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Jair Bolsonaro mexeu mais uma peça no processo de “fechamento” do país. O jogo do autogolpe segue em marcha. Pensar que estamos diante de uma mente alucinada que comete absurdos e faz o que faz sem respaldo político relevante é mais do que ingenuidade, é um flerte com a omissão.
Bolsonaro está
destruindo as instituições por dentro, dando seguimento no
Executivo ao trabalho iniciado pelo juiz Sérgio Moro, no Judiciário.
As notas inócuas de defesa da democracia não vão pará-lo. Boa
parte delas – senão a maioria – sequer citam o nome do
presidente.
As dissensões já são evidentes. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), começa um processo gradual de descolar a sua imagem da do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) – o rosto da oposição parlamentar ao governo Bolsonaro.
O presidente do STF, Dias Toffolli, só veio a público defender a democracia – um dia depois de Bolsonaro fazer proselitismo em ato pró-intervenção na porta do QG do Exército em Brasília – após conversar nos bastidores com o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva.
Em nota – mais uma – assinada pelo próprio ministro Fernando Azevedo e Silva, as Forças Armadas afirmaram o compromisso com a ordem constitucional e de “manter a paz e a estabilidade do país”. O que não está dito na nota é que a ala militar assentada no Palácio do Planalto concorda com a tese de Bolsonaro de que o governo está sendo cerceado em seus poderes pelo Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal.
Outras
pedras estão se movendo.
O governador de Minas
Gerais, Romeu Zema (Novo), saiu em defesa de Bolsonaro. Segundo ele,
há “pessoas que estão adotando um totalitarismo contra o
presidente (sic)”.
Às esquerdas que vibram cada vez que os índices de popularidade de Bolsonaro caem nas pesquisas convêm ler com mais cuidado essas sondagens. A verdade é que o “capitão” continua contando com expressivo apoio popular. Nada menos do que 36% do eleitorado consideram “ótimo e bom” o seu desempenho em relação ao coronavírus. 23% acham regular. Por outro lado, 52% dos empresários apoiam o posicionamento do presidente sobre a pandemia.
Nesse ponto, é bom lembrar que o golpe militar de 1964 foi, na verdade, um golpe civil-militar, que contou com amplo apoio do grande empresariado do eixo Rio-São Paulo. Vendo assim, a defesa pelo presidente da reabertura do comércio em plena pandemia não é loucura. É cálculo político.
A liberação para milhões de brasileiros dos recursos da renda básica emergencial – com ampla cobertura pelas emissoras de TVs – deve repercutir positivamente na imagem de Bolsonaro nas próximas pesquisas.
É evidente que o presidente da República já é mais do que reincidente em crimes de responsabilidade, mas, sem apoio popular significativo, a oposição está dividida sobre o encaminhamento e a defesa do impeachment.
Cada
vez que Bolsonaro se posiciona publicamente em apoio aos grupos mais
extremistas da direita – e depois faz um breve aceno às
instituições dizendo que não foi bem assim – a corda vai sendo
mais e mais esticada, seus fios se degradando e ele avança mais uma
casa no teste do apoio militar, empresarial e popular à ruptura
institucional.
A retórica do combate à corrupção, à velha política, à desordem e ao comunismo escreveu o discurso dos golpistas de 1964. Todos estes insights estão devidamente ativados agora.
Se a cúpula militar que está no Planalto vê o presidente cerceado em seus direitos constitucionais pelo Congresso e pelo STF, o que falar dos estratos hierárquicos mais baixos onde a adesão ao bolsonarismo é mais do que evidente? E das Polícias Militares nos estados? E das milícias? É também – e especialmente – a esse público que Bolsonaro pai e Eduardo, Flávio e Carlos falam diariamente. Bandido bom é bandido morto, não é? E quando o bandido é seu adversário político?
Esse texto pode soar pessimista ou até apocalíptico, mas não me parece que o otimismo seja uma boa referência para a análise. O que vai acontecer amanhã tem muito a ver com o que fazemos hoje. Minimizar a gravidade do que está em curso não ajuda. A política é uma corrente contínua.
Neste sentido, a decisão do ministro Alexandre de Moraes de abrir inquérito a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, para investigar possível violação da Lei de Segurança Nacional por “atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais”, no caso das manifestações pró-intervenção militar do último domingo, pode parecer um alento, mas só o tempo dirá o que significa de fato.
Todo o cuidado é pouco. Mais adiante, os defensores do impeachment do presidente Bolsonaro poderiam ser também enquadrados entre os grupos que atuam contra o regime democrático? Levantando de novo a tese dos dois extremos do campo político a desestabilizar o país?
Há muito a fazer para as oposições. Frente ampla partidária, inserção no alto escalão das Forças Armadas (é duro ter que dizer isso), articulação na cúpula do Judiciário, forte mobilização popular…
Os desafios são enormes.
“O risco diante da ofensiva do bolsonarismo – nas palavras de Celso Rocha de Barros – é que a defesa da democracia pareça uma tentativa de proteger os defeitos do sistema político brasileiro”.
Deixar
o tempo passar para ver como fica é ainda
mais perigoso.
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República