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Nakba continuada: a catástrofe do apagamento

Marco Zero Conteúdo / 15/05/2025
A imagem mostra uma grande multidão de pessoas reunidas em uma área aberta próxima à praia. Trata-se de milhares de palestinos retornando para suas casas em Gaza. Uma cerca separa o grupo em duas partes, com muitas pessoas de um lado e algumas do outro. Ao fundo, vê-se a praia e o mar, além de alguns prédios ao longe. Muitas pessoas carregam mochilas e sacolas, e algumas estão sentadas ou deitadas no chão. Entre a multidão, há uma bandeira palestina visível.

Crédito; Instagram/@rihabcharida

por André Frej Hazineh*

77 anos.

77 anos de limpeza étnica. 77 anos de segregação. 77 anos de silenciamento. 77 anos de apagamento.

Pausa.

Contem até sessenta e façam um minuto de silêncio. Agora imaginem, se possível for, a eternidade do silenciamento.

Assim, como um sopro, pode ser resumida a história da Questão Palestina a partir do início da Nakba, cujo significado extrapolou a tradução literal da palavra – catástrofe – e assumiu contornos de barbárie continuada.

Mais do que isso, o atual genocídio insolente e interminável na Faixa de Gaza evidenciou a necropolítica deliberada do projeto colonial sionista de apagamento da memória coletiva de um povo nativo sobrevivendo em seu próprio território.

E esse apagamento vem sendo aperfeiçoado ao longo das últimas décadas, a ponto de identificarmos camadas de sustentação em vários níveis.

Antes de mais nada, há um elemento de caráter particular que nos afeta nesse processo de apagamento que é o silenciamento intencional das pessoas identificadas no espectro do bolsonarismo, notadamente nos círculos familiares, laborais e sociais, cuja indiferença ao holocausto do povo palestino é comparável ao comportamento de parcela da população alemã que, anos mais tarde, não pôde alegar insciência das atrocidades cometidas nos campos de concentração.

A camada seguinte desse apagamento proposital, permancendo ainda nos limites da Terra Brailis, encontra ressonância, por mais paradoxal e dissonante que possa parecer, no universo da pretensa esquerda brasileira, inerte, imobilizada e vergonhosamente alheia ao martírio do povo palestino, ressalvadas as honrosas exceções.

Quando se trata das estratégias adotadas pelo movimento colonial, racista e supremacista sionista de apagamento de quaisquer resquícios civilizatórios da presença do povo originário palestino em seu próprio território, o primeiro estrato remonta ao surgimento do próprio sionismo, o qual utilizou o aparato da propaganda – enganosa por supuesto – para difundir a mentira de que a Palestina histórica seria uma terra sem povo.

                               Interessante notar que o sionismo precede ao nazismo não apenas na utilização da propaganda como arma de guerra mas também é esta vertente do fascismo que inaugura a ideia perversa de supremacismo, ao pretender subjugar uma nação inteira, apagando a história e desenraizando a relação ancestral do povo palestino com sua terra.

Foto em preto e branco de uma multidão caminhando em fila indiana por uma estrada de terra que corta uma área desértica. A maior parte são mulheres e crianças, mas se vê um homem magro na foto, usando roupas escuras. Em primeiro plano, uma mulher carrega um grande fardo sobre a cabeça, tendo ao lado esquerdo uma adolescente levando uma trouxa de roupas na mão. O grupo passa por um carro antigo, claramente danificado.

Palestinos expulsos de suas casas pelas forças de Israel, em 1948

Crédito: autor desconhecido

A propaganda se torna, principalmente após a Segunda Guerra, o instrumento de sustentação da colonização estrangeira da Palestina, quando a indústria cultural assume um papel protagonista na difusão da narrativa farsesca sionista, construindo a imagem de vitimização de eurojudeus e eurojudias e de desumanização do heroico povo palestino.

Paralelo ao estrato da propaganda, o apagamento midiático no mundo ocidental revela o controle absoluto dos meios de comunicação por parte do capital judaico-sionista, explicitado no atual genocídio em Gaza, uma tragédia humanitária que não está sendo televisionada, muito pelo contrário, a narrativa (necessário repetir ininterruptamente) desumaniza a população civil palestina.

Esse controle se dá, também, nas redes sociais através dos mecanismos de censura das publicações que denunciam os crimes de lesa humanidade cometidos pelo estado terrorista de “israel”, bem como da limitação na visualização destes conteúdos.

Para se ter um panorama dessa militância nociva das big techs, cito como exemplo a página do coletivo Aliança Palestina Recife no Instagram, cujo alcance das postagens a partir de outubro de 2023 reduziu drasticamente.

Noutra frente de atuação, o lobby sionista consegue, insidiosamente, através da aprovação de leis nos parlamentos, silenciar e criminalizar todas as vozes que se opõem ao projeto de colonização da Palestina, sob o pretexto de que a crítica à necropolítica do estado genocida de “israel” configuraria antissemitismo, uma cantilena deslegitimada pela própria comunidade judaica ao redor do mundo, que desaprova a utilização indevida da expiação da Segunda Guerra em nome de um regime de apartheid mais abjeto do que o próprio nazismo.

Nesse sentido, registre-se, o Projeto de Lei nº 472/2025, de autoria do Deputado bolsonarista e ex-ministro genocida, Eduardo Pazuello, objetiva justamente criar uma mordaça, silenciar as poucas vozes que ainda insistem em denunciar as violações dos direitos humanos perpetradas pela entidade nazissionista.

Destaque-se, ainda, o silenciamento institucional que ofende a dignidade do povo palestino, desvendado no descumprimento sistemático pelo (do)ente sionista das inúmeras resoluções da Organização das Nações Unidas e a inércia inverossímil da ONU diante da limpeza étnica continuada da Palestina, em função não apenas do poder de veto do maior financiador do genocídio do povo palestino, os Estados Unidos, mas da cumplicidade da maioria dos países do Sul Global e do Ocidente decadente, cujas lideranças se restringem a emitir declarações públicas que, na prática, reforçam o apagamento a que é submetido o povo palestino desde 15 de maio de 1948.

Por último, destaque-se uma camada subliminar desse apagamento com metodologia sistematizada.

Sabe-se, há muito, que o sionismo se imiscuiu no seio da igreja cristã para amealhar apoio teo-ideológico ao seu projeto de usurpação do território palestino. Como consequência, tanto nas denominações pentecostais e neopentecostais, quanto nas comunidades carismáticas do catolicismo romano, bem como em algumas igrejas protestantes históricas, as ultrajantes lideranças religiosas, aleivosamente, associam o estado colonial sionista ao Israel das Escrituras para justificar o horror e a barbárie: perversão. E tem mais uma novidade nessa aliança mefistofélica: através de um negacionista revisionismo histórico intenta-se eliminar a palestinidade do Jesus histórico (assumiu a condição humana) que se fez Cristo Pantocrático (assumiu a forma divina).

Pausa.

                               77 anos de apagamento. 77 anos de silenciamento. 77 anos de segregação. 77 anos de limpeza étnica.                                                                                                                                                                                                          77 anos. Uma eternidade.

77 anos de luta anticolonial palestina. 77 anos de resistência do povo palestino.

77 anos de história de um povo resiliente que inspira mentes e corações nos quatro cantos da terra a levantarem a voz contra o apagamento do que nos restou de humanidade: Viva a Resistência Palestina ! Vivas ao heróico povo palestino !

Recife, 77 anos de Nakba

Esta foto mostra uma menina pequena, de pele clara e cabelos cacheados castanhos, sorrindo para a câmera enquanto faz o gesto de paz com os dedos (o “V” de vitória) com a mão direita. Ela está em um ambiente externo, onde o chão é de entulho e pedras, sugerindo uma área que sofreu destruição. Ela veste uma camiseta vermelha com o desenho do mapa da Palestina em amarelo no centro. Sobre o mapa, está escrita uma frase em árabe que diz: فلسطين حرة (Palestina livre). Ela também usa uma calça jeans azul e acessórios como um relógio rosa no pulso esquerdo e um colar. Atrás dela, há um muro com uma frase em árabe escrita com tinta vermelha, que diz: “Deus é o maior acima da maldade do agressor.”

"Deus é maior que o grande agressor" é a frase que se lê no muro atrás da criança

Crédito: Instagram @wearthepeace

*Filho da Diáspora Palestina, é coordenador de Relações Institucionais do coletivo Aliança Palestina Recife

AUTOR
Foto Marco Zero Conteúdo
Marco Zero Conteúdo

É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.