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Números da covid em Pernambuco melhoram, mas protocolos de segurança estão desatualizados

Maria Carolina Santos / 02/09/2021

Crédito: Daniel Tavares/PCR

Os números mostram a pandemia do novo coronavírus em queda em Pernambuco. A ocupação de leitos para covid-19 está em 35%, com 37% nas UTIs e 33% nas enfermarias. Há dez dias a média móvel de casos segue caindo. Hoje, é de 520 casos, 16% menor do que há duas semanas. A média móvel de óbitos é de 12, comparável ao melhor momento da pandemia no estado, que aconteceu entre outubro e novembro do ano passado, se dispensarmos os números baixos do comecinho, lá em março e começo de abril de 2020. A proporção de casos graves entre os infectados também caiu e agora varia entre 6% e 8%, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde.

É a força da vacinação que garante esses números em queda, mesmo com as constantes reaberturas. Pernambuco vacinou cerca de 57% da população com a primeira dose e 26% com a segunda dose ou dose única. Mas o exemplo de outros países mostra que a vacinação, sozinha, não garante uma queda mais acentuada, principalmente com a chegada de novas variantes, como a delta, e a queda da eficiência das vacinas com o passar do tempo. E ainda estamos em um patamar alto no Brasil, com média móvel de mortes acima de 640.

Como, então, aproveitar o momento de relativa baixa para conseguir controlar melhor a pandemia em Pernambuco?
Para especialistas ouvidos pela Marco Zero essa é a hora de reforçar atividades de educação e de rever protocolos, há muito defasados. O cientista Jones Albuquerque, do Instituto de Redução de Riscos e Desastres (IRRD), também lembra que, apesar dos números de queda, Pernambuco ainda está em um patamar alto.

O que há de positivo

Há, contudo, o que se comemorar. Nos gráficos de risco pandêmicos produzidos pelo IRRD várias cidades pernambucanas aparecem na zona verde, com baixo risco de infecção pelo coronavírus. Gravatá, Palmares, São Lourenço da Mata, Ipojuca, Toritama estão na faixa verde. “Nessas cidades agora é que deveria ser iniciada a reabertura. E por quê somente agora? A grande vantagem é que a teríamos um fôlego maior, com meses de casos em baixa. Vimos lugares que cometeram o erro de tirar as restrições e tiveram que voltar atrás. No estado do Oregon, nos Estados Unidos, estão precisando de caminhões para transportar os corpos”, comenta.

Outras cidades, mesmo com a vacinação avançada, permanecem em patamares altos. Recife é uma das que seguem no vermelho, ainda em alto risco pandêmico. “O que tudo indica que vai acontecer aqui em Pernambuco – por a gente ser avexado, já abrindo para eventos com mais de mil pessoas – é que o tempo que a gente teria de baixo risco será reduzido. A Espanha tem uma ótima cobertura vacinal, com 78% da população acima de 12 anos imunizada, e tudo indica que eles vão ficar na zona verde até o final do ano, no mínimo. Isso porque também não abandonaram as máscaras”, diz Jones.

A situação do Brasil, e de Pernambuco, ainda é uma incógnita, já que ainda não se sabe como a variante delta, mais transmissível e mais grave, irá se comportar por aqui, onde a predominância ainda é da gama.

“Estamos colhendo a efetividade das vacinas, mas sabemos que com a delta a história é diferente”, alerta o cientista. “A gente optou desde o começo a abrir a conta-gotas, mesmo em áreas com risco alto. Vamos ter que voltar atrás em algumas medidas, a não ser que a gente tenha uma nova variante dominante que não leve a óbito – não é o que parece. A esperança é que a vacinação acelere e segure minimamente a próxima alta. Mas quando a gente olha para países como Israel, com alta taxa de vacinados e que está dando a terceira dose, percebemos que não podemos abandonar as outras formas de prevenção só por conta da vacinação”, afirma.

Estudando os números da pandemia desde o início, Jones diz que esse é o momento para o poder público reforçar junto à população as outras medidas de prevenção. “Tem que conscientizar que precisaremos usar máscaras por muito tempo ainda. Não é para fazer como as pessoas estão fazendo, de se vacinar e correr para aglomerar. Mesmo com 100% de vacinados teremos que usar máscaras, já que estudos mostram que a efetividade das vacinas cai e teremos ainda uma parcela grande de vulneráveis. Vejo municípios tirando outdoors que sinalizavam para a população que estamos em pandemia. E é impensável se falar de carnaval agora. Talvez no de 2023. Teríamos que ter semanas sem óbitos e poucos casos para conseguir fazer carnaval. Não é o que parece que vai acontecer”, diz.

Situação pandêmica de Pernambuco no dia 01 de setembro de 2021

Quantas mortes serão aceitáveis?

Para o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise Covid-19, a transmissão precisa ficar muito abaixo do que está no momento. “De maneira alguma podemos falar em fim de máscaras ou do fim de qualquer outra medida de redução. Nem fomentar o retorno de eventos em locais não ventilados. Esse tipo de comportamento pode fazer com que a gente reverta a tendência de queda, que é inclusive o que estamos vendo em vários locais do Brasil”, alerta.

Isaac faz uma comparação com essa mesma época no ano passado, quando os indicadores também estavam em queda. “Estava todo mundo feliz e começamos a perceber uma reversão de tendência. A diferença de lá para cá é que não tínhamos vacinas, então agravamentos e óbitos não eram reduzidos. Hoje a gente tem vacinas. Teremos mais pessoas protegidas e dificilmente a gente vai bater recordes de mortes em uma nova onda, mas a ainda podemos ter óbitos e hospitalizações em um ritmo muito superior ao pré-pandemia”, diz.

E é aí que está uma conta difícil para um país como o Brasil, que sem uma política de saúde centralizada, deixou que ocorressem mais de 582 mil mortes por complicações do vírus.

“Podemos ter óbitos e hospitalizações em um ritmo muito superior ao pré-pandemia. Essa é a minha preocupação. Se a gente estabilizar em 300, 350 óbitos por dia vai parecer pouco em relação aos 3 mil óbitos de média que a gente teve no pico. Esses 300 e poucos óbitos são 20, 25 vezes mais do que tínhamos em 2019 por todas as somas de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep). Em 2019, o Brasil teve em torno de 5 mil óbitos totais, arredondando pra cima, de todas as causas que geram SRAG. Cinco mil óbitos no Brasil em um ano inteiro dá cerca de 14 óbitos por dia. Imagina a gente falar em 300 por dia…é um negócio absurdo. Mais de 600 como estamos agora é 50 vezes mais”, mostra Isaac. Ou seja, o que Pernambuco sozinho tem hoje em um dia era o que todo o Brasil tinha antes do Sars-Cov-2.

O que tem que ser feito para que esse patamar diminua é reduzir a transmissão ao mesmo tempo em que a vacinação avança. “Porque daí se aparece uma nova variante, estando em um patamar muito baixo, dá tempo de detectar no começo e dá tempo de, efetivamente, salvar vidas. Se deixarmos a transmissão alta e acontecer qualquer mudança inesperada, começamos de um patamar alto e dá um estouro rápido, como aconteceu em fevereiro com o avanço da variante gama”, recorda.

A médica sanitarista e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) Bernadete Perez complementa que, com casos em baixa, dá para fazer uma vigilância epidemiológica e genômica mais eficiente. “As prefeituras deveriam investir em uma vigilância no território, vinculada à atenção primária, com testagem e busca ativa de casos suspeitos, contatos próximos e domiciliares, confirmação e isolamento para quebrar a cadeia de transmissão. Temos que ter um plano de enfrentamento robusto para se manter uma queda de casos sustentada”, diz.

Protocolos desatualizados

Desde março de 2020, muita coisa mudou em relação à prevenção da covid-19. A ciência avançou e novas descobertas foram feitas, mas não foram incorporadas às campanhas e às falas do Governo de Pernambuco ou da maioria das prefeituras.

Hoje, se sabe que a principal via de contaminação é por aerossóis – partículas muito pequenas que “voam” por vários metros, como fumaça. No começo de 2020, fazia sentido se falar em álcool em gel e medição de temperatura, pois não se sabia o que se sabe hoje. Pegar covid-19 por contato é uma chance mínima, já confirmada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças Norte-Americano (CDC, na sigla em inglês). Mas em toda coletiva da Secretaria de Saúde se fala mais de álcool em gel do que da ventilação dos ambientes, tema raramente lembrado nas falas oficiais.

No plano de “convivência” de Pernambuco, por exemplo, nunca houve distinção entre ambientes fechados e ambientes abertos. Nos Estados Unidos, em Israel e nos países da Europa fica bem claro, pelo ritmo da abertura, de como os governos foram mudando os protocolos à medida que a ciência foi estabelecendo consensos. Ambientes abertos, como mesas e cadeiras de restaurantes nas calçadas, reabriram muito antes do que ambientes internos.
Nas contas do instagram do Governo do Estado e da Secretaria Estadual de Saúde é possível ver postagens falando da importância da máscara, da vacinação e da higienização das mãos, mas nada sobre ventilação. O mesmo na conta oficial da prefeitura do Recife.

“Ficamos parados aí um ano e meio por conta da pandemia e não vimos uma preocupação em melhorar a ventilação dos espaços de trabalho, das escolas. Pouco se fala disso no governo e também na imprensa. Já está muito bem estabelecido que o coronavírus se espalha por transmissão aérea, por aerossol. Então aquela ideia do distanciamento de um metro e meio, se você estiver em um ambiente sem circulação de ar, não vai ser suficiente. O que pode ser feito para contornar isso é melhorar a circulação do ambiente, seja com janelas, exaustor, filtros. É algo que a gente tem feito muito pouco no Brasil, de forma geral. Em países da Europa avaliam a qualidade do ar em salas de aula, é uma medida importante”, afirma o médico infectologista Bruno Ishigami.

Ele lembra também que é necessário o reforço na identificação dos sintomas e da necessidade do isolamento dos doentes. “É preciso fazer um trabalho de educação contínua. Quando os casos voltarem a crescer, e é esperado que isso aconteça, a população precisa estar ciente das rotinas. E isso é algo que está se perdendo, a necessidade do isolamento pras pessoas com coriza, febre, cefaleia, dor de garganta… É algo que outros países já adotavam antes mesmo da pandemia e precisamos adotar no Brasil”, diz.

Outro critério que o Brasil está atrasado em relação a outros países que controlaram o vírus é na adoção de máscaras médicas pela população em geral. “Sabemos que máscara de tecido ajuda, mas a podemos fazer melhor do que isso: associar duas máscaras cirúrgicas, uma cirúrgica e uma de tecido, e, idealmente, máscaras do tipo N95 ou PFF2, que são as que os profissionais de saúde utilizam nos serviços de saúde com pacientes com suspeita ou confirmação para covid-19 e protegem mais que qualquer outra”, completa.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org