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No Brasil para lançar documentário, pai de Julian Assange agradece empenho de Lula para libertar seu filho

Marco Zero Conteúdo / 01/09/2023
Em ambiente mal iluminado, homem idoso, calvo e de barbas brancas, fala ao microfone, sendo observado por mulher de perfil, na sombra. Acima dele, há um painel onde se lê Cinema da Fundação.

Crédito: Karla Veloso/Fundaj

por Giovanna Carneiro e Jorge Cavalcanti*

Quatro anos, quatro meses e 20 dias separam a data da prisão do jornalista australiano Julian Assange, fundador do WikiLeaks, site dedicado a publicar documentos e informações governamentais confidenciais, da presença do seu pai, John Shipton, na pré-estreia no Recife do filme Ithaka: a luta de Assange. Shipton é um senhor de 78 anos, alto, magro e sereno que, há mais de uma década, se dedica à campanha global pela inocência e liberdade do filho. Na quinta-feira (31), ele conversou com a reportagem da Marco Zero Conteúdo. Na entrevista, agradeceu e destacou o apoio que tem recebido de setores e lideranças de países da América Latina, em especial o Brasil e o presidente Lula. Antes de ser preso, Assange passou sete anos asilado na embaixada do Equador em Londres. 

Para além do sacrifício de um pai em favor do filho, Ithaka: a luta de Assange é uma história sobre poder, política e (in)justiça. O jornalista viveu todo o período do asilo em um imóvel, sem pôr os pés na rua uma única vez, grampeado pelo serviço secreto dos Estados Unidos e aliados. A detenção do fundador do WikiLeaks e vencedor de 26 prêmios internacionais em favor da transparência não está relacionada às publicações, mas à acusação de abuso sexual feita contra ele por duas mulheres na Suécia. A investigação correu sob sigilo e a defesa de Assange acredita que a denúncia faz parte de um plano maior para enfraquecê-lo diante da opinião pública: personalizar o debate ao mesmo tempo em que desvia o foco dos crimes de guerra revelados ao mundo. 

O mais impactante deles é um vídeo de 2007 em que, de um helicóptero Apache, soldados disparam contra um grupo de civis no Iraque, matando 12 pessoas, entre elas dois jornalistas da agência de notícias Reuters (vídeo abaixo). Julian Assange foi fundamental na divulgação de crimes de guerra também no Afeganistão, onde as forças norte-americanas são acusadas de matar mulheres e crianças que não tinham relação com o conflito.

Desde a fundação em 2006, o WikiLeaks desnudou segredos militares, políticos e diplomáticos. Entre eles, os arquivos do centro de detenção da base de Guantánamo, localizada ao sul de Cuba, que  continham o registro de métodos de tortura para obter informação de presos sem vínculo com o terrorismo. 

A luta de Julian Assange e sua família agora é para que o jornalista não seja extraditado para os EUA, onde responde a 18 acusações por espionagem. Em janeiro de 2021, um juiz do Reino Unido rejeitou – por ora – o pedido de extradição com base no atual estado de saúde mental de Assange. A decisão não chega a ser necessariamente uma vitória porque não avalia o mérito da argumentação dos EUA. 

Prisão é prisão em qualquer lugar do globo. Na que o jornalista está detido, em um mês, três suicídios e um assassinato foram registrados. Por um longo período, durante o momento mais crítico da pandemia da covid-19, ele passou 23 horas e meia trancafiado numa cela minúscula, sem luz solar. Recebia comida através de uma brecha por onde mal passa um prato. “Meu maior medo é que ele desmorone mentalmente”, conta John Shipton, no filme. A obra evidencia que o encarceramento não é o lugar para onde vão apenas os criminosos, mas também os indesejados, como Julian Assange.

Caso o jornalista seja extraditado aos EUA e condenado, nunca mais vivenciará a liberdade. A pena pode chegar a 175 anos de prisão em unidade de segurança máxima. Será a primeira vez na história dos Estados Unidos que alguém será responsabilizado criminalmente por algo assim, desconsiderando a Primeira Emenda da Constituição do país, de 1791, que impede a violação a seis direitos fundamentais; entre eles, a liberdade de imprensa.

Perfil reservado, agenda pública

Embora seja uma pessoa discreta, tímida até, John Shipton mantém uma intensa agenda de compromissos para um homem na sua idade. “O que mais eu poderia fazer? Quando se tem um filho ou uma filha, você não tem escolha”. Recife foi a quinta e última cidade no roteiro do pai de Assange na visita que fez ao Brasil. Antes, passou por Brasília, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.

Na capital pernambucana, além de conversar com a Marco Zero por cerca de 15 minutos, com horário previamente agendado, ele visitou a Assembleia Legislativa, onde se reuniu com parlamentares do campo progressista. No sábado (2), retorna à Austrália, onde mora com parte da família e uma filha criança. 

A menina sente a ausência quando o pai precisa encarar períodos longe de casa, que John define no filme como “o palco armado para o teatro da vida”. John também é afetado pelo tempo precioso que deixa de vivenciar a infância da filha para se dedicar a outro filho, agora com 52 anos e precocemente envelhecido pelo cárcere.

Consciente das consequências que a extradição e condenação de Julian Assange representam para o livre exercício da imprensa no mundo, John Shipton revela a satisfação de ser bem acolhido na América Latina. “Há vários países que têm nos apoiado, mas principalmente Brasil, Chile, México, Grécia, todos esses países, que têm sofrido devido a ditaduras, invasões, mudanças de governo, estão na linha de frente no apoio a Julian”, avalia Shipton. 

O protagonismo do Brasil nos desdobramentos do caso Assange está relacionado à eleição do presidente Lula, que defendeu publicamente o jornalista em mais de uma ocasião. “Sua prisão vai contra a defesa da democracia e da liberdade de imprensa”, publicou Lula nas redes sociais. Para Shipton, o presidente Lula é um dos governantes mais famosos hoje. “O que quer que ele faça nas relações diplomáticas com os países afeta o mundo. As pessoas escutam ele, as pessoas tomam nota do que ele faz. Em Londres, Lula mencionou o caso de Julian Assange e isso repercutiu”, destaca. 

“Só posso notar amor e gratidão que os jornalistas do Brasil têm por Julian e pelas publicações do WikiLeaks, que ajudaram cidadãos brasileiros a compreender a posição dos Estados Unidos enquanto uma nação que pratica suborno, coerção e influencia os negócios e as relações políticas no Brasil”, complementou.

Aplausos de pé em sessão lotada

Assim que as luzes foram acesas, após a exibição da película de uma hora e 46 minutos de duração, John Shipton adentrou a sala do cinema da Fundação Joaquim Nabuco, no Derby, área central do Recife. Vestindo calça e paletó do mesmo tom escuro em que é retratado no material de divulgação do filme, com a diferença que agora mantém uma barba grisalha, ele foi aplaudido de pé pelas pessoas que ocuparam as 160 cadeiras da sala. 

O pai de Assange sentou numa das sete cadeiras dispostas sobre o tablado, entre a telona e a plateia, para participar de um debate sobre democracia e liberdade de imprensa como direito. Ouviu mais do que falou. Quando o fez, manteve o tom sereno que o acompanha até nos momentos mais difíceis retratados no filme. Durante o debate, sua postura ratificou a confiança que havia expressado para a Marco Zero algumas horas antes:

“Isso vai ter um fim e ele vai retornar para sua esposa e filhos, eu sinto, que isso está chegando ao fim”.

  • Trailler do filme:

*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã.

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Marco Zero Conteúdo

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