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Crédito: Fotos Públicas/Tereza Sobreira
Na madrugada da quarta-feira, o presidente do Haiti, Jovenel Moïse, foi assassinado após a sua residência oficial, em Porto Príncipe, ter sido invadida por homens armados. Na mesma quarta-feira, o Ministério da Defesa e os comandantes das Forças Armadas do Brasil assinaram uma nota, em tom de ameaça, repudiando às declarações do presidente da CPI da Pandemia, Omar Aziz (PSD-AM), que vinculou militares às denúncias de corrupção no Ministério da Saúde.
Os dois fatos, que aparentemente não teriam nenhuma relação, trazem mais coisas em comum do que a coincidência de terem acontecido no mesmo dia. Um ponto liga diretamente os dois episódios: A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah). Ambas tem relação com a equivocada participação do Exército Brasileiro na “força de paz”.
As circunstâncias e contexto do assassinato de Jovenel Moïse mostram que a atuação brasileira no Haiti, por longos 13 anos (2004 a 2017), não trouxe a estabilidade prometida ao país caribenho (além das acusações de uso desproporcional da força, desrespeito aos direitos humanos e abusos contra a população civil). Pelo contrário, o assassinato foi precedido por meses de instabilidade política e de segurança pública no país.
Pela Constituição haitiana, o mandato de Moïse terminou em fevereiro de 2021, mas ele se recusou a deixar o cargo, dissolveu o Parlamento, vinha governando por decreto e planejava mudar a legislação para permitir reeleição presidencial por dois mandatos.
Quem foi à rua protestar acabou reprimido com violência pelos militares haitianos, que têm a atuação brasileira no país como modelo. Durante seu mandato houve aumento nas taxas de crime, conflitos de gangues e sequestros. Para completar, a população ainda não começou a ser vacinada contra a covid-19.
Se a atuação do Exército parece ter sido ruim para o Haiti, pode-se dizer que foi muito boa para os militares que ocuparam postos de comando. A participação na Minustah turbinou a carreira e despertou a ambição política de muita gente com estrelas no ombro. Foi essa turma que avalizou o golpe de 2016 e que governa o Brasil desde a eleição de 2018.
Um levantamento feito pela jornalista Natália Viana, da Agência Pública, mostra que, dos nove generais que comandaram a Minustah que estão vivos, seis ocupam ou ocuparam cargos de primeiro escalão no governo Bolsonaro. Fazem parte dessa lista nomes como os dos generais Heleno, Santo Cruz e Edson Leal Pujol.
Ainda podemos citar os generais Luiz Eduardo Ramos, Floriano Peixoto e Ajax Porto Pinheiro. Se formos descendo na hierarquia de comando no Haiti e nos escalões do governo Bolsonaro irão aparecer tantos nomes que dariam para encher uma edição do Diário Oficial. Uma dica: quem quiser entender melhor essa história, já está em pré-venda o livro de Natália Viana – Dano Colateral: A intervenção dos militares na segurança pública (Editora Objetiva).
Em novembro de 2008 estive no Haiti e entrevistei o então comandante da Minustah, general Santos Cruz. Na fala do general, olhando retrospectivamente, fica claro que o Exército estava usando o Haiti como um laboratório para as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Brasil. A geopolítica fez também com que o comando da missão se aproximasse dos militares norte-americanos. Aproximação operacional, ideológica e sabe-se o que mais (Ouvi dezenas de depoimentos de oficiais falando como eram maravilhosas as folgas e férias na Flória). A verdade é que os generais voltaram cheio de “ideias” para o Brasil.
O “clude do Haiti” está no núcleo duro do que o coronel Marcelo Pimentel chama de Partido Militar, o partido que governa o Brasil hoje. O pensamento dessa turma, com uma visão enviesada do que é o Brasil, a democracia e a função das Forças Armadas, está sintetizada no texto assinado pelo ministro da Defesa e pelo comando da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. A nota foi publicada em Brasília, na quarta-feira, mas começou a ser escrita no Haiti, em 2004.
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Sérgio Miguel Buarque é Coordenador Executivo da Marco Zero Conteúdo. Formado em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, trabalhou no Diario de Pernambuco entre 1998 e 2014. Começou a carreira como repórter da editoria de Esportes onde, em 2002, passou a ser editor-assistente. Ocupou ainda os cargos de editor-executivo (2007 a 2014) e de editor de Política (2004 a 2007). Em 2011, concluiu o curso Master em Jornalismo Digital pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais.