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O futuro do brega funk com a gestão Raquel Lyra

Marco Zero Conteúdo / 28/11/2022

Tássia Seabra com MC Leozinho e equipe de produção do documentário que conta a trajetória de 20 anos do pioneiro do brega funk. Crédito: Acervo Pessoal

Por Tássia Seabra*

Uma pesquisa realizada pela Agência Eixo contratada pelo instituto Kondzilla, na qual fui uma das entrevistadas, revela que a falta de dados sobre a potência criativa da periferia resulta na baixa autoestima dos jovens. “Vivemos em uma era de dados, mas não temos informações positivas sobre coisas relacionadas à periferia. Sabemos que a cada 23 minutos morre um jovem negro no Brasil. Mas as coisas positivas não sabemos”, reflete Thaisa Machado, co-fundadora do AfroFunk Rio e pesquisadora da cultura periférica e também uma das entrevistadas.

Esses dados não existem porque o Estado só enxergao jovem periférico como problema e nunca como solução. O brega e o brega funk sempre foram tratados como questão de segurança pública. Sem espaços na mídia, nas casas de shows, os MCs resistiram à perseguição e à criminalização do movimento, inovando sem nada e tornaram o movimento brega funk o maior que temos hoje. Responsável diretamente pelo sustento de diversas famílias pernambucanas, gerando e sendo fonte de renda para as mesmas. Além disso, o brega funk éferramenta essencial para a construção e o desenvolvimento da autonomia e da autoestima dos jovens periféricos e, sobretudo, uma alternativa diretapara esses mesmos jovens se manterem longe da violência.

Nas ultimas eleições, acompanhei de perto a aproximação dos políticos tanto de esquerda quanto de direita com a comunidade do gênero. O reconhecimento mais direto e efetivo está sendo por parte da gestão João Campos, mas as oportunidades precisam ser ampliadas e os acessosdemocratizados para que o movimento cultural tão importante não vire moeda de troca entre políticos e empresários locais que enxergam o gênero apenas como produto. Festivais de brega centralizados não podem ser a única ação, onde apenas uma pequena parcela da cadeia produtiva e do público é beneficiada. Enquanto isso, os produtores independentes periféricos que exercem o papel do Estado promovendo atividades culturais na periferia são impedidos de realizar eventos em seus territórios, onde a única presença efetiva do poder público é através da polícia militar, acabando ou nem deixando começar o único lazer dos moradores que não têm recursos financeiros para frequentar casas de show nazona sul e eventos no centro da cidade.

Makingoff da gravação do documentário de 20 anos de carreira de MC Leozinho, o pioneiro do brega funk. Crédito: Acervo Pessoal

”É por isso que vemos os bailes em praças, fechando ruas. A não legitimidade desses lugares e a criminalização dificultam a relação dos funkeiros com a comunidade e geram atrito social. (…) Não existe frente de governo que dialogue com o funk. Em vez de criminalizar, o Estado deveria criar uma espécie de operação `baile funk`, que legalize fluxos, dialogue com os organizadores e compreenda a dinâmica e as necessidades de cada localidade, porque os eventos nas periferias são deixados de lado, ao contrário do que ocorre em ações culturais no centro da capital paulista”, afirma Renata Prado em entrevista para o jornal Estado de São Paulo. Renata é coreógrafa, pedagoga e especialista na cultura do funk ( e minha amiga), fundadora da Frente Nacional das Mulheres no Funk, na qual sou articuladora nacional representandoPernambuco.

O brega funk com números expressivos é responsável por movimentar milhões de reais no mercado fonográfico digital por ano. A nacionalização do gênero começou em 2018 após o boom da MC Loma e a consagração vem em 2020, quando quatro das dez músicas mais tocadas nas plataformas de streaming eram do gênero, despontando diversos nomes e atraindo olhares de grandes distribuidoras de música como a Sua Música e a ONErpm, tendo a última como a maior do país que abriu filial na cidade. O fenômeno das redes sociais trouxe ainda mais reconhecimento e, em específico o TikTok, com os famosos “Challenge” e suas dancinhas virais que mudaram completamente a forma de consumo de músicae o processo criativo dos artistas e produtores dos gêneros mais comerciais. As batidas do brega funk possibilitam coreografias cada vez mais elaboradas e estão sempre ocupando os trends das redes dominadas pela geração Z, que segue ditando as tendências do mercado.

É fundamental que a próxima gestão também reconheça o brega funk como economia criativa e, em parceria com a gestão de cultura da capital, dê continuidade à inclusão que vem sendo feita e, juntos, desenvolvam políticas públicas mais efetivas com a participação detoda a cadeia produtiva do gênero. Mas o perfil conservador da primeira governadora mulher do Estadoao meu ver será um desafio aos avanços que o brega funk vem fazendo no diálogo com o poder público. Raquel Lyra bebe diretamente na fonte retrógrada do pensamento padrão da elite provinciana do nosso estado, que só reconhecea cultura popular tradicional como cultura pernambucana, renegando historicamente asexpressões oriundas das camadas mais populares como o brega e o brega funk e, me arrisco a dizer, que são questões semelhantes ao que o mangue beat passou. Quem não se lembra do “conflito geracional” entre Chico e Ariano? Termo usado para suavizar o racismo estrutural sofrido por todo artista negro e periférico, independente do gênero musical.

A futura gestão não tem propostas concretas para a cultura do estado que é reconhecido mundialmentecomo a capital cultural do país e desconhece a amplitude das linguagens e expressões culturais que Pernambuco dispõe. Expressões culturais periféricas como o brega funk sempre foram historicamente associadas à marginalidade pelas mesmas pessoas que vão ocupar a Secretaria da Cultura na próxima gestão. Ao meu ver, a garantia da continuidade no diálogo passa pela criação de uma cadeira de cultura periférica no Conselho de Cultura do Estado. Estamos falando de jovens que historicamente nunca tiveram acesso aos mecanismos de cultura e que sempre se reinventaram com o que tinham em suas mãos e não seria diferente na era da tecnologia. O papel do poder público é estar atento à potência desse novo mercado musical digital que tem o estado fortemente representado pelo brega funke pra isso precisamos qualificar essa mão de obra para que, de maneira adequada,possa colher os frutos de todas receitas que o mercado digital oferece e muitos deles ainda desconhecem.

* Tássia Seabra é aceleradora de cultura,comunicadora social, roteirista, diretora e ativista da cultura periférica. Articula nacionalmente o Coletivo Funk No Poder e Frente Nacional das Mulheres no Funk que pautam o funk e suas vertentes enquanto movimento cultural e político. É tambémco-fundadora da Frente de Fazedores de Cultura Periférica de Pernambuco e do Coletivo Ibura Mais Cultura .

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