Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
E-mail de hospital público da Paraíba de onde partiu ameaça foi hackeado
Ameaças explícitas de morte, racismo, exposição de dados pessoais e extorsão. Nada disso parece ser motivo suficiente para as autoridades brasileiras tentarem descobrir quem está por trás dos ataques virtuais ao professor e militante comunista Jones Manoel. Desde meados de agosto, o ativista que ganhou notoriedade no debate público ao defender as propostas da esquerda radical tenta descobrir quem o está ameaçando e qual é o real nível de risco que está correndo.
Logo depois da primeira ameaça, feita no dia 20 de agosto por um e-mail da prefeitura de Porto Velho, os advogados que, voluntariamente, prestam assistência jurídica ao ativista político, solicitaram ao Ministério Público Federal (MPF) que acionasse a Polícia Federal para investigar o caso.
Alguns detalhes do conteúdo enviado assustaram as pessoas no entorno de Jones. Quem enviou a mensagem sabia, por exemplo, os tipos das vacinas contra a covid que o ativista tomou, além de números e horários de voos de, pelo menos, sete viagens que ele realizou. Mesmo assim, o MPF transferiu a responsabilidade para o Ministério Público estadual de Rondônia.
Em nota enviada a MZ, o MPF confirmou que “declinou da competência ao Ministério Público do Estado de Rondônia conforme entende jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido que a competência para julgar tais fatos é do local de onde partiram as falas racistas”. Há, no entanto, a possibilidade de um órgão colegiado interno, a câmara criminal do MPF, reavaliar a decisão tomada inicialmente.
Já o Ministério Público de Rondônia (MPRO) sequer respondeu aos questionamentos se havia alguma investigação em curso em relação ao assunto. Além de tentar contato por telefone, foram enviadas perguntas para dois endereços eletrônicos institucionais da assessoria de comunicação, informados no site do MP, e via mensagem direta para o perfil do MPRO no Instagram.
Na madrugada de 18 de outubro, novas ameaças de um grupo autointitulado o braço brasileiro da Atomwaffen Division, grupo neonazista fundado há 10 anos no sul dos Estados Unidos, chegaram à caixa postal de Jones Manoel. Desta vez, os autores das ameaças, ridicularizaram a tentativa de pedir a ação da PF:
“Negrinho… Acha mesmo que a bosticia federal dessa latrina chamada Brasil (narco estado cheio de macacos levando vantagem) conseguiria fazer o mínimo de dano que seja na nossa organização com a operação extremamente protegida e bem reforçada? A real é que você mexeu com fogo, seu macaco feio. Teve a chance de pagar na vez anterior e foi chorar na televisão”, diz a mensagem enviada de um e-mail institucional de uma funcionária do Hospital Regional de Pombal, no sertão da Paraíba.
“E agora, que o e-mail usado foi do governo da Paraíba, o MPF vai dizer que a investigação ao MP da Paraíba?”, questionou Jones Manoel.
Em 2022, a antropóloga Adriana Magalhães Dias apresentou o resultado de um estudo apontando que, durante o governo Bolsonsaro, a quantidade de grupos neonazistas no Brasil cresceu 270,6%, chegando a 530 núcleos que reuniam pelo menos 10 mil pessoas. A partir do mapeamento de Dias, a assessora técnica do CNDH e mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Érica Del Giudice, acredita que os dados completos sugerem que, “a partir das manifestações contra Dilma Rousseff, em 2013, até a posse de Bolsonaro, a taxa de crescimento foi de 1.400%”.
Se alguma força policial tivesse iniciado a investigação teria constatado o que a equipe da Marco Zero descobriu com um simples telefonema para o hospital em Pombal, onde a notícia de que o e-mail de Vanderlangia de Oliveira Sá, uma funcionária do setor administrativo que não costuma usar computador, foi recebida com perplexidade.
De acordo com Cácio Roberto Pereira de Queiroga Filho, assessor jurídico do hospital, ao ser informada pela MZ, a servidora pública tentou acessar a sua caixa postal, mas não conseguiu. Seu e-mail havia sido hackeado.
“Acionamos então o setor de T.I da Secretaria Estadual de Saúde, que constatou a troca da senha por terceiros, e devolveu o acesso ao e-mail à funcionária. Entre as mensagens enviadas, encontramos aquela usada para ameaçar o rapaz”, explicou o advogado. A funcionária e a direção do hospital registraram ocorrência na delegacia de Pombal.
No caso da ameaça enviada por um e-mail da prefeitura de Porto Velho, tudo sugere outra ação de hacker. Leone Augusto Bezerra Leitão, o dono da conta usada pela “Brigada Hitlerista Attomwaffen Brasil” é um arquiteto que ocupa um cargo de coordenador no Senai rondoniense, sem qualquer ligação aparente com grupos nazistas. Algumas consultas ao Google e ao Diário Oficial de Porto Velho bastaram.
Para o advogado Wilmo Gonçalves Júnior, do escritório que representa Jones Manoel, os novos indícios de que as contas usadas foram hackeadas reforçam a necessidade de uma investigação federal. “Está caracterizada a extra-territorialidade do crime cometido, é óbvio que esse caso precisa estar nas mãos da PF, que, inclusive, é responsável por várias operações que desmantelaram grupos neonazistas com articulações em vários estados”, defende.
De acordo com Wilmo Júnior, no próximo dia 30 de outubro, os advogadores de Jones irão a Brasília para uma reunião com representantes dos MPF. Eles contarão com o apoio do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). O conselheiro e relator da comissão especial para o Enfrentamento ao Discurso de Ódio e Crescimento do Neonazismo no Brasil, Carlos Nicodemos, pediu a inclusão de Jones Manoel no programa federal de proteção.
“Pelos elementos que foram colocados na ameaça, trata-se de uma demanda internacional, não só por ter sido praticado no âmbito da internet com indícios de internacionalização”, argumentou Nicodemos. O Attomwaffen Division é considerada uma organização terrorista pelo Reino Unido, Canadá, Itália, Austrália, Estônia e Áustria. Segundo ele, por essa razão, o Conselho insistiu junto ao MPF que “chame para si essa responsabilidade de promover a investigação centralizada desses ataques que são sucessivos e contínuos”.
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania publicou nota anunciando que a equipe do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas está “acompanhando as denúncias” e mantendo “interlocução com as autoridades competentes e com as partes envolvidas”.
Jornalista e escritor. É o diretor de conteúdo da MZ.