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O que os cortes no orçamento federal têm a ver com o sucateamento do CFCH da UFPE

Giovanna Carneiro / 12/03/2025
A imagem mostra uma área externa de um prédio. À direita, há uma cerca de metal cinza e à esquerda, uma calçada. Na cerca, há um cartaz branco com bordas azuis e letras grandes em vermelho e rosa que diz: O CFCH está do lado!. Ao fundo, há uma pessoa caminhando, parcialmente desfocada, e outras pessoas mais distantes. A imagem parece ser de um ambiente universitário ou escolar, com árvores e vegetação ao fundo.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Salas com ar-condicionados quebrados, falta de água potável nos bebedouros, sabão sem papel higiênico nem sabão, espaços sem manutenção e limpeza com estruturas danificadas, infiltrações, goteiras, elevadores que quebram com frequência. Essa é a realidade enfrentada todos os dias pelos alunos e alunas do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Os estudantes dos cursos que funcionam no prédio dizem que o descaso com a manutenção já é naturalizado pela gestão da UFPE e a situação tem se agravado nos últimos anos.

“Está tendo descaso da UFPE já há muito tempo com os estudantes. Não só com os estudantes, com os trabalhadores terceirizados na limpeza, os trabalhadores técnicos administrativos e com os professores também. A gente entra na universidade e a gente quer permanecer nela, a gente quer estudar para se tornar um ser humano ativo para a sociedade, mas é muito difícil estudar nessas condições que temos aqui: sem acesso ao básico que é um ambiente limpo e estruturado, sem ao menos ter água nos bebedouros para beber”, reclamou o estudante de História, Paulo Almeida.

No dia 20 de fevereiro, um acidente expôs ainda mais a precariedade do CFCH: devido ao rompimento de um cano, o Laboratório de História e Memória (LAHM) – responsável por armazenar e restaurar processos trabalhistas das décadas de 1940 até 1990 – foi inundado e teve parte do acervo danificado pelo vazamento de água.

“Quando eu vi tudo o que tinha acontecido, fiquei chocada. O processo de restauração está sendo bastante cansativo, porque a gente não tem muita ajuda, os alunos mesmo estão se mobilizando para poder fazer acontecer e recuperar o que foi danificado”, conta Maria Vitória Lapa, também estudante de História.

A imagem mostra uma pessoa em um ambiente interno, possivelmente um arquivo ou biblioteca, manuseando um grande volume de documentos ou jornais empilhados e amarrados com barbante. A pessoa está usando luvas brancas e uma máscara facial, sugerindo que está lidando com materiais que precisam ser manuseados com cuidado, talvez por serem antigos ou frágeis. Ao fundo, há estantes com livros e outros materiais organizados.

A estudante Maria Vitória Lapa trabalha voluntariamente no Laboratório da UFPE

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

A estudante integra um grupo de alunos que se mobilizou para retirar os documentos do LAHM a fim de minimizar os danos causados pelo vazamento. Maria Vitória trabalha voluntariamente no laboratório e no dia do acidente saiu de Carpina para a UFPE às pressas na tentativa de salvar o trabalho.

Alunos e funcionários do CFCH relatam que representantes da gestão da UFPE demoraram a chegar até o prédio para solucionar o vazamento e que, até o momento, não foram divulgadas as ações de reparo e restauração do trabalho realizado no LAHM. Por enquanto, a gestão disponibilizou terceirizados para ajudar os alunos no processo de realocação dos documentos e equipamentos do laboratório para outro andar do prédio.

Em nota enviada à Marco Zero, a reitoria da UFPE afirmou que está atuando no laboratório desde o primeiro dia e que “foi mobilizada, imediatamente, a equipe de pessoal terceirizado, para deslocar o acervo que foi afetado. À tarde, no mesmo dia, integrantes da administração central e de suas unidades estiveram lá para avaliar de maneira geral o que aconteceu. Do ponto de vista da questão hidráulica, foi substituída, no mesmo dia, a encanação que provocou o incidente”. Leia a nota na íntegra ao final do texto.

Ainda de acordo com a UFPE, nesta quinta-feira, 13 de março, haverá uma nova reunião da comissão emergencial, para dar uma devolutiva do que já foi feito e discutir outras questões, no médio e longo prazo, como possibilidades de financiamento de melhorias na infraestrutura do prédio, diante das dificuldades orçamentárias da UFPE.

“Nem todas as melhorias dependem exclusivamente do orçamento, mas podem vir de parcerias”, declarou a instituição.

Sobram problemas, falta orçamento

Um prédio de 15 andares que recebe diariamente um grande fluxo de pessoas e que possui quatro elevadores, mas apenas dois funcionam regularmente e ainda assim quebram com certa frequência. São muitos os relatos de alunos que enfrentam muitos lances de escadas para conseguir participar das aulas, além do problema de falta de acessibilidade que isso acarreta.

“Eu já precisei descer 11 lances de escada porque o elevador quebrou”, revela o aluno do CFCH Nix Barbosa. Enquanto conta os perrengues que enfrenta para conseguir concluir a graduação no prédio onde professores e funcionários têm de levar sabonete líquido e papel higiênico de casa para colocar nos banheiros – , Nix caminha em direção ao Diretório Acadêmico (DA) de História para mostrar um problema antigo e negligenciado no CFHC: ninhos de vespas que tomam conta das salas do primeiro e segundo andares.

Os alunos dizem ter perdido a conta de quantas denúncias fizeram à Ouvidoria da UFPE sobre as vespas, mas jamais tiveram resposta da gestão. À reportagem, a reitoria da UFPE informou que “vai fazer uma contratação específica para controle de pragas e insetos lá no CFCH. Já está sendo feito um mapeamento no prédio neste sentido”. Mas não informou quando será executada a contratação e o controle das pragas em questão.

A imagem mostra a fachada de um prédio com várias janelas na parte superior e cobogós vermelhos na parte inferior. Na parte central da fachada, há quatro letras grandes e brancas pintadas sobre o cobogó vermelho, formando a sigla CFCH. Esta sigla provavelmente representa o nome ou a abreviação de uma instituição ou organização localizada neste edifício.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero
A imagem mostra um canteiro de obras ao ar livre, possivelmente em um parque ou praça. Há várias estruturas de metal em construção, algumas ao redor de árvores jovens. O chão é pavimentado com blocos de concreto, e há bancos de madeira espalhados pelo local. À direita, há um poste de iluminação e uma área com materiais de construção, incluindo pedaços de madeira e metal. Ao fundo, há uma cerca branca e árvores verdes, sugerindo que o local está em uma área arborizada. O céu está azul com algumas nuvens brancas.

Obra da Praça das Humanidades

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Sobre as queixas em relação à questão de banheiros, elevador e ar-condicionado, a reitoria informou que “está verificando com as empresas prestadoras de serviço o porquê de faltar papel higiênico, por exemplo. Sobre os elevadores, há contrato de manutenção e está sendo buscada uma solução definitiva. Com relação aos aparelhos de ar-condicionado, a UFPE conta com contrato de prestação de serviço de manutenção de ar-condicionado e será feito um levantamento para que seja dada prioridade à situação do CFCH. Neste momento, a Universidade está trabalhando em regime de cotas para atendimento às necessidades de manutenção de ar-condicionado. Mas será feito um remanejamento de cotas para este atendimento emergencial”.

Diante de tantos problemas, alunos da UFPE se mobilizaram no dia 26 de fevereiro para promover um ato contra a precarização do CFCH. A mobilização aconteceu no início da tarde em frente a reitoria da UFPE. Em seguida, os alunos fecharam uma das faixas de acesso de veículos ao Campus Recife da UFPE, onde permaneceram por cerca de 30 minutos e seguiram em caminhada até o Restaurante Universitário. O ato finalizou com um jogral.

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Junto ao CFCH há uma obra parada. É a obra da Praça das Humanidades, projeto anunciado no segundo semestre de 2023 pela UFPE em parceria com a empresa Multcom Construtora Ltda. O projeto prevê a transformação da área localizada entre o Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), o Centro de Artes e Comunicação (CAC) e o Centro de Educação (CE) em um novo espaço de convivência e descanso onde antes estava localizado um estacionamento. A obra, que tinha entrega prevista para setembro/outubro de 2024, está atrasada e contou com um investimento estimado  em aproximadamente R$ 2,9 milhões.

No dia 4 de fevereiro, o reitor da UFPE, Alfredo Gomes, havia publicado um vídeo no Instagram da universidade alertando a comunidade acadêmica sobre uma crise orçamentária.

“Nós não temos ainda a aprovação do orçamento do serviço público de maneira geral, das instituições públicas e, de modo especial, das universidades. Estamos, portanto, recebendo 1/12 avos, é um valor mínimo para fazer a manutenção da universidade […] É uma situação preocupante, obviamente, porque isso atrasa em muito as ações das nossas instituições, instituições grandes e complexas, que precisam, obviamente, de previsibilidade orçamentária para o seu adequado funcionamento. Então, vamos fazer a gestão do pouco que nós temos em mãos para atender à população e manter os contratos essenciais, assim como as bolsas dos nossos estudantes, que são prioridades para o nosso funcionamento”, declarou o reitor no vídeo.

A Comissão Mista de Orçamento (CMO) deve votar o Projeto de Lei Orçamentária de 2025 no dia 19 de março, segundo informações da Agência Senado. A análise da proposta, originalmente prevista para dezembro de 2024, foi adiada devido a um impasse sobre as emendas parlamentares, após uma série de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que impuseram restrições ao pagamento desses recursos até a definição de regras de transparência e rastreabilidade. O impasse foi resolvido no final de fevereiro, quando o ministro Flávio Dino, do STF, homologou um plano de trabalho elaborado pelo Senado, em parceria com a Câmara dos Deputados e o Poder Executivo, com medidas para garantir mais transparência na execução das emendas.

Questionamos a UFPE quais seriam as consequências que a diminuição ou manutenção nos valores dos orçamentos destinados às universidades federais.

Em nota, a universidade declarou que “tem reduzido despesas e contratos, mantendo o que é imprescindível para o funcionamento da instituição, conforme já informado pelo reitor Alfredo Gomes”. Ainda de acordo com a instituição, este ano, a UFPE contará com o orçamento de R$ 165 milhões, valor igual ao orçamento inicial de 2024 (depois houve suplementação).

Confira a nota enviada pela UFPE na íntegra

Desde que houve o ocorrido no CFCH, a Reitoria esteve atuando desde o primeiro dia. Foi mobilizada, imediatamente, a equipe de pessoal terceirizado, para deslocar o acervo que foi afetado. À tarde, no mesmo dia, integrantes da Administração Central e de suas unidades estiveram lá para avaliar de maneira geral o que aconteceu. Do ponto de vista da questão hidráulica, foi substituída, no mesmo dia, a encanação que provocou o incidente. Na segunda-feira seguinte, o reitor Alfredo Gomes (que estava em Brasília no dia do vazamento) e a equipe estiveram novamente no prédio, incluindo pessoal de infraestrutura, projetos e obras e de administração que responde pela parte de contratação. Eles fizeram uma vistoria em todos os 15 andares.

Desde a primeira reunião, coordenada pelo chefe de Gabinete, Fernando Nascimento, no mesmo dia do incidente, foi estabelecida uma comissão emergencial composta por membros do CFCH, de todos os departamentos do CFCH, técnicos, estudantes, e membros da Reitoria, das áreas que envolvem a questão da infraestrutura. Já foram tomados alguns encaminhamentos. Além da parte hidráulica que foi substituída de imediato, foi combinada a mudança de toda a coluna de água onde houve o vazamento. Está sendo realizado o levantamento de material necessário para a aquisição do material e a troca. A Comissão Emergencial também vai realizar um levantamento dos equipamentos que foram danificados para ser avaliada a reposição de acordo com a disponibilidade orçamentária. E também, nesse mesmo levantamento, serão identificados os bens imóveis inservíveis que estavam espalhados pelo prédio, para serem recolhidos.

A Reitoria solicitou à comissão que apresentasse a demanda de restauro dos acervos afetados, do TRT 6 Região e também o acervo do Nudoc (Núcleo de Documentação sobre os Movimentos Sociais de Pernambuco Dênis Bernardes), que já tinha sido afetado por um outro incidente com água, em outubro do ano passado. Então, o Nudoc será contemplado também. Foi montada uma subcomissão, envolvendo a Biblioteca Central, a coordenação de arquivo geral e a Superintendência de Cultura para desenvolver ações voltadas à reparação e à restauração, e uma política de acervo a longo prazo.

Nesta quinta-feira (13), haverá nova reunião da Comissão Emergencial, para dar uma devolutiva do que já foi feito e discutir outras questões, no médio e longo prazo, como possibilidades de financiamento de melhorias na infraestrutura do prédio, diante das dificuldades orçamentárias da UFPE. Nem todas as melhorias dependem exclusivamente do orçamento, mas podem vir de parcerias.

Com relação especificamente ao acervo que foi atingido, ele foi todo removido do local e está alocado em outros ambientes do CFCH. Em relação ao acervo do Lahm, 20% foi atingido pelo incidente. Desse conjunto de material, ele foi deslocado para outros espaços, no 4° andar, onde fica instalado o laboratório, mas também no 10°, onde fica a pós-graduação em História, com a qual o laboratório tem, obviamente, uma interface de pesquisa. Há uma parte do material que não foi afetada, que continua no mesmo espaço, numa área que está protegida.

Sobre outras questões, como marimbondos e vespas, a Reitoria vai fazer uma contratação específica para controle de pragas e insetos lá no CFCH. Já está sendo feito um mapeamento no prédio neste sentido.

Sobre a queixa em relação à questão de banheiros, elevador e ar-condicionado, a Reitoria está verificando com as empresas prestadoras de serviço o porquê de faltar papel higiênico, por exemplo. Sobre os elevadores, há contrato de manutenção e está sendo buscada uma solução definitiva. Com relação aos aparelhos de ar-condicionado, a UFPE conta com contrato de prestação de serviço de manutenção de ar-condicionado e será feito um levantamento para que seja dada prioridade à situação do CFCH. Neste momento, a Universidade está trabalhando em regime de cotas para atendimento às necessidades de manutenção de ar-condicionado. Mas será feito um remanejamento de cotas para este atendimento emergencial.

Orçamento

Em relação ao orçamento, a UFPE contará este ano com R$ 165 milhões, valor igual ao orçamento inicial de 2024 (depois houve suplementação). A Universidade tem reduzido despesas e contratos, mantendo o que é imprescindível para o funcionamento da instituição, conforme já informado pelo reitor Alfredo Gomes.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.