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Engorda com areia do fundo do mar salvou praias de Jaboatão (Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo)
Às 9h da terça-feira, 18 de fevereiro, a prefeitura de Jaboatão dos Guararapes abrirá as propostas das empreiteiras dispostas a realizar uma obra orçada em até R$ 8,5 milhões e que põe em risco a engorda da praia que custou R$ 41,5 milhões e, desde 2013, contém os efeitos da erosão provocada pelo mar.
O edital de licitação, lançado em meados de janeiro, prevê a requalificação da orla entre as avenidas Barreto de Menezes e Aniceto Varejão, na altura da curva do SESC. São mais de dois quilômetros nos quais a faixa de areia acrescentada pela engorda chega ao muro dos prédios construídos rente à praia. O valor máximo aceitável para a obra é R$ 8.495.508,49.
Nesse caso, “requalificação da orla” significa a construção de um calçadão ligando os trechos já existentes em Piedade e Candeias. Esse trecho nunca pôde ser construído porque, até a engorda acontecer, o mar havia destruído completamente a faixa de areia e ameaçado a estrutura dos edifícios. A maior parte dos mais de R$ 40 milhões gastos nas obras da engorda vieram do Governo Federal.
O problema é que construir sobre a areia da engorda pode ser inviável.
A Marco Zero Conteúdo teve acesso a um relatório elaborado pela consultoria contratada pelo Governo do Estado para apontar alternativas para proteger o litoral da Região Metropolitana do Recife da erosão e fazer os estudos de viabilidade da engorda da praia. As recomendações da Coastal Planning & Engineering, empresa norte-americana cuja sede brasileira está em Florianópolis, não poderiam ser mais claras:
“Após
a execução da obra não se deve construir nenhum tipo de estrutura
rígida sobre o engordamento. Não é recomendado em hipótese alguma
a construção de calçadões, muros de contenção, quiosques,
calçadas, quadras esportivas, estruturas arquitetônicas, etc. (…)
O sedimento colocado faz parte da faixa dinâmica da praia e a
construção de estruturas rígidas não é condizente com a forma e
a estabilidade que se almeja do engordamento proposto depois de
equilibrado. Após execução da obra, a praia passa por um longo
período de retrabalhamento de sedimentos até atingir a sua forma de
equilíbrio, o que significa que a praia irá passar por mudanças
contínuas em sua dinâmica sedimentar após a execução da obra.”
O coordenador da equipe responsável por esse parecer afirmou que o conteúdo do relatório de 2011 continua válido. Na época, o oceanógrafo e doutor em Engenharia Ambiental Rodrigo Barletta trabalhava na Coastal do Brasil.
“Com base no conhecimento científico acumulado a partir de obras semelhantes em vários locais do mundo, recomenda-se que nada seja pavimentado sobre a praia engordada. Caso seja feito, é um tiro no pé, pois gasta-se um dinheirão para fazer os estudos e para fazer a intervenção. A praia é móvel, é instável, como construir uma estrutura rígida sobre algo móvel?”, questiona o oceanógrafo.
Professor de morfodinâmica e geologia costeira no curso de Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Pedro de Souza Pereira, estuda praias há duas décadas. Quando a obra da engorda da praia de Jaboatão estava prestes a começar, ele era professor e pesquisador da UFPE, onde lecionou até 2018. Na época, foi um dos consultores acadêmicos que acompanhou a elaboração do projeto.
Ao saber da intenção da prefeitura de Jaboatão, Pereira foi enfático: “Se essa obra sair do papel, será uma tragédia, para dizer o mínimo. É um ato de ignorância, de falta de conhecimento e de zelo pelo dinheiro público. O município tinha apenas 300 metros de praia, passou a ter quase seis quilômetros após a engorda. Essa obra pode fazer tudo voltar à estaca zero”.
Pereira explica que, se havia a intenção de construir um calçadão de 10 metros de largura, essa informação teria de ser repassada para o projetista que, por sua vez, acrescentaria 10 metros na faixa de areia da engorda.
Para ele, se por alguma razão política o Estado se ver obrigado a aprovar o calçadão, só há uma saída técnica: “É preciso adicionar mais areia para compensar aquilo que seria impermeabilizado com o calçadão”.
Inicialmente,
a assessoria de comunicação da prefeitura de Jaboatão dos
Guararapes informou por telefone que o edital de licitação foi
lançado apenas para ganhar tempo, possibilitando a contratação de
uma empresa antes de 4 de julho. A partir desta data, de acordo com a
legislação eleitoral, os municípios serão impedidos de firmar
novos contratos.
Segundo a assessoria, a decisão de realizar a obra ainda não estava tomada, pois os estudos de impacto sequer tinham sido realizados. Em seguida, a prefeitura enviou uma nota oficial com maiores detalhes:
“A Prefeitura do Jaboatão dos Guararapes informa que não recebeu qualquer comunicado oficial da Semas. O projeto de requalificação da orla está na fase de estudo junto com outros órgãos ligados ao meio ambiente para avaliar a viabilidade e os impactos ambientais. A decisão sobre a obra será definida após a conclusão do referido estudo.”
Apesar
de, publicamente, a prefeitura de Jaboatão informar não haver nada
certo sobre a obra, pouco antes
de publicar o edital de licitação, a
equipe do município fez uma
apresentação detalhada do
projeto para a
Comissão Técnica Estadual da
Orla, composta
por especialistas de organismos estaduais e federais com atuação na
política costeira em Pernambuco. Na
ocasião, foram exibidas imagens de um calçadão com quiosques,
bancos, postes e palmeiras.
Na nota, os técnicos alertam que o licenciamento ambiental do município não será o bastante: “cabe à Agência Estadual de Meio Ambiente [CPRH] a emissão do licenciamento ambiental, uma vez que as intervenções propostas (…) são caracterizadas como obras costeiras, e que também pode acarretar no processo de erosão costeira, e/ou provocar a erosão nas áreas adjacentes, gerando o conhecido efeito dominó, o que implica em um impacto ambiental em escala regional. (…) cabe ao licenciamento ambiental municipal somente as tipologias consideradas de impacto local”.
A iniciativa de Jaboatão deixou os gestores da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semas) numa saia justa. Como o prefeito Anderson Ferreira (PL) faz oposição ao governador Paulo Câmara (PSB), os responsáveis pela pasta evitaram se posicionar contra o projeto. Havia o risco disso ser usado politicamente pelo prefeito. O corpo técnico da secretaria passou a pressionar para tentar impedir a concretização da proposta. Por essa razão, uma nota técnica elaborada pela gerência de Política Costeira foi enviada ao Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.