através do Instituto do Protagonismo Juvenil (IPJ), parte do coletivo de Mulheres Independentes de Surubim, do Rua Anticapitalista e da Rede LGBTI do interior de Pernambuco. É estudante de Letras pela URFPE e Biblioteconomia pela UFPE. E, desde 2019, codeputada estadual das Juntas (PSOL).

Joelma Carla, codeputada das Juntas

Terceira filha de pai e mãe agricultores, seu João e dona Josefa, ela nasceu no campo, zona rural de Bom Jardim (83 quilômetros de Recife) e chegou a Surubim em 2005, aos sete anos de idade. Desde então, fixou residência na cidade, localizada no Agreste de Pernambuco, a 118 quilômetros de Recife.

Reside em uma comunidade periférica da cidade, conhecida como Chã do Marinheiro. Em 2015, quando estava concluindo o ensino médio em uma escola pública, conheceu o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), por meio de um encontro de formação política. O curso durou três meses e tinha como eixo temático a reforma agrária, a luta dos camponeses e a democracia — já fragilizada naquele momento, segundo Joelma.

Esse encontro foi o pontapé inicial para que a jovem se identificasse com as bandeiras que mais tarde defenderia na política. “A minha consciência política, enquanto protagonista, enquanto jovem, mulher do interior, é pautada no feminismo, no antirracismo, na anti-lgbtfobia, pela luta do campo”, comenta.

A partir desse momento, Joelma sentiu a necessidade de fazer parte das lutas coletivas através da política institucional. Aos 18 anos, foi candidata as eleições municipais, em 2016, pelo PSOL, por não se sentir representada pelos vereadores eleitos para ocupar a Câmara Municipal de Surubim. Recebeu 29 votos, mas não desistiu. “Para mim não basta ser feminista, tem que ser uma mulher que traga outras para dentro da câmara de vereadores, que faça projetos de lei, que garanta os direitos das mulheres”.

Em 2017, começou a fazer parte da rede LGBTQI do interior de Pernambuco, uma rede que pensa a política pública para LGBTQI do interior do estado, e ingressou no coletivo de mulheres independentes de Surubim.

Secretária de comunicação do Psol-Pernambuco, representando Surubim, Joelma recebeu um convite: fazer parte do primeiro mandato coletivo de Pernambuco, as Juntas. Ao lado de Carol Vergolino, Jô Cavalcante, Kátia Cunha e Robeyoncé Lima, foi eleita com 39.175 votos para a Assembleia Legislativa de Pernambuco.

Segunda a codeputada, as mulheres, no mundo político institucional, enfrentam o machismo estrutural tanto na campanha quanto no mandato. “Eu particularmente sinto o preconceito geracional. Como é possível uma menina tão jovem estar na política? Se portar tão bem? Fazer uma fala tão contundente, muito afirmativa? Eu sempre digo, qual é a diferença entre uma mulher com os seus trinta anos e uma aos seus vinte e dois? Por que não posso fazer isso?”.

Como militante e defensora dos direitos das mulheres, Joelma acredita que, tanto no cenário municipal quanto no nacional, o feminismo é o caminho para que mais mulheres ocupem cargos nas bancadas. “Queremos paridade de gênero, queremos reconhecimento. Para mim, enquanto mulher, jovem e do interior, não dá mais para pensar em construir política sem pensar no feminismo”.

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  • Especial produzido pela equipe de reportagem do Observatório da Vida Agreste (OVA), parceiro da Marco Zero Conteúdo, conta histórias e propostas de candidaturas de mulheres no interior de Pernambuco.
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