Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Foto: Elisa Cappai Tavares / Greenpeace
O Dia da Amazônia, celebrado anualmente no 5 de setembro, nunca foi tão oportuno. Em meio a uma inédita crise internacional provocada tanto pelo recorde de incêndios florestais criminosos quanto pelo desmantelamento da estrutura de fiscalização, finalmente a data está servindo aos fins para o qual foi criada: estimular a reflexão sobre a região e ressaltar sua importância para o equilíbrio climático do planeta.
Duas semanas após a crise atingir dimensões globais, os atores sociais e políticos da região estão no centro do debate sobre os impactos e a busca de soluções para a sustentabilidade do lugar onde vivem.
Ex-governador do Pará, o economista Simão Jatene (PSDB) lamenta que “só episodicamente, e diante de algum fato crítico, a Amazônia entra na agenda nacional e desperta a atenção global”.
Jatene afirma que já é tempo de reconhecer “que a Região sempre foi vista como um grande vazio, pronta a servir interesses externos, nacionais e internacionais. É preciso humildade e coragem para rejeitar os estereótipos e perceber que, aqui, se impôs um padrão de desenvolvimento, equivocado, predatório e excludente, que terminou por reproduzir a velha lógica colonial extrativista, na qual a maior parte do excedente gerado na produção local se realiza fora das suas fronteiras”.
Jatene afirma que garantir a “a condição natural da Amazônia como grande prestadora de serviços ambientais em escala planetária e, ao tempo, base material de vida digna para as pessoas que aqui moram, não pode ser uma escolha, opção ideológica ou política dos governantes da ocasião ou de quem quer que seja”.
Por que 5 de setembro?
Essa foi a data em que o imperador Dom Pedro II decretou a autonomia da província do Amazonas, até então parte da província do Grão-Pará. O território original incluía também o que hoje é o estado de Roraima.
O cientista político e professor de Políticas Públicas e Políticas Sociais da Universidade Federal do Pará (UFPA), Edval Bernardino Campos, faz coro com o ex-governador. Ele avalia que, com poucas exceções, mais uma vez a questão das condições de vida da população não entrou em discussão.
“Nós estamos falando da região cuja população pobre é mais vulnerável do Brasil e, talvez, das Américas. Em nenhum outro lugar do Brasil, há tanto abandono e tamanha desassistência. Não fazer, não atender e não proteger é uma política. Não ter política é uma política. Esses grupos populacionais com uma exuberante heterogeneidade étnica estão sendo dizimados. E isso é deliberado, é proposital”.
Edval explica o uso do adjetivo “proposital” citando a dificuldade de interlocução desses grupos mais vulneráveis: “Quilombolas, indígenas e caboclos ribeirinhos não integram o conjunto de interlocutores históricos do poder, não são grupos urbanos com acesso à mídia. Esses grupos são indesejáveis porque ocupam territórios cobiçados”.
Para o professor, quando um general ou o próprio presidente diz que “índios precisam garimpar”, estão, na verdade, enviando uma mensagem que oculta a verdadeira mensagem, que está abaixo da superfície. “Ele quer dizer que o índio precisa ser produtivo dentro dos nossos referenciais, mas o referencial do indígena é outro, completamente diferente e indesejável”.
Na esfera não-governamental, o coordenador da ONG Fase na Amazônia, Guilherme Carvalho, faz um relato dos impactos provocados pelo desmatamento e pelas queimadas no cotidiano dos moradores da região.
Os relatos de Guilherme transmitem como está a vida das pessoas comuns nas cidades amazônicas. Apesar de assustadores, o economista e professor de Gestão Ambiental do Núcleo de Estudos do Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará (NUMA/UFPA), André Cutrim Carvalho, acredita que a solução é possível. Estudioso da expansão agropecuária na região, ele explica que “o desmatamento está relacionado ao modelo de produção extensivista e modernização da agricultura e pecuária, gerando maior produtividade”.
A mudança desse quadro seria possível com a substituição da pecuária extensiva pela intensiva, que usa espaços menores e não implica em substituição da mata por pastos. “E isso requer tecnologia, assim como o aproveitamento econômico e sustentável da floresta em pé também requer em ciência e tecnologia”, explica o professor.
Foi investindo na tecnologia que o Pará se transformou, nos últimos anos, em referência mundial quando o assunto é monitorar o desmatamento e as queimadas.
Na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015, o Pará assumiu o compromisso de, em 2030, contar com 200 mil propriedades rurais cadastradas, ou 80% do estimado. Em novembro de 2018, a meta já estava ultrapassada: já eram 201.384 o total de imóveis no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Em um estado como o Pará, realizar qualquer mudança na gestão ambiental seria tão importante e urgente quanto complexo, afinal o estado com uma área de quase 1.248.000 quilômetros quadrados– do tamanho de países como Peru ou Angola, por exemplo – ainda tem a maior taxa de desmatamento da Amazônia Legal Brasileira, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
E o instrumento para isso é o Cadastro Ambiental Rural (CAR), imprescindível para a regularização ambiental de propriedades e posses rurais e que implica no levantamento de informações georreferenciadas de cada imóvel.
O Pará esenvolveu uma ferramenta que recebeu o nome de Lista de Desmatamento Ilegal (LDI), um sistema automatizado de acompanhamento e controle do desmatamento, com uso dos dados do CAR e de imagens de satélite com precisão de até três metros de distância da área monitorada. Uma rede de 150 nanossatélites (satélites artificiais com peso menor do que 10 quilos) garante a alta resolução das imagens, superior àquela exigida pelo Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).
O LDI funciona assim: todas as vezes em que os satélites flagram uma nova área desmatada em uma propriedade, um aviso é disparado imediatamente por meio eletrônico para as autoridades, principalmente os Ministérios Públicos Estadual e Federal, a própria Semas, a Funai, o Ibama e para os municípios. A atualização ocorre a cada 24 horas. O sistema fornece até qual o caminho mais rápido para se chegar à fazenda onde está se desmatando, se por terra (e por qual rodovia) ou por barco.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.